FALÁCIAS
FALÁCIAS – 10 MAI 2020
Igual que pedras multipercorridas
As escadas e ruas de minha história
Trazem apenas arestas carcomidas
Pelos passos febris de minha memória.
Memória esta, quiçá, sendo irrisória,
Não formada por lembranças mal-nutridas,
Mas por lampejos de ilusão finória,
Lembrando coisas por outrem malqueridas.
De exemplo a cúpula de fama majestosa
Da catedral a que chamam de Sophia,
Não é o que chamou minha atenção,
Mas os degraus de rondada confecção,
Moldados pelos pés de quem subia
Ao mezzanino de antiguidade airosa...
FALÁCIAS II
E quando em Roma, não foram os castelos,
As ruínas, as estátuas, belas fontes,
Que travaram minha atenção em seus desvelos,
Mas os pinheiros recortando os horizontes,
Tão diversos de nossos pinhos belos,
As araucárias soerguidas sobre os montes,
Meu sul amado marcando com seus selos
Os desígnios azulados de horizontes.
Quem vai a Roma quer ver o Vaticano,
Mesmo que o Papa não lhe dê audiência
E a capela de adornos miguelângicos,
Mas meus olhos se apegaram aos alfângicos
Desses galhos de estranha presciência
Das mil demandas de meu pensar arcano.
FALÁCIAS III
Já muita vez expressei o sentimento
De que nada se recorda nesta vida
Senão aquele vivaz renovamento
Da memória tantas vezes percorrida.
Lembramos mesmo é a lembrança revivida
Em seu constante e falaz reavivamento
E não aquela ocorrência já encardida
Nos calabouços de nosso pensamento.
Porque a vida não para e só recorda
O quanto já no passado recordou,
Nesse cordão já multifacetado
Igual que a luz dos dias do passado
Que a luz de hoje apenas informou,
Igual um sonho de que nunca se acorda.