OPRESSÃO DO ESTIO
Opressão do Estio 1 -- 9 Jan 2018
A mão pesada do ar quente que me esmaga
Me empurra contra o solo. Esse calor
Eu até em garrafas guardaria, mas aziaga
Foi a ocasião de as abrir com estridor.
Eu não queria, juro! O meu ardor
Era vender fora de casa a longa praga
Que é para mim esse falso cobertor,
Mas outros as abriram, em tola e vaga
Esperança de ali achar algum conforto,
Permeio ao frio, por terem esquecido
O que antes fora o estio. Memória cessa,
Bem mais depressa que se esvai aborto
E assim soltaram meu verão bem escondido,
Que hoje domina qual mortalha espessa...
Opressão do Estio 2
Eu realmente um negócio abrir pensara
Ao engarrafar de um verão todo o calor;
Em meu porão mil botijas eu guardara,
Curativo das frieiras seu pendor!...
Mas desse lucro não me tornei senhor,
Pois foi o inverno mais quente que esperara;
Alguém abrira de minhas garrafas o estridor
Pensando ser champanha e me roubara!
Isso porque, mesmo guardadas no porão,
As minhas garrafas começaram a estourar!
Eram de plástico, sou forçado a confessar...
E não do rijo vidro de antemão
E seu calor atravessou o meu assoalho,
Como castigo por meu ato falho!...
Opressão do Estio 3
Em consequência, o que perdi foi o inverno,
Vendo os passantes de bermuda pela rua,
Expondo ao fraco sol a pele nua,
Mesmo que o vento em nada fosse terno...
Dentro de casa, ventilador alterno
Com seu colega e todo o pó estua
De seu rotor, mas o calor flutua,
Vaga lembrança do acalentar materno...
Mas de repente, esgota-se a energia
Liberada da botelha que estourou
E o ventilador ventila por demais!
E sou forçado a desligar, porque me esfria
Bem mais do que o calor já me cremou
E essa alternância não controlo mais!
Opressão do Estio 4
O meu calor não consegui vender,
Muito embora o aceitassem de presente
E o introduzissem em coração carente,
Como resgate do frio de seu porém...
Mas para mim o conservar não pude ter:
Qualquer calor se expande facilmente,
Das profundezas da adega evanescente,
Para fazer de mim mesmo o seu refém!
Perdi o inverno no fragor desses ataques,
Vendo os demais andar semidespidos,
Durante as noites a espancar seus atabaques.
Quem sabe empacotar agora possa o frio
E o distribuir no verão aos mais sofridos,
Igual que um sopro sutil de calafrio!...