ENTRE NUVENS - Quintino Cunha

Ameaça chuva. O pássaro na rama

vem de ocultar-se. Agora permanece

à sombra do covil. Tudo parece

triste como a saudade de quem se ama.

Enquanto o Céu apenas se recama

de nuvens, não; mas, quando se incandesce

de um relampear profundo, a chuva desce,

por fina força a chuva se derrama.

Em nós outros também o tempestivo

a mar é assim como este quadro vivo,

que, há pouco, a natureza dominava.

Falo por mim, tirando por Maria;

pois, quando na minh'alma relampeava,

nos seus olhos tristíssimos chovia.

© Quintino Cunha

in: Pelo solimões, 1907.

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José Quintino da Cunha (Itapajé, 24 de julho de 1875 — Fortaleza, 1 de junho de 1943) foi um advogado, escritor e poeta cearense.

Tornou-se uma figura lendária no Ceará. Não há quem não tenha ouvido falar nesse notável poeta e advogado. Na verdade, menos pelas suas belas poesias do que pela fama de repentista emérito. No entanto, Quintino foi um dos vultos mais importantes da literatura cearense, além de poeta era contista, orador e advogado.

Ficou bastante conhecido por seu estilo irreverente e carismático, também lembrado pelas anedotas que contava.

Teve seus casos contados pelo seu colega e conterrâneo Roberto Victor Pereira Ribeiro, na revista Cultivar Justiça de Porto Alegre-RS, no ínsigne jornal Diário do Nordeste e no Portal Direito-CE.

Quintino e seus amigos boêmios e intelectuais da época, passavam o tempo na Praça do Ferreira, onde se concentravam o maior número de Cafés.

Sempre inquieto, resolveu deixar a sua cidade natal e foi parar na Amazônia. Lá, como provisionado, advogou durante cinco anos. Depois foi para a Europa, onde publicou o seu primeiro livro, "Pelo Solimões", em 1907. Conviveu e fez amizade com diversos escritores estrangeiros. Logo porém, voltou ao Ceará e matriculou-se na Faculdade de Direito. Concluiu o curso em 1909.  

Advogou no foro criminal, tornando-se célebre pela sua incomparável oratória. Tal qualidade era muito requisitada em comícios e festividades. No entanto, Quintino se tornou realmente famoso pela sua faceta de boêmio...

Viveu sempre em dificuldades financeiras, não só pelo fato da sua família ser numerosa como pelos seus sucessivos casamentos e os consequentes encargos familiares. Apesar disso, chegou a ser deputado estadual (1913/1914) e pertenceu à Academia Cearense de Letras.