TEORES E TEORIAS &+
TEORES E TEORIAS (&+)
NOVAS SÉRIES DE WILLIAM LAGOS – 7-16/9/2018
Teores e Teorias VI – 7 Setembro 2018
Coprólitos IV – 8 Setembro 2018
Rostos sem Boca IV – 9 Setembro 2018
Sombras da Lua III – 10 Setembro 2018
O Velho Modernismo IV – 11 Setembro 2018
Phacas e Garphos III – 12 Setembro 2018
Centelhas Negras III – 13 Setembro 2018
Fulgores IV – 14 Setembro 2018
Ímpio Sorriso – 15 Setembro 2018
Um Soneto para Abelha –16 Setembro 2018
TEORES E TEORIAS I – 7 SET 18
Há tanta gente que afirma, simplesmente,
não sentir o menor gosto por poesia,
qualquer poema a tratar com zombaria:
quem faz versos para a vida é impotente!
Na verdade, o que julga certa gente
é que algum verso só apaixonado cria;
somente amor ou paixão explicaria
essa fiada de palavras descontente!
“Soneto é feito de um amor sofrido:
quem por conquista real sabe lutar,
não perde tempo agarrado a uma caneta!
“Mas vai à luta até o par ter conseguido,
mesmo que tenha de humilhar-se ou de matar,
sem nos versos conservar paixão secreta!”
TEORES E TEORIAS II
“Ou então, passa a vida perturbando
essa vítima infeliz de seu pendor,
com versos tolos de péssimo teor,
que há tantos séculos nos vêm incomodando!”
Nada de novo de um soneto se esperando,
alguma tola, talvez, beije esse ardor
e até aceite a bemquerença do louvor,
nevoeiro apenas, que vai-se desmanchando...
Mais raramente, versos há de amor feliz,
alguns, quem sabe, de descrição sensual,
um outro ainda, por amor desapontado,
pode escrever no papel o que se diz,
com pornográfica conotação sexual,
humor buscando com desprezo assim mesclado.
TEORES E TEORIAS III
Mas se me lês, por certo não és assim:
quem conseguiu chegar até este ponto,
por mais que a vida lhe trouxesse desaponto,
no coração sépalas guarda de jasmim;
não as pétalas de colorido baldaquim,
não um amor de recíproco reponto,
não maravilha romântica de um conto,
mas a dureza verde do capim,
o anel de sépalas a firmar outro cetim
e bem no centro, a dourada sementeira,
que dispersada busca em breve ter um fim,
mas só a ponte do caule com o cetro,
valente a haste conservada inteira,
até apenas a raiz sobrar como um espectro.
TEORES E TEORIAS IV
E quem assim se desposou com a nostalgia
do que não teve ou que algures se perdeu,
no coração da inquietação não se esqueceu:
queimou-se a alma, sem tornar-se fria;
identifica das paisagens a harmonia,
quando um momento de reinado conheceu,
nessa explosão de luz que então sofreu,
tanta beleza assim formada de agonia!
E em cada aspecto do mundo vê o teor
do impermanente eterno, que não via
qualquer cético imerso em sua teoria,
qualquer tolo indiferente a seu valor,
quem do escárnio bebeu a amarga taça,
julgando inútil a emoção por que perpassa!
TEORES E TEORIAS V
Porque a poética é bem mais que uma elegia.
muito mais que o enfeitar da Natureza,
muito além do que saudade, com certeza,
muito mais doce que uma simples nostalgia;
ela se encontra no mais sutil que havia,
desde a epopeia até a modesta singeleza
de uma quadrinha bordada sobre a mesa,
num guardanapo de ingênua fantasia...
Que em cada coisa se descobre uma poesia;
ou, ao contrário, cada coisa arrancaria
verso fatiado e febril do coração;
e até mesmo em reportagem fria,
sente o poeta em substrato a vibração,
que só em sua alma estala de emoção.
TEORES E TEORIAS VI
Pena só sentes de um coração vazio
que não consiga teus versos entender,
se igual a mim tens róseo compreender,
em seu calor te aquecendo contra o frio.
Quem só se aquenta no clímax do estio
tão somente o material pode querer,
na dor apenas percebe o padecer
e escuta um guincho no mais mavioso pio,
que só alimento vê na couve-flor,
que no seu cão só percebe um servidor,
que em curva vê tão só sinuosidade,
que olha o chão molhado e só vê lama,
que num suspiro é só o sono que o reclama,
que só no céu busca os sinais da tempestade!
coprólitos 1 – 8 set 2018
fezes fósseis... ora, quem diria
objeto fossem de um sério estudo;
são muito antigos, disso não me iludo,
quem sabe eu mesmo as colecionaria!
por mais estranho que te pareceria,
muito nos fala esse aparente mudo
espécime que algum dia foi desnudo,
mas numa rocha se transformaria!...
coprolitologista até mesmo reconhece,
por seu formato e aspecto exterior,
sua procedência de que tipo de animal!
existe algum que simplesmente o aquece,
qualquer mudança provocando na sua cor,
recuperado o seu calor intestinal!...
coprólitos 2
mas em geral, precisavam ser partidos,
em certos casos, até pulverizados,
seus segredos arduamente desvendados,
testemunhas de tempos já perdidos;
são dados importantes recolhidos
sobre o clima dos séculos passados,
quais as sementes e caroços mastigados,
o que crescia, quais enganos desmentidos
facilmente nas camadas geológicas,
ou junto a restos fósseis encontradas,
quaisquer suposições tornadas lógicas,
enquanto outras vão sendo descartadas,
qual um retrato das condições climáticas,
mudos gritando afirmações enfáticas.
coprólitos 3
hoje em dia, por ressonâncias magnéticas
ou ultrassom, já não precisam ser partidos;
em museus podem postos e exibidos,
alguns mesmo como formações estéticas.
são muito raros, preservados nessas técnicas,
reais carnívores desta forma conhecidos,
outros fósseis da predação absolvidos,
mesmo enfrentando observações mais críticas.
quem pensaria que os mortos intestinos,
tecidos moles que não são petrificados,
assim pudessem nos manifestar,
nos tribunais da ciência, os seus destinos,
após milênios, finalmente comprovados,
os seus rugidos novamente a se escutar!
coprólitos 4
naturalmente, eu prefiro as ametistas,
que nos protegem contra a embriaguez,
amethuskein a revelar o seu jaez
e que nos trazem diferentes pistas,
não do alimento, mas de amores e conquistas,
restos do ouríves que tais jóias fez...
que vão anéis e fiquem dedos, assim crês,
embora os dedos é que nunca mais avistas!
e de igual modo que na grosseria do geodo,
somente após quebrado a jóia surge,
quanta gente a envergar mantos de lodo
possui na alma essa ternura violeta,
não abstrata, mas durável e concreta,
cuja ganga de desdém quebrar-se urge!
ROSTOS SEM BOCA I – 9 SET 2018
Meu uniforme de domesticidade
é esta minha roupa trapejante,
pelos buracos o vento drapejante,
o meu calor roubando sem maldade;
em mim habita esta fertilidade
que fui largando, humilde viajante,
pelos caminhos da vida contrastante,
mil fragmentos a deixar em cada idade,
acumulados nas “brumas do passado”,
mas “na noite dos tempos” não perdidos:
foi uma dúzia de minhas vidas que morreu,
após cumprirem seu dever designado,
nem um só desses mortos esquecidos,
pois desses ventres do antanho nasci eu.
ROSTOS SEM BOCA II
Cada um cumpriu, em seus anos, sua função
e como foram diversos seus deveres!
Muito mais obrigações do que prazeres,
muito mais mente a desgastar que coração;
mas sendo gastos com exata precisão
destes dias, um a um, os seus poderes,
seus alicerces constituem meus haveres,
fios furtacor quiromantes sobre a mão;
lá estão eles, no antanho adormecidos,
contemplados podem ser rostos antigos,
seus olhos brilham, ainda podem respirar,
se os indagares, emprestam-te os ouvidos,
seu bafo sopram em calores ainda amigos,
porém suas bocas não consegues encontrar.
ROSTOS SEM BOCA III
Os teus, iguais aos meus, estratificaram
e nada mais conseguem te dizer,
bocas ausentes é bem fácil perceber,
apenas traços sobre as faces lhes ficaram;
podes dizer que as memórias te deixaram,
que dentro em ti poderão permanecer,
mas não indagues da lembrança algum saber,
se as experiências pouco ou nada te ensinaram;
não têm conselhos para o teu porvir,
teus anos mortos são imagens de escultura,
têm vã e inútil qualquer adoração;
deles só existe o que pôde persistir
dentro de ti, recordação impura,
pois deformaste pela vida a sua feição.
ROSTOS SEM BOCA IV
Esse que vês no espelho é o teu Agora,
mesmo enfeitado por muita maquiagem,
são os cosméticos que recobrem a paisagem,
não a máscara que usaste em teu outrora;
somente podes, em tua presente hora,
consultar o teu presente, a tua carruagem,
que ainda roda à frente, em temeragem
ou temerosa do tempo que a devora;
é só essa boca que o teu rosto tem,
não podes ver as bocas dos semblantes
misteriosos, que já envergaste dantes;
que somente o dia de hoje trilhar vem
o atual nenhures e que pode te indicar
como escolher do amanhã o palmilhar.
SOMBRAS DA LUA I – 10 SET 2018
As sombras do luar mais tênues são
Que aquelas sombras fortes do solar,
Bem mais suave a luz desse pratear,
Sem que haja sombras onde as luzes não estão;
São dos luzeiros as sombras que te dão,
Em projeção que só podem te emprestar,
Quando obstruis de teu lampião o prodigar,
Teu corpo oposto a qualquer abstração;
Mas o que fazes é impedir a sua passagem,
Quer procures a luz ou a rejeites,
Atrás de ti enegrece-se a paisagem
E quem está mais atrás fica na treva
Até que vás além e não mais aceites
Essa função de um escudo que se eleva.
SOMBRAS DA LUA II
Talvez te seja até difícil aceitar
Que não é tua essa sombra que projetas,
Mas se te acolhes nas alfombras mais secretas,
Sombra nenhuma de ti podesprojetar;
És dependente assim da luz solar,
Se forem cálidas, as chispas sõo diletas,
Porém mais fortes, importunas lançam setas,
Que te derretem em sombras ao passar.
Bem mais gentis são as sombras do luar,
Que chegam para ti tais quais abraços
Num envelope de maciez que te ennovela,
Porém tampouco as podes rejeitar:
Mesmo fechando os olhos como traços,
Por entre as pálpebras ainda a luz abre cancela.
SOMBRAS DA LUA III
Pouca vantagem possui um vulto cego,
Mesmo que em coisa alguma aviste a luz,
Se ante ela sombra igual produz,
Sem qualquer rejeição, qualquer apego!
Mesmo onde a luz não projete qualquer rego,
Como no oceano que em báratro reduz,
Existe algum organismo que reluz
Como fósforo, alguma luz a projetar, não nego;
Mas de que modo, em tal pesado envolvimento
Pode uma sombra mostrar algum alento?
Que superfície a poderia acalentar?
E se estivesses num meio fulgurante,
A luz brotando ao redor a cada instante,
Sobre o que se poderia projetar?
O VELHO MODERNISMO I – 11 SET 18
Salvo se houver um enamoramento
Com o passado, qual estagnação,
Surgem tendências em cada geração
De se criar algum moderno movimento,
Com a geração anterior em rompimento,
Parao futuro a voltar a aspiração,
Uma “grande ideia nova” em gestação,
Tudo diverso a se querer nesse momento.
Esses que sentem ter a vida pela frente
Vêm na década anterior mediocridade,
Algo de podre e caduco a superar;
E surge assim, entre os moços, a frequente
Palavra de ordem de qualquer nobilidade
Ou simplesmente, de querer algo quebrar!
O VELHO MODERNISMO II
Você pensou na semelhança do “moderno”
Com o mesmo radical que cria “a moda”?
Novel iniciativa surge em coda,
Num transitório que se pretende seja eterno...
Da geração anterior se busca o alterno:
“O que é da moda não nos incomoda”
A repetir-se qual em canção de roda,
Qual primavera que sucede o inverno.
Será o moderno tão somente o transitório,
Alguma coisa que se adota sem motivo,
Só pela dança que inicia ao derredor?
Em malicioso teor desconstrutório,
Sem sequer o anterior passar-se ao crivo,
Antes do novo aceitar-se sem pudor?
O VELHO MODERNISMO III
Ridicularizar se poderia tal tendência,
Se melancólico não fosse o Modernismo;
Já no passado se encaixa o Futurismo,
Desgaste lento de sua inicial potência;
Por um momento possuiu sua pertinência,
Porém qual novo apelido esse modismo
Receberá? Será talvez Tecnologicismo,
Que o Pós-Moderno já esgotou a sua valência?
O problema é que todos esses termos
Foram usados por esses jovens tão antigos,
Na maioria a dormir em sepulturas,
Tantos ideais na poeira desses ermos...
Quem irá denominar novos perigos
De haver desconstruões simples e impuras?
O VELHO MODERNISMO IV
Também eu tinha meu próprio futurismo,
Que aprendi de alguns inovadores,
A enfrentar a sociedade, sem temores,
Há oitenta e cem anos de antanhismo...
Foram profetas de um real Cientificismo,
Que hoje vemos realizado em pormenores;
Não só escreveram, mas plantaram seus valores:
“Ficção Científica” denominou o criticismo.
Por outros idiotas reduzido a só “Ficção”,
Tal qual real fosse qualquer literatura
E seus enredos e personagens existissem...
Mas trago em mim uma real satisfação
De ver em torno a tecnológica aventura,
Que há tantas décadas meus antigos nos previssem!
PHACAS E GARPHOS I – 12 SET 18
Um movimento pela modernidade
surgiu entre nós uns cem anos atrás,
que algumas letras até exiladas faz
e a ortographia podou sem caridade.
Certamente resultou de ingenuidade,
que um combate ao francês então perfaz,
que sufocava nossa língua como gás:
independência desejavam, na verdade.
Mas de fato, ao espanhol é que imitavam
e a aprender língua estrangeira complicavam:
não só a gaulesa, mas igualmente o inglês;
e assim nossas origens rejeitaram:
Adeus, Latim, que nossa língua fez,
Adeus, meu Grego, de erudita grês!
PHACAS E GARPHOS II
É bem verdade que existia um exagero,
sem que houvesse uma razão etimológica
e nem sequer explicação mais lógica,
para um Agá colocar-se como apero
antes de um Hontem ou de um Hombro vero,
nem na influência francesa algo antológica,
nem na tendência espanholista e ontológica,
mesmo que fosse o tolo enfeite bem sincero.
Sem dúvida, deve-se a Monteiro Lobato,
nesse seu livro, apelidado de “Gramática
da Emília”, influência bem grandiosa,
tal qual “O Poço do Visconde”, que de fato
abriu os olhos para a certeza fática
de nossa riqueza petroleira portentosa.
PHACAS E GARPHOS III
Infelizmente, as reformas continuaram,
até essa última, que decretou Sua Majestade,
em seu trono, na presidencial continuidade:
“democraticamente” ao trema até exilaram!
Um ignorante que na ABL colocaram
a afirmar que só a lusitaneidade
possuía variada a escrituralidade
nesses países que tal língua conservaram!
Se o infeliz conhecesse algum inglês,
para mostrar o exemplo mais gritante,
saberia como se escreve diferente,
de um país para outro, ainda que lês
muito mais na anglofonia, mas esse “gigante
cultural” o decreto assinou muito contente!
Centelhas negras i – 13 set 18
Por entre as grades brilhou raio de sol
Na jaula rubra de meu próprio coração;
Não que estivesse imerso em escravidão,
Nem encolhido perante azul farol
Porém a luz fisgou-me qual anzol,
Enganchado num alvéolo do pulmão,
Medo e rancor gerando em brotação,
Não sei de que tal luzeiro vinha em prol,
Mas são essas expectâncias subitâneas
Que nos invadem como um golpe escuro,
Qual estilete de amor é sua traição,
Não se percebe qualquer coisa de espontânea
Que a causa explique desse fulgor impuro,
Que nos dissolve sem maior explicação.
Centelhas negras ii
Descem-nos gotas de sol nessa certeza
De que não há muralha nem barreira
A alma já tomada toda inteira,
Não por prazer, nem por ânsia de beleza;
Algo nos queima de infinita alteza
E nos esfria na emoção mais corriqueira
Que inesperada chega plena e sorrateira,
Um hematoma atroz em sua crueza;
Seus raios descem para cortar a grade
De quem queria manter-se prisioneiro,
seu pensamento em lâminas de jade
e nos libertam assim contra a vontade,
da mente assim escapa um forasteiro,
vítima inerme da própria ingenuidade.
Centelhas negras iii
Essa a receita da armadilha permanente
Na liberdade conferida ao coração,
Para esbater-se no campo de atração
De um rosto visto apenas de repente.
Sem se saber por que seja assim premente
Essa ansiedade a contrariar razão,
Cada suspiro esgotando do pulmão,
Cheia a garganta dessa emoção frequente,
Sem pretender, se jura, qualquer mal,
Porque esse rosto devia assim luzir
Para depois seguir somente adiante,
Quebrada a jaula num langor fatal,
Raios de olhos dolentes a insistir
Como em perpétua incerteza delirante.
FULGORES I – 14 SETEMBRO 2018
Sempre há momentos de transfiguração
que os modernos confundem com delírio,
que a tantos conduziram ao martírio,
concentrados aguardando a redenção.
Certos momentos são de revelação,
quando a cera se esgota em branco círio,
quando as pétalas se abrem como lírio,
tantas peças perfilando em conclusão.
Ao matemático chega a completação
desse problema que tanto o confundia;
para o cientista a se encaixar cada noção
dos dados mil que a descoberta lhe daria
do inesperado valor que a geração
há muitas décadas vãmente buscaria.
FULGORES II
E noutra instância transfigura-se o pintor,
a tela branca percebendo desenhada
por imagem sempre antes descurada,
não por ele, seu pincel sendo o senhor.
Ou num bloco de pedra o escultor
vê a figura nem sequer imaginada,
essa quimera abstrata humanizada,
não dele, seu escopro sendo o autor.
Ou anacoreta, no êxtase mais puro,
julga divino o semblante de uma face
que ofusca aguda sua visão maravilhada,
longa prédica a surgir desse obscuro
reservatório que invisível acessasse,
para a missão a alma inteira aparelhada.
FULGORES III
Ou subitânea surge a imagem perfumada
de um rosto de mulher que o arrebata,
para a mulher a surpresa desacata
de qualquer homem subitamente enamorada!
Mais raramente um fulgor nos mostra o Nada,
essa ideia que ardilosa nos contacta,
sabe-se lá provinda de qual data,
que no presente quer ver-se registrada.
Tanta insistência nesse lábaro difuso,
essa flâmula de fogo em borzeguim,
que a alma calça e nos aperta assim
e nos envia a qualquer páramo confuso,
outras sentenças convocadas por clarim,
um fecho exato a demandar seu uso.
FULGORES IV
Nada disso algo real que se controle,
assim amor explodindo em nossa vista,
qual descoberta que a mente nos conquista:
não se descobre, a flama nos engole!
Tal como a pedra que ao crisol se desenrole,
ou a palheta em que uma cor se avista,
a seiva inteira esvaída nessa pista
em que o inspirar perfeito nos console...
Assim é o verso trançado em trama de ouro,
quando pensamos ter dele um só cordão,
mas que se expande, qual tatuado couro,
que ao esticar-se se faz tapeçaria,
nesse completo brilho de um bordão
que mais que nós a si mesmo refletia.
ÍMPIO SORRISO I – 15 SET 2018
Quiçá não entendas, mulher, mas o que faço
só escrevo para ti e mais ninguém:
redijo tudo que o coração contém,
sem aguardar de compreensão um traço;
nem é que queira me deitar em teu regaço
e te contar do amor que me sustém;
nem é que queira te possuir também,
que em versos pague o preço de um abraço.
De fato, entendo bem que aceitaria
a vida inteira passar sem te possuir,
tendo a certeza de que entenderias
que tudo quanto eu fiz e te escrevia
não era apenas por querer-te seduzir,
mas percepção deixada em mim porque sorrias...
ÍMPIO SORRISO II
Mais um sorriso eletrônico é o que espero,
mulher amada que nunca encontrarei,
mas por quem toda a vida pelejei
nessa inserção no sonho que mais quero;
nem sei se te encontrasse ou se me abeiro
de ti nas noites em que o corpo meu deixei,
nas redolências de quimera que gozei
ou de meu devaneiro em sulco mero.
Apenas sei, que se anseio ainda tanto,
nalgum lugar para mim hás de existir,
na compreensão total de meu luzir,
na contenção completa de meu pranto,
para minha angústia o mais perfeito manto,
para a incerteza o mais firme conduzir.
ÍMPIO SORRISO III
Quem sabe um dia irás ler-me este soneto,
Talvez já o leste, antes que tenha sido escrito,
Talvez em quantum alternado circunscrito,
Talvez nalgum futuro a mim secreto,
Que nem eu sei se o antanho foi dileto.
Se alguma escolha má me fez maldito,
Se me privei para sempre desse agito
Que curvaria tua boca em som discreto.
Talvez até já tenha te encontrado,
mas se algum sorriso vago recebi,
senti ser ímpio ou tão só indiferente,
sorriso feito de um carinho mastigado
por teus momentos nos quais nunca vivi,
água de angústia me sobrando finalmente.
ÍMPIO SORRISO IV
Porém me atrevo a imaginar que ainda te encontras
não de minhas mãos, mas no alcançar do pensamento,
não de meus sonhos, no abstrair do julgamento,
ainda impávida, a sopesar os prós e os contras
de um punhado de palavras, como lontras,
nesse estuário a nadar do sentimento,
conservadas por seu próprio movimento,
nesse futuro de incerteza que demonstras...
A minha certeza vou conservar, porém,
que este soneto é para ti e mais ninguém,
que de algum modo irá cortar teu coração,
sem que consigas forjar novo desdém,
mesmo emprenhada na impossível situação
de por um rosto insondável ter paixão!
UM SONETO PARA ABELHA I – 16 SET 18
nem sei se no momento da revista
Entenderei o final desta elegia;
Já percebo quão difícil acharia
decifrar estes versos de ametista,
que são versos de amor, não de conquista,
Mas o papel em que os escreveria
Já foi impresso com frases sem valia,
nessa linguagem de acerbia mista,
mas mesmo assim, disponho-me a tentar,
Que minhas palavras com sabor de ouro
corisqueiem neste trapo de papel
e no seu puro e simples rebrilhar
Se destaquem firmemente e sem desdouro
para a colmeia a que destino o mel.
UM SONETO PARA ABELHA II
não é estranho que a néctar compare
Não a mim, mas a cada letra fria?
Em cada verso dou à luz uma agonia,
mesmo se acaso brincadeira se declare.
de fato é à abelha que para si angare
Um suprimento de pura nostalgia,
Quer seu ferrão me pique ou me sorria,
será o probóscide que meu verso ampare.
destarte, se aceitares o alimento
Da seiva minha em frases delicadas
com este mel irás encher o menor favo
de colmeia, em compromentimento,
Nessa geleia real ramas aladas,
para ungirem minha carne em doce cravo.
UM SONETO PARA ABELHA III
quando se espera do amor a escravidão,
Também se aceita pagar, em sofrimento,
Cada expansão de seu menor alento,
cada pancada de um inútil coração.
mas se meu néctar só me escorre do pulmão,
Seria inútil para teu carregamento,
Toda a fértil expansão desse portento,
seria inútil sem tua polinização.
e assim desejo que exista bruxaria
Em cada frase por si só vazia,
mas no conjunto trepidando de encantada,
que teu olhar para ti transportaria,
Em santo escrínio de dor adocicada
que só tua mente guardar conseguiria.
William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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