MEIODIACIDADE & MAIS

MEIODIACIDADE & MAIS – 2-11/8/2018

NOVAS SÉRIES DE WILLIAM LAGOS

Meiodiacidade (VI) – 2 ago 18

RETORNO (IV) – 3 AGO 18

OSCILAÇÃO (IV) – 4 AGO 18

ONDAS FURTIVAS (IV) – 5 AGO 18

CONTRA-ONDAS (III) – 6 AGO 18

EVOLUÇÃO INVERSA (III) – 7 AGO 18

QUESTÃO DE DESORDEM (IV) – 8 AGO 18

MANTO DE INSETOS (III) – 9 AGO 18

ENGANO PARADISÍACO (vi) – 10 AGO 18

PROMESSAS ARDENTES (VI) – 11 AGO 18

MEIODIACIDADE I – 2 AGO 2018

Que o meio-dia existe é coisa certa.

bem denunciado pelo Sol a pino,

sobre um gnômon o efeito é pequenino, (*)

em varinha vertical sombra deserta;

já a meia-noite meio que desconcerta

o olhar ansioso de humilde peregrino,

salvo quando é senhor de seu destino

e pela posição dos céus se acerta.

(*) Relógio de sol.

Mesmo assim, em noite bem nublada,

não é possível se orientar pelo luar;

e a posição também varia do lunar

conforme o dia que o ano tem tocado

e a situação que ocupa geográfica,

também efeito a implicar sobre essa prática.

MEIODIACIDADE II

Já o clarão do Sol, mesmo nublado,

a não ser que cem relâmpagos cintilem

e suas sombras adicionais desfilem,

sempre é possível que seja calculado;

mas por que há doze horas de contado?

Se com os dedos das mãos não se perfilem,

mesmo que duas orelhas se assimilem,

adicional bem raro a ser considerado.

Será que esses Sumérios que as criaram

nas mãos mostravam hexadactilia?

Seis dedos em cada mão explicariam,

mas esqueletos nunca se encontraram,

salvo que aqueles que revelou a arqueologia

em um oásis do Egito a eles pertenciam.

MEIODIACIDADE III

Isso é coisa que os Egípcios rejeitam,

por mais tenham aparência diferente;

talvez trezentas múmias se acrescente

à multidão das que em Khem se aceitam; (*)

mas mesmo essas cinco dedos apresentam,

portanto alhures há razão premente

para o duodécimo ali estar presente...

Os doze signos do Zodíaco o complementam?

(*) Nome da terra em egípcio faraônico.

Mas isto é causa confundir com consequência;

os doze meses é que se representaram

nas constelações a que o Sol percorreria

e dentre astrônomos de real sapiência

o sistema geocêntrico não funcionaria,

salvo se as crenças religiosas o declaram.

MEIODIACIDADE IV

Será que houve um antigo galileu

por heresias condenado a uma fogueira

ou a outra pena de morte costumeira

ao afirmar que a Terra se moveu?

Muito raro um terremoto já ocorreu

na Mesopotâmia, cujo solo bem ligeiro

por sedimentação formou-se inteiro.

Só inundações com frequência conheceu.

Mas o calendário somente era lunar,

com treze meses por ano, não com doze

e o calendário solar tem dias de sobra,

média a fazer-se de forma singular...

Mas de onde a dúzia retirou sua pose?

Dúvida esta que resposta ainda me cobra...

MEIODIACIDADE V

Segundo os tabletes de argila nos afirmam,

doze deusas originaram o ser humano,

que hoje habitam certo planeta arcano,

com longas órbitas que pelo espaço giram;

e quando aqui na Terra elas se firmam

só encontraram um povo sub-humano,

bem limitados e, num gesto soberano,

uma parte de seu sangue então retiram.

Usando o sangue para as deusas fecundar,

sendo as mães para os pais de nossa raça,

óvulos e esperma em clara alegoria,

um novo povo a que pudessem ensinar,

aos quais meia-divindade se repassa,

que o “Povo de Cabeça Preta” se dizia.

MEIODIACIDADE VI

Dos seis casais de humanos iniciais,

compondo seis adãos e suas seis evas,

ali ensinados a combater as trevas,

não como filhos, mas escravos naturais;

talvez daqui surjam de doze esses totais,

doze horas mais doze em duas levas,

a inteligência transmitindo sem reservas,

aos quais dotaram das ideias seminais

para o fogo, a construção, a agricultura,

esse planeta há milênios já partindo

para do espaço sideral imensidões;

hoje ao menos noventa séculos se assegura

foi a civilização suméria então surgindo...

Foi essa a origem de nossas tantas multidões?

RETORNO I – 3 AGO 18

(Sugerido por parágrafo de Mervyn Peake)

Certo dia, o viandante retornou,

depois de anos passados no estrangeiro,

estacionado ante o familiar terreiro

desse amor que certo dia desprezou.

Igual que antes a antiga amada divisou,

o mesmo aspecto anteriormente lisongeiro,

o mesmo brilho em seu olhar brejeiro...

Bem lentamente, então, se aproximou.

“Vais entrar ou ficar aí parado?”

Ela indagou tal qual em saudação –

“Sou eu mesma e você parece igual.”

O seu olhar sobre ela derramado,

estudando gravemente a situação:

seu retorno incompreensível no total.

RETORNO II

“Tenho cogumelos para seu jantar,”

disse-lhe a bela, “ou ovos de codorna...”

“Não tenho fome,” o viandante torna,

ainda simplesmente a contemplar.

“Pois então fique aí. Eu vou entrar,”

lhe redarguiu em voz suave e morna,

em seus ouvidos a soar como bigorna.

“Se me permite, só queria conversar...”

Mas vendo a sombra que lançava ela,

do peregrino contraiu-se o coração,

que no seu passo alguma coisa persistia,

inexplicável tal sensação ao vê-la,

qual seu retorno, sem ter qualquer razão

ou o que pensara falecer ainda vivia?

RETORNO III

Foi como se sofresse inundação

dos perdidos sentimentos do passado,

imagem após retrato recordado,

beijo após beijo, em sombria inconclusão,

seus pensamentos em conflagração,

logo o inicial a ser desafiado

por um novo, a seguir sendo empurrado

por um terceiro, veloz em sucessão...

Como se diques se quebrassem ou represa,

brotando de seu peito sem controle,

desativadas todas as eclusas...

Porque então ele partira de sua mesa

e de seu leito? – a lhe soprarem como fole,

a contestar de si quaisquer recusas...

RETORNO IV

Quantas vezes em rancor a contemplara

e tantas outras a transbordar de amor

por suas feições e por seu corpo sedutor,

pelas ideias que nela admirara!...

E quantas vezes no passado acompanhara

a sua sombra esguia e sem calor

dele afastar-se, negando-lhe favor,

quando parte de sua alma lhe rasgara!

E contra a luz que da porta lhe brotara,

manifestou-se idêntica silhueta,

com idênticos meneios dos quadris;

mas nessa confusão que o dominara,

à tona vieram mil sentimentos vis,

enrodilhados nessa paixão secreta...

OSCILAÇÃO I – 4 AGOSTO 2018

Por tantos sentimentos transtornado,

o viandante sobre os pés girou

e de volta a seu veículo marchou,

só enxergando o que havia contemplado;

atrás de si, com fragor dissimulado,

a porta firmemente se fechou,

mas a figura sua mente conservou,

contra o trinco do automóvel apoiado.

Ela era a mesma, depois de tantos anos,

seus quadris tal qual esbelto sino,

as costas firmes, quase militares,

seu pescoço cilíndrico qual canos,

o licor a transportar de seu destino,

num meandro de prazeres e de azares...

OSCILAÇÃO II

O mais estranho é que a visão lhe parecia

ser a sua própria, de maneira imponderável,

tanto que dela em si trazia memorável,

tanto de si que a ela apenas pertencia,

por tantas noites que em seu leito adormecia

e se assentara ante sua mesa impecável;

nada lhe dera de concreto e ponderável,

mas de fato quanto dele ela trazia!

E então veio à luz o seu fracasso,

ele mesmo a destruir tal relação

e então, de súbito, outra iluminação:

também houvera a derrota em seu abraço,

que ambos haviam de si feito doação,

até que o brilho desse amor ficasse baço!

OSCILAÇÃO III

Sem dúvida, ele a tratara com carinho,

ao contemplar-lhe o rosto clássico fremente,

que até no amor se mostrara independente,

de certo modo, cada um no seu caminho,

paralelos, unidos, mas qual vinagre e vinho,

alguma coisa semidesnuda e transparente

a interpor-se contra a entrega permanente:

ele era um cardo e ela um rosmaninho.

O que, de fato, havia dado errado?

Talvez se houvessem conhecido bem demais,

sem a insurgente inserção de algum mistério,

quantas minúsculas coisas no passado,

tantas pequenas dissensões enfim fatais,

sem que ocorresse qualquer embate sério...

OSCILAÇÃO IV

Reconheceu que de permeio a seu fervor,

houvera instâncias de infidelidade,

que seu egoísmo mostrava-se à vontade,

o seu orgulho demonstrando igual valor;

que a tudo isso ela perdoara com amor,

mas cada vez com menor sinceridade,

de cada vez mais ferida a sua vaidade,

até esgotarem-se as palavras de calor;

por que então o sentimento poderoso,

seu olhar a segui-la em ansiedade,

por que, afinal, ele havia retornado?

porque o amor de agora era apenas generoso,

no coração a lhe restar só a amizade,

menos por ele que por lembranças do passado...

ONDAS FURTIVAS I – 5 AGO 18

Isso que chamam de “meme” já foi voga,

já foi vírus, foi mania, imitação;

surpresa causa-me a facilidade que terão

de revestir-se de tão diversa toga...

Esse costume pouco ou nada roga

para imiscuir-se em mente e coração,

mais femininas necessidades são,

para o homem a ser precisa corda e soga,

quanto mais velhos, mais difíceis de mover,

quanto mais jovens, quase em desafio

abraçando o inesperado parecer,

logo todos entre si a reconhecer,

na novidade que os une como um fio:

“É tecnológica!” – afirmando com prazer.

ONDAS FURTIVAS II

Assim os códigos e as abreviaturas,

nos celulares expostos mil segredos,

debicados pela ponta de seus dedos,

só quem conhece entende suas torturas;

a ultrapassada meme dos torpedos,

a obrigação de ligações impuras,

nessas redes de pequenas diabruras,

o tempo a desgastar nesses degredos;

numa sala quatro ou cinco a digitar,

apenas vendo rostos à distância,

nesses clarões de espantos hipnóticos,

sem uns com os outros apenas conversar,

jamais a solidão com igual potência

que no domínio dos tuitares fóticos!

ONDAS FURTIVAS III

Cada uma dessas vozes poderosas

inscrita no inconsciente coletivo,

seu potencial maléfico e furtivo

em captura das multidões ociosas;

têm vida própria tais palavras asquerosas,

que pelos olhos penetram qual ser vivo,

interceptando o movimento ativo:

são criaturas de fato maliciosas,

que te mastigam o tempo e te devoram,

que claramente te impedem de pensar,

iguais que drogas em destruição potente.

Porém a mim, até hoje, não exploram,

sequer comprei o meu primeiro celular,

digamos ser “meu ódio mais valente”...

ONDAS FURTIVAS IV

Parafraseando Gregório de Mattos Guerra, (*)

“eu sou só e eles são tantos!” Afinal

como se atreve qualquer mente individual

a combater os fortes memes desta terra?

(*) Advogado e poeta brasileiro, 1636-1696.

Mesmo erro gramatical aqui se encerra,

porque MIMA é a expressão tradicional

e MIME se pronuncia no original

do “meme” inglês que assim nos ferra!

Serei retrógrado neste meu pensar,

que as redes só emprego a difundir

os meus poemas, nem sequer fotografias!

Sou “primo pobre” que irão ignorar,

pois quem deseja de versos se nutrir,

sendo viciado em tais mensagens frias?

CONTRA-ONDAS I – 6 AGO 2018

Quem sabe ocorra, em breve, reação,

mas que interesse tem nisso a governança?

Um meme vem e a sociedade amansa,

facilitando o disfarce da opressão.

Já ocorreram tais revoltas de antemão,

o socialismo utópico se lança

contra o industrial que tanto avança:

num ideal de volta à terra pensarão.

Mas é difícil dedicar-se ao coletivo,

muito mais fácil quando havia escravos

e assim tais movimentos fracassaram.

No pós-moderno o modelo é explosivo,

milhões de dedos em teclados como cravos,

que ao coletivo assim se escravizaram.

CONTRA-ONDAS II

Mas se surgir um “anti-meme” movimento,

como pode realmente funcionar,

o boca-a-boca sem mais nada provocar,

salvo em momentos de algum afogamento...

Pois o que eu vejo neste atual momento

é realmente o povo a se afogar,

na montante maré do celular

ou nos chips para pronto atendimento,

dentro em breve como meme a se implantar,

pois quem se importa em manter a integridade

de próprio corpo em nossa atualidade?

Com tantos piercings sua carne a perfurar

mais a meme das tatuagens dominantes,

nenhuma pele glabra e lisa como dantes...

CONTRA-ONDAS III

Contudo eu vejo, com certo desalento,

da mesma forma que camisetas a mostrar

sob a blusa ou a camisa a se ostentar,

deselegância sem qualquer impedimento,

que para a contra-onda ter alento,

as redes sociais se terá de utilizar

e para a ideia se “viralizar”,

tornar-se um meme novo em tal momento!

E que adianta reclamar de fake news,

de trolling, vírus ou onipresente bullying,

quando mente e corações expõem-se nus

e os sentimentos alheios se espoliem,

nesses rituais de malignidade crus

em que seus ritos midiáticos associem?

EVOLUÇÃO INVERSA I – 7 AGO 18

Quando surgiste, pensei que a própria Lua

havia descido desde o céu distante,

talvez pensando em trair o antigo amante,

esse Sol que a contemplava toda nua;

pensei tivesse abordado uma falua (*)

e me esforçado em seus remos, delirante,

para colher-te no líquido espumante,

lunar reflexo em que o amor flutua;

(*) Pequeno barco usado em Portugal.

quando surgiste, sem mais moderação,

voltou-se todo para ti o meu instinto,

a alma e a mente dominados pelo espanto,

a ponto de inverter-se a evolução

e me prender nesse instante de amor tinto

que aos ancestrais dominou com riso e pranto.

EVOLUÇÃO INVERSA II

Eu te adorei pelas ideias caprichosas,

tão diversas das que antes esposava;

de minhas próprias, a seguir, me divorciava,

mergulhado em tuas ondas portentosas,

em ilusões para mim maravilhosas,

enquanto inteiro em ti me dispersava;

nem era eu, só o amor me dominava,

mas não se faz o amor de apens rosas.

Pouco a pouco abordei teus preconceitos,

que sendo tais, eram igual irracionais,

como parte de teu charme tais defeitos;

e por que insisto em mencioná-los tais,

se reconheço em ti plenos direitos

de me amar só por razões preconceituais?

EVOLUÇÃO INVERSA III

E então contemplo o mundo que me envolve:

quão raramente ali vejo o racional!

E como é raro o hodierno espiritual

nessa falta de convicção que tudo solve,

nessa rede digital em que revolve

a maior parte do mundo material,

por mais que seja inconcreta no total,

de que modo tal conundro se resolve? (*)

(*) Enigma, dilema.

Continuarei fiel a meu amor

nele não vejo razão de desconfiança,

mesmo passada sua inicial bonança

em ti ainda vejo esse lunar fervor,

embora a Lua ao Sol tenha voltado

com toda a prata de seu luar apaixonado!

QUESTÃO DE DESORDEM I – 8 ago 18

Inesquecível como gato aos mios,

na insistência de ser obedecido;

impiedoso o rabecar em fios

desse mosquito ao alimento constrangido;

irremediável como o gato em cios,

lutas terríveis tendo já assistido,

o resultado desss firmes brios

sendo um bichano totalmente malferido.

Soube de um de que arrancaram o focinho!

Não sei se o devorou o adversário

ou simplesmente sobre as telhas o cuspiu;

em breves dias faleceu o bichinho,

sua dona até o levou ao veterinário,

mas não havia como subsistir!...

QUESTÃO DE DESORDEM II

Inesquecível como os mosquiteiros

nos quais os humanos se enjaulavam,

com liberdade os mosquitos cavorteiros,

que por intersticios até tentavam

penetrar, mas quando muito se apertavam,

sem entrar e sem sair, bichos arteiros,

que em vampirismo tanto se esforçavam,

mas do tule permaneciam forasteiros...

Certas vezes, durante o dia se escondiam,

quando as pontas não estavam apertadas,

para de noite descerem lá de cima;

porém aos tapas facilmente pereciam,

sem muito jogo para suas revoadas,

palmas batidas a aplaudir canto sem rima!

QUESTÃO DE DESORDEM III

Imperdoável como o que ocorre nas sessões

que algumas vezes em tevê assistimos:

zumbem deputados de oposição ferinos,

miam senadores contra as oposições...

Eu me envergonho destas situações,

querem o sangue nos sugar esses meninos,

brigas de gatos em plenário vimos,

seu desdecoro nos expõem televisões!

Simplesmente sem mostrar dignidade,

iguais que cães a defender seu osso...

Isso é conduta de um parlamentar?

Aos eleitores demonstrando, em falsidade:

Sou minoria, porém gritar em posso!

Para qualquer reforma atrapalhar!

QUESTÃO DE DESORDEM IV

Bem sei que Outubro trará nova eleição

e os deputados de vulgar comportamento

serão sujeitos a um novo julgamento...

Quem sabe ocorre até renovação?

Mas se saírem estes que aqui estão,

terão os novos melhor procedimento,

sem interesse no progresso da nação?

Agora dentro desse novo mosquiteiro,

podem sugar todo o sangue popular

e como gatos em cio a digladiar:

garras e dentes sobre seu telheiro,

uns a outros atacando com miados,

tendo em resposta só zumbidos animados!

MANTO DE INSETOS I – 9 AGOSTO 2018

Insetos como pétalas de rosa

me recobrem as mãos em dom suave;

eu me transformo assim na mesma nave

que os transporta pela vida airosa.

Esses insetos de visão formosa

(mesmo sem viajar na mesma clave

em que sempre me enxerguei) são como cave,

no porão de minha pele em luz vistosa

e minhas mãos se agasalham nessas luvas,

igual que gruta que a pele me protege,

talvez tomando-me de empréstimo o alento,

mil quanta vivos essas vidas fulvas,

essa camada multicor, náutilos bege,

que assim protege meu sonho e meu lamento.

MANTO DE INSETOS II

Ai, se eu pudesse os mosquitos transformar

nesses insetos de carinho portentoso,

imateriais no meu sonho mais fogoso,

mas concretos no meu sonho milenar!

Mas tão diversos estes são a perpassar!

São como serafins de amor frutuoso,

ou mil cupidos de maliciar ditoso,

somente nalma podendo-me picar!

Que então me envolvem com olhar trocista,

efemérides de luz, róseo lunar,

cálido sol no inverno a me aquecer,

do mundo interiro a sugerir conquista,

embora em outro mundo este solar

no qual um dia eu possa inteiro me esquecer!

MANTO DE INSETOS III

De certo modo, completam-me armadura,

proteção com que até hoje eu fui contar,

melífluos anjos da guarda a deslizar,

sem que me firam as garras dessa agrura

que a meu redor sempre a clamar perdura,

pétalas secas de monstruoso digladiar,

seus maus esporos viróticos a empurrar,

que meus pulmões conservam, como pura

expressão fantasmagórica do ser,

que os pensamentos alheios não respire,

mas somente a se apoiar no coração,

para o que eu mesmo imaginar um dia ver

e se não vier, que a emoção perspire

nesses mil versos que me dançam sobre a mão!

ENGANO PARADISÍACO I – 10 AGO 18

Alegres voam pombos com chumbinho,

pelo céu de minha terra, pré-assados,

também os patos são “parbolizados”

e mil moedas se recolhem com ancinho;

das torneiras nos jorra verde vinho,

mesmo meus tênis por ouro a ser folheados;

já ninguém mais trabalha, respaldados

por tanto imposto retirado do vizinho;

cada fruta vem direto para a boca

e já fatiadas para dar menos trabalho.

pois nem sequer é preciso mastigar

e nada temos de pagar em troca!

Tal gigantesco paraíso falho

para outras bocas vai-nos preparar?

ENGANO PARADISÍACO II

Mais me afigura ser risco medonho

este mundo assim tão abundante!

Nem sei ao menos se seria interessante

viver assim qual em perpétuo sonho;

os que viveram no inverno mais tristonho

e que o tiveram de combater constante

para obter seu alimento e avante

prosseguir para o labor, de olhar risonho

foram aqueles que realmente progrediram,

suas casas a construir, peles unindo

para suas roupas, o fogo persistindo,

suas forjas de bronze constituindo

para origem do aço e das cidades,

nesse esforço que recompensa a humanidade.

ENGANO PARADISÍACO III

Mas esses povos em paraísos insulares,

no usufruto de coqueiros abundantes,

peixes fáceis de pescar a quaisquer instantes,

as aves arribando pelos ares

ou os povos das florestas regulares,

com iguais condições concomitantes,

nunca chegaram a evoluções constantes

e nem pensaram em emigrar a outros lugares,

que é justamente a real dificuldade,

porém não sendo miséria insuperável,

que leva um povo a abraçar a sua grandeza,

mas com tudo na boca, a ociosidade

acaba por tornar em miserável

quem viveu na aparência de riqueza.

ENGANO PARADISÍACO IV

Este estado social em que o governo

vales disso e daquilo distribui,

de forma alguma sobre o povo influi

para qualquer progresso mais superno;

mas se o trabalho é com o descanso alterno,

a dignidade na população reflui,

tendo incentivo, que ao redor não rui

qual sociedade a que o imposto aderna.

Mas é tão fácil os votos se obter

de um povo só de esmolas a viver,

sem um esforço para maior progresso!

e eu que passei a vida a trabalhar,

sem em benefícios me locupletar,

ainda trabalho, sem o menor sucesso!

ENGANO PARADISÍACO V

É claro que não somos como aves

cevadas em apertados galinheiros,

cedo levadas para os açougueiros,

pendendo nuas de ganchos como chaves,

ou como o vinho com que tua angústia laves

toda a tua gula nos lábios zombeteiros,

decapitadas as rezes dos potreiros,

amortecidas as dúvidas mais graves;

não é que irao, de fato, nos comer,

que após a morte nos guardam em gavetas,

mas nos devoram suas intenções secretas

de com nossa permissão enriquecer,

a si o dinheiros das promessas destinando

dos infelizes que neles vão votando...

ENGANO PARADISÍACO VI

Mas sempre surge da Pátria um Salvador,

este clamando combater Fascismo,

aquele apelando contra o Comunismo

e a tantos cega, pristino, o seu fulgor!

Porém passado o instante desse ardor,

nas suas poltronas exercitam puro egoísmo,

confabulando, no maior cinismo,

com adversários opostos em pendor!

Que não existe paraíso proletário,

nem brota o Éden do liberalismo,

restando ao povo só sofrer mais um governo,

o seu engano tão somente temporário

talvez somente se cumpra no Anarquismo,

lobo após lobo a te mostrar sorriso terno!

PROMESSAS ARDENTES I – 11 AGO 2018

O Sol ainda não brotou sobre os telhados

Na cobertura da cidade dessacrada;

Percebo apenas uma cepa avermelhada

Que irá cobrir os tetos mais cansados;

Cortado o Sol, seus raios decepados,

Estranho eclipse em nascente desfolhada;

Fonte amarela de poluição, um quase nada

Em esplendores de arco-íris desmaiados

E se levanto mais cedo, até confundo

A vasta luminária de minha rua,

Encarnada redondez de carne crua,

Com o astro-rei que traz a vida ao mundo,

Mas só por um instante... a escuridão

Logo enaltece minha plena solidão.

PROMESSAS ARDENTES II

Um dia o Sol prometeu a seus fiéis

Que lhes daria calor e luz frequentes,

Até o momento de lançar-se até os poentes,

Aonde em tenda ergueria os seus quartéis

E que nas poças do chão seus ouropéis

Faria cintilar ante as vistas persistentes,

Por toda a gama de luz dos mil orientes,

Dando aos planetas o fulgor de seus anéis;

Essas promessas de vitais ardências,

Sem demasiadas ser, nem encolhidas,

Passo a passo confessando suas falências,

A translação e a rotação em consequência

A apresentar mil variedades perseguidas,

As estaçoes de sul a norte em decadência.

PROMESSAS ARDENTES III

Se numa parte é inverno, noutra é verão,

Se numa é outono e na outra primavera,

Que tal girar eixocêntrico nos gera,

Muitos já encaram o Sol com suspeição;

Não é, no entanto, pela oblonga translação

Que no verão calor maior se espera,

Que no inverno por frio então se altera,

De sua distância não provém tal mutação;

Nem em sua tenda o Sol vai descansar

Nesses contornos de uma Terra plana,

Mas porque ela em um viés se irmana,

Ao Sol volúvel e caprichosa a contemplar,

Só a promessa da noite é permanente,

Não importa úmida ou seca se apresente.

PROMESSAS ARDENTES IV

Mas se a promessa do Sol assim engana,

O jovem Hélios mais potente no Equador,

O velho Loki mentiroso em seu andor,

Que lá nos Polos vem cortar-lhe a rama,

Que dirá isso que fala a boca humana,

Tão mais propícia à variência do pendor,

Na rotação que manipula o seu humor,

Na rotação dos desejos que reclama;

E quando ardentes foram tais promessas,

É que se encontra, então, amor a pino,

Pouca sombra a lançar sobre quem ama

E se enfraquece em sombras mais espessas,

Foi o sol do antigo amor tão pequenino

Que só de leve alimentou tal chama...

PROMESSAS ARDENTES V

E na verdade, quanto mais ardentes

Promessas foram, tanto mais desgastam,

Iguais que velas a estearina gastam,

Bem raramente de cera hoje aparentes;

Melhor pensar nos dias consequentes

Em que a mágoa e a dor fervor abatam,

Quando as promessas facilmente datam

De um passado de luzes permanentes;

Porém promessas sempre têm encanto,

Mesmo que o vento a nos zurzir lamento

Sempre ao redor vá sussurrar: “Nem tanto!”

Queima-te menos, guarda tua bonança,

Que assim na chama essa atração do vento

Mais lentamente vá queimar a tua esperança!

PROMESSAS ARDENTES VI

Quando as promessas escorrem facilmente,

Nas invenções de amor tradicionais,

Do coração esvaziando os embornais,

Pouca reserva nos sobra permanente;

Melhor então uma poupança contingente:

Votos de amor, talvez, mas não demais,

“Para sempre!” não são palavras imortais,

Por mais sinceras sejam no presente;

Antes promessas de menor ardência,

Para que o círio conserve a duração,

Mesmo menor parecendo sua potência;

Mais longo o Sol brilhante em permanência

Que um farol para o desgaste a ter premência

Na lamparina de tua humilde condição.

William Lagos

Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br

Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com

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