Outros sonetos pensativos
I
Silêncio, que este espaço me alucina!
Silêncio, que a existência atroz me pesa!
Toda a terra oca a que se destina?
Estende o olhar aos céus e, louco, reza!
Sisudo, toco o tempo e sinto a fina
lancinação da lâmina mais tesa.
Pensando encontro o que me ilumina
e torna meu caos uma luz coesa.
Sozinho estou na noite imoderada,
deixando cem mil musas num museu,
libando vinho com meu camarada,
este invisível e ignoto eu
que tanto se conhece e sabe nada
e tanto se encontrou que se perdeu.
II
Estou cego, mas amplio minha visão.
Estou surdo, mas ouço o próprio silêncio.
Minha carne pesa menos do que um grão,
minha alma traz em si um abismo pênsil.
Sou um bandoleiro ébrio na amplidão,
tangendo um alaúde que me vence, o
poente se abre em rubra extrema-unção,
e, se o eterno é um dado bruto, pense-o!
Sou uma criança lunar cheia de ardor,
reminiscências, e a luz do porvir
banha meus passos de eterno viajor,
e eu caminho sonhando, a sorrir,
e se sorrio não sei se é por dor,
ou por saber nos meus passos florir.
III
Momento de silente procissão
no palco de fenômenos ardentes
banhado pela secreta efusão
do céu e seus crepúsculos doentes...
A hora propicia a interação
entre o visível e o invisível, há sementes
de criação que é apenas criação,
mas que expande formas deliqüescentes.
A superfície do lago desnuda
luzes inquietas ali bruxuleando
e a face sereníssima de Buda.
As nuvens, como os deuses, vão passando,
sem que haja neste exílio alguma ajuda
pra aqueles que vivem se procurando...