A MÃO DE DEUS

A MÃO DE DEUS

iluminura

Separa luz de treva em frontispício

A mão de Deus ao criar a obra divina.

Uma exegese ao Gênesis ensina,

Enquanto põe às claras Seu ofício.

Ilustrando-nos com arte e artifício

O gesto que de Deus tudo origina,

Um pergaminho em cores se ilumina

E revela o Universo antes do início.

Eis a imagem de cosmogonias

N’um códice que cheio de alegorias

Traz as respostas sós d'Aquele que é

O medievo saber de tantos monges

Elevará o espírito nos longes

Pondo em duplipensar razão e fé.

* * *

tese

A crença é de que está na mão de Deus

A balança que pesa nossos actos.

Forçoso é ter, porém, como inexactos

Seus dons tal como veem os europeus:

Sistemas religiosos põem nos breus

Verdades a luzir além dos factos

No afã de perpetuar os sociais pactos

De ordem e de poder aos filhos Seus.

Com efeito, a função social da fé

Há séculos mantém sempre de pé

As Igrejas com suas catedrais.

Uma cruz a serviço de coroas

Antes a submissão quer das pessoas,

Que lhes prover de bens espirituais.

* * *

antítese

Tem o homem criado Deus — não o contrário —

Assim, à sua imagem-semelhança;

Para, habilmente, haver outra esperança

Inventada a lhe dar conforto vário.

Engenhoso artífice; bom operário,

Pôde o homem da Natura obter pujança;

E insensível a toda má mudança,

Se quer sem superior ou intermediário.

Super-homem d'uma era pós-moderna

De Deus morto e morte-arte, à beira-abismo,

Contempla o Fim dos Tempos, da caverna.

Pois se reduz ao mais vão materialismo,

Sem saber de Criador ou vida eterna,

Senhor e servo em seu próprio egoísmo.

* * *

síntese

Homens se moldam ídolos divinos,

Igual o oleiro à argila põe no torno.

Quem faz quem? É levada a massa ao forno,

Que após se vivifica em preces e hinos...

Estatuetas que humanos desatinos

Têm ora como símbolo; ora adorno.

Si mesmas obras d’arte, em cujo entorno

Parecem emanar fatais destinos.

A mão que faz a mão cria a criatura.

São seres que se fazem porque Seus

Junto a todos os seres da Natura.

Suas as nossas obras -- a olhos meus,

Separa treva e luz na iluminura --

Onde a mão do homem é a mão de Deus.

Belo Horizonte – 11 11 1999