LOKESWARA (METAMORFO EM SÂNSCRITO)

LOKESWARA (Metamorfo em Sânscrito) Duodécima em Terza Rima

William Lagos – 29 de Setembro de 2010

LOKESWARA I (Metamorfo em sânscrito)

Dizem que amor é mistério, mas não vejo

o que exista de estranho em seu segredo.

Amor é vagabundo, sonho andejo,

companheiro e adversário de teu medo.

Amor é glória exposta, amor é pejo.

amor é vero e não passa de arremedo.

Amor se esconde e se expõe impunemente,

mas nisso tudo não há qualquer mistério...

É mais enigma a quimera dessa gente

que busca amor por demais levar a sério.

Amor é coisa que surge, simplesmente,

explicar o quanto seja é despautério.

É a natureza humana, em seu pendor,

que amor atiça até que amor se esvai,

buscando o próprio amor com mais ardor.

E eu acho graça, ao ver o que me cai

e permaneço assim, sentindo amor,

como essa coisa grudada, que não sai.

LOKESWARA II

Eu já cheguei a crer que amor assim pudesse

em alguém inspirar, de modo bem completo,

amor abnegado que tudo o mais quisesse

em grau menor que a mim, amor meio secreto,

que a qualquer sacrifício por mim se dispusesse,

que comigo partilhasse a cor do mesmo espectro.

E muito eu escrevi sobre esse estranho amor,

que todos já sentiram, mas que ninguém conhece,

amor feito hipoteca, em todo o seu valor...

Amor perante o qual o eu desaparece,

ansiando por queimar-se na fonte do calor,

amor de ladainha, no ângelus da prece.

Perante tal amor, eu fui um metamorfo:

a cada qual que vinha, eu era o que esperava,

mostrando a concretude de meu ideal amorfo,

por perceber, enfim, que o mesmo eu encontrava:

mostravam para mim do coração o escorço,

enquanto as almas mesmas eu nunca conquistava.

LOKESWARA III

Em cada amor existe um metamorfo,

que a seu par só apresenta o melhor lado

ou, pelo menos, dele traz o escorço.

Ninguém se esforça por mostrar o seu pecado

ao se encontrar no empenho da conquista,

seu lado mau na aparência conquistado.

Se for possível, sem revelar-lhe a pista,

enquanto busca se mostrar a seu parceiro

um ser bondoso, delicado e altruísta.

Também ela, por pendor interesseiro,

tenta esconder quanto for desagradável

e seu lado mais volúvel faz brejeiro...

Quando pretende tornar-se desejável,

é com água doce que os pássaros se caçam,

para a gaiola de ouro imponderável.

E mutuamente as qualidades passam,

ardentemente a lhes curvar o dorso,

no mesmo ardil com que esses dois se abraçam...

LOKESWARA IV

Não se pode esperar que, opostamente,

queiram mostrar o seu aspecto pior,

dele esperando resultado diferente.

Busca o homem demonstrar-se sedutor

e a mulher ser seu desejo para a vida,

nessa emoção convencional, chamada Amor.

Ele não quer ser tido por moloide; de aguerrida

ter a fama não é o desejo da mulher:

talvez o espante ao invés de ser querida.

Pois nessa união, cada um tem seu mister:

deve o homem ser o macho defensor

e que ela seja carinhosa é o que se quer.

Na pré-história era o homem o caçador,

também guerreiro por necessidade

e a mulher dava aos filhos seu calor.

Tais preconceitos conserva ainda a humanidade,

por mais que a vida nos pareça ser clemente,

ou mesmo fácil conviver em sociedade.

LOKESWARA V

Mas por mais que seja a índole diversa,

sempre se mostra um aspecto melhor,

enquanto a escolha se realiza, tersa.

Ainda que alguns até mostrem seu pior,

a tal levados por desapontamento,

fundo marcados por qualquer sombra anterior.

E dessa forma, será menor o sofrimento,

caso essa nova relação falhar:

perda marcada por menor lamento.

Se não deu certo, não foi por falta de avisar

sobre as falhas de caráter mais mesquinhas;

quem insistiu, não pode se queixar...

E estranhamente, se tornam pequeninhas

pelo afeto e paciência do parceiro

ou da parceira que se quer acarinhar...

Mais duradouro que o esfarelar ligeiro,

ao descobrir-se pessoas bem diversas

dessas tocadas durante o amor primeiro.

LOKESWARA VI

Enquanto o amor recente se escoava,

para os defeitos mostrava-se cegueira

e somente em qualidades se atentava.

Mas ao ver-se a realidade mais certeira,

de espanto e mágoa se enche o coração,

como se a outra fosse só interesseira.

E é então que nos brota a sensação

de uma burla que em nada foi sincera

e até assume um caráter de traição.

E facilmente a separação se gera,

em resultado de tal metamorfose,

o antigo anjo transmutado em fera...

E por mais que um certo amor ainda se goze,

não é o bastante para o elo conservar,

muito em breve dividido por mitose.

Por isso é bom a alma perscrutar

no fundo desses olhos – a ver se achava

a alma-irmã que se queria conservar...

LOKESWARA VII

É bom lembrar-se das fadas as histórias:

beijado o sapo, vira Príncipe Encantado,

do atrevimento a recompensa em glórias.

Porém duvido que o castelo seja achado:

provavelmente foi demorado o encanto

e desse príncipe já o lugar foi ocupado.

Terão os dois de arranjar-se qualquer canto,

talvez choupana com sua pequena horta,

roupas de estopa a envergar em vez de manto...

Algum romântico dirá que pouco importa,

se o triste sapo retornou a ser humano,

porém à jovem será que isso conforta?

Beijara o sapo, nesse gesto insano,

quando só fora banhar-se na lagoa,

a seu futuro causando o maior dano!

E bem no fundo, mesmo isso é coisa boa:

e se no beijo do sapo houvesse escórias

e a transformasse, ao contrário, em sapa atoa?

LOKESWARA VIII

Ou então, se saltasse do banhado

uma Senhora Sapa, enraivecida,

casada há muito com seu novo namorado?

Na verdade, é alegoria aqui contida:

muita vez, quem parece ter feiura,

ao ser beijado, tem beleza adquirida.

E tanta face de perfeita formosura

em verdadeiro sapo se transforma,

pela maldade de sua alma impura!...

É falsa essa elegância que os adorna,

apenas capa ou então só juventude,

que em senectude indesejada torna,

mostrando à vida a zombaria rude,

enquanto à tona pode vir outra beleza

que o perpassar do tempo mais escuda...

Porém piores são os traços da maldade,

no rosto antes gentil bem ocultada,

que se apresenta com o passar da idade...

LOKESWARA IX

Por outra parte, repetem-nos as lendas

que alguém se pode transformar em Lobisomem,

se a Lua Cheia lhe vier pratear as sendas...

Já bem mais raras são histórias de Urso-homem

ou da mulher que se transforma em Gata

ou em Raposa, sem se olvidar o Leonomem!...

O folclore hindu certamente nos relata

que o próprio Vishnu encarnou em avatar (*)

em nada humano, mas antes ser da mata.

(*) O Deus Filho na Trindade Hindu, que retorna, encarnando

para salvar a humanidade a cada ciclo.

E existem histórias de caráter singular

de Homens-serpentes ou de Mulheres-Aves,

e outras variadas mudanças a mostrar.

Ou então de peixes que se tornam naves,

tal qual os humanos se disfarçam de animais,

por isso a Ahimsa, se a estudar desbraves

dar morte proíbe a quaisquer seres naturais,

incluso os tigres que teus fllhos comem:

nenhuma vida deverás tirar jamais!...

LOKESWARA X

E não ficaste nunca imaginando

porque as cabeças dos seres divinais

que os egípcios passavam adorando

não eram nunca humanas, ademais?

(Alguns chamam tais cabeças de Astronautas,

seus capacetes a confundir com animais).

Numerosíssimas são as lendas nessas pautas...

Mas não seria bem mais fácil conceber

que tais histórias de imaginação tão lautas

metamorfoses estivessem a descrever,

tais criaturas sendo então bem numerosas

e às quais o povo se forçasse a obedecer?

E até que fossem tais figuras poderosas

durante os dias, humanas totalmente,

mas sob a luz da Lua, monstruosas?

Sua lembrança nas memórias imanente,

tais metamorfos em deuses transformando,

no vasto espanto que lhes invade a mente?

LOKESWARA XI

E que dizer desses seres zoomórficos

que povoavam o universo dos Helenos?

Ou, ao contrário, semi-antropomórficos,

quais os Centauros, que não pastavam fenos,

mas semi-humanos, consumindo carne e vinho,

ou então esses Faunos mais pequenos...

Seria possível qualquer cruza no caminho,

tal qual se afirma do Minotauro, claramente,

Pasifaé dando a um touro o seu carinho...

Mesmo que fosse Zeus, o deus potente,

que até mesmo se fizera em chuva de ouro,

a fim de Dânae fecundar impunemente?

Mas a genética põe tais ideias em desdouro,

não se admite haver qualquer miscigenação

nem com os símios, tanto mais com touro...

Pois não seria de mais fácil aceitação,

que existissem esses seres metamórficos,

enquanto humanos a realizar fecundação?

LOKESWARA XII

Na Mesopotâmia, os reis possuíam asas

e corpos de leões, com rosto humano;

será tão só na imaginação que tal embasas?

E o que pensar do universo Disneyano:

ratos e patos em tantas aventuras,

que há décadas atraem-nos, sem engano?

Entre os Aztecas e Maias as vidas duras

conceberam Quetzalcoatl, a cobra alada

e um alfabeto conformado por figuras...

Será que os totens não representam nada

nessas tribos Ameríndias e o Coyote

de longa história que mesmo hoje é narrada?

Em toda parte a mencionar-se o bote

desse Vampiro que consegue ser Morcego,

após chupar-te o sangue do congote?

Por tudo isso, meio a sério alego

que talvez, ainda hoje, em nossas casas

alguém da forma animal conserve apego!...