FENG SHUI & MAIS

FENG SHUI & MAIS – 31/7-4/8/16

Novas séries de William Lagos

FENG SHUI I – 26 SET 2007

De quando em vez, é bom lançar ao lixo

quanto se guarda de inútil e pesado:

os objetos velhos, o estragado

pelo uso constante e até o prolixo

redigir destes versos, neste fixo

mascar de lágrimas e sêmen do passado:

tempo e sonetos, de ilusões cercado,

que meu futuro afivelam em prefixo.

Quiçá lance de mim essa poesia

que fracamente ferve dentro dalma,

por combustível de curta duração.

Ou jogue fora esse amor de fantasia...

Mas nesse instante de rejeição da palma,

jogarei fora também meu coração.

FENG SHUI II – 31 JUL 2016

Para que serve um coração tão velho,

por mais que jovem permaneça a mente?

A algum novo reencarnar não se pressente

ao contemplar-se dupla imagem sobre espelho?

Pobre destino, já desgastado o relho

com que antes me impelia firmemente!

Já nem resisto a ele, francamente,

e nem tampouco cedo a seu conselho.

De fato, lancei fora minhas dissídias,

meus rancores, esperanças e malícias,

há longo tempo decompostas minhas perfídias

e até mesmo os sentimentos mais singelos

já expulsei de mim, sob sevícias, (*)

transfigurados em mil sonetos belos.

(*) Espancamentos, torturas.

FENG SHUI III

Não que me torne escravo do “Pakuá”, (*)

o Caminho que segui foi o do Meio,

sem grande atrevimento e sem receio

do mundo e quanto incerto nele há.

(*) A mandala símbolo do Yin-Yang chinês.

Perdi a ambição do que se encontra lá,

pois quantas vezes me foi cortado o veio,

por todo o esforço vertido de meu seio,

na aceitação da vida e o que me dá.

Bem ao contrário, prossigo a acumular

tempestades de livros ao redor

e tsunamis de discos em gavetas,

que o Feng Shui me aconselha a descartar,

para expulsar a polvadeira sem calor,

cantos vazios das caligens mais secretas. (*)

(*) Pontos de escuridão.

FENG SHUI IV

Assim, limito-me a meu próprio descartar

desse vasto turbilhão de assentimentos,

contrariedades de tantos julgamentos,

com os quais as Redes vou atravancar.

Tudo pensado, em cada raio de luar

já pendurei os meus assentamentos;

e se de alguns demonstrei esquecimentos,

sob o Sol os plantarei em pleno ar!...

Sei muito bem que tais redes sociais

muitos atulham com fotos transitórias,

nesse infinito teclar dos celulares

e os acumulam quais neuróticos virais

e assim meus versos lutas têm inglórias

com a multidão de tais falsos alamares.

FENG SHUI V

Deste modo, não me deves repreender

se ali postei os sonetos que não pedes,

quando pródigo teu tempo a alheios cedes,

a ti forçando ao indiferente responder.

Quando os poemas não desejares ler,

afogados nas nervuras dessas redes,

desse vasto fofoquear que sequer medes,

seu descartar se encontra em teu poder.

Essa a vantagem de tal meio eletrônico:

para apagar,basta um toque no teclado,

que é bem mais fácil deletar do que criar.

Enquanto em meio físico ou mnemônico,

deve o poema ser queimado ou alijado

até que venha algum lixeiro o transportar.

FENG SHUI VI

De qualquer modo, meu Feng Shui é preguiçoso

e envia aos outros o que devia descartar,

cabendo a outrem decidir o que alijar

ou conservar, caso julgue algo formoso.

Eu não me animo a consentir no gozo

do Deus Descarte no meu próprio lar:

livros e discos continuo a acumular,

mais os rascunhos de amontoado numeroso.

Não que disponha de tempo, realmente,

ou de qualquer disposição de lançar fora

e mesmo os versos com que te incomodo

guardo em meu próprio sistema totalmente

e imprimo cópias para empilhar a rodo,

sem me querer desfazer de meu outrora!

METALINGUAGEM I – 26 set 07

Vira esta página e olha atrás do poema,

o que se esconde lá, se é uma fatia

do mesmo coração que te escrevia:

jóias de carne da mais pura gema...

Procura na tua mente o mesmo esquema

que dá vida às palavras e induzia

em tuas próprias emoções a nostalgia

dos sons, das ondas, das cores desse lema...

Que seja o lema uma lemma em significado,

a meta além da meta metafísica,

a sema que introduz metalinguagem...

Que seja a fona um canto atribulado

e a própria mima além da mente física

que te invade o coração em dor selvagem...

lemma = proposição que introduz a definição de outra; meta = proposição que introduz a seguinte; sema = unidade de significado; fona = unidade de som; mima = unidade de imitação.

METALINGUAGEM II – 01 AGO 16

Toda linguagem se inscreve em coração

cruamente digitado em cem fatias;

sobre o encarnado linhas negras redigias

dessa mensagem sobre qualquer paixão,

tal qual um pergaminho ante vulcão,

ressecado por calor em folhas frias,

ou melhor dito, um papiro em que só vias

um maço negro sem maior diagramação.

Hoje é possível, por ultrassom, quiçá,

ou outra técnica da modernidade,

desvendar esses segredos que contém,

por mais grudadas as folhas que ali há.

Mas de que forma poderá a humanidade

ler os segredos que um coração mantém?

METALINGUAGEM III

Nem sempre é efeito da temperatura

ambiental, mas calcinada pelo peito

pelos rancores a que se fez sujeito

essa reunião de folhas em negrura.

Inicialmente, se gravou emoção pura;

então a mima amarfanhou seu leito,

introduzindo algum desdém, qualquer despeito,

a superpor estranha imagem que perdura.

Já nem é nosso o próprio coração,

escravizado assim a alheia sema,

de alguma forma cruzando nosso ouvido.

Negro é esse livro que queima a imitação,

suas várias páginas condensadas numa lemma

de qualquer proposição de amor sofrido.

METALINGUAGEM IV

Procura, então, nas costas de tua mente

qual foi tua própria inicial proposição,

descartada em escaninho tua ilusão

por qualquer mima de som onipresente,

que se introduz de forma permanente,

nos interstícios de teu pobre coração,

numa insídia maculada de paixão (*)

que não foi tua, mas se acha ali dormente.

(*) Invasão traiçoeira, caluniosa, sorrateira.

E lá somente encontrarás a figurinha

desgrenhada, tristonha, enfraquecida,

que foi um dia desdenhada pela aragem

das influências externas, pobrezinha,

porém não morta, apenas reprimida

por agourentos guinchos da linguagem.

METALINGUAGEM V

Vira essa página e busca além do peito,

nessa prisão constritora das costelas,

de que alijaram as emoções mais belas

que por ti mesma geraste sem defeito,

mas que deixaste despojar de seu direito,

após abrir no coração janelas

por que invadiram as mais negras estrelas,

cuja visita jamais devias ter aceito.

Assim ideias dos outros te marcaram,

algumas vezes por pura distração,

que talvez penses mesmo que adotaste,

mas foram elas que te perfilharam

nessa senzala de impura escravidão,

cujos grilhões até hoje não quebraste.

METALINGUAGEM VI

É dessa forma que te impõe a sociedade

os seus domínios, desejos e prazeres,

sem a menor preocupação com teus quereres,

mas somente por te impor falsa verdade

ou despertar dentro de ti necessidade

na imposição de artificiais deveres,

lucro obtendo na imposição de seus poderes,

na metavida da competitividade.

Destarte ingressas na metaostentação

desse metapossuir que em outros vês,

os metaprêmios da possessividade,

posto de parte o teu desejo são,

metadesprezo dos valores em que crês,

na metonímia da metainiquidade.

REGRAS DA VIDA XXXVIII (38)– 26 set 07

Seja gentil em todos os seus atos:

a vida é curta demais e a grosseria

extrai de seu viver tanta valia...

Muito melhor é nos mostrarmos gratos

pelos pequenos favores recebidos...

Pois agradeça sempre e sempre use

o "por favor..." Que a pressa não escuse

um "obrigado", por sorrisos tidos...

Seja sincero em quantos elogios

fizer aos outros, porém nunca se esqueça

que é necessário dar os "parabéns"

e os "pêsames" talvez, quando em esguios

dedos, a morte venha, por que alguma vida peça,

para não mais desfrutar da Terra os bens...

PACTO FAUSTIANO I – 27 Set 2007

Meus olhos se embaciaram. Fui golpeado

e um coágulo surgiu em minha retina.

É da lei do equilíbrio a triste sina:

se recebes um bem, por outro lado

irás perder outro dom, de inesperado.

Assim é que transcorre e não se atina

que os deuses cobrem, em harmonia fina,

os dons que te concedem, quando, alado,

vai até eles o ingênuo pensamento:

pois o jovem tem tempo e tem pobreza,

o homem maduro não dispõe de tempo,

enquanto o velho tem tempo e tem riqueza,

mas já perdeu o jovem sentimento.

(E assim se esvai a vida, em contratempo.)

PACTO FAUSTIANO II – 02 AGO 2016

Este é de fato o pacto satânico;

nunca o encontras vestido de encarnado,

chifres e cauda, qual morcego alado,

olhar cruel a despertar-te o pânico,

fruto soturno do obscurantismo hispânico,

pura desculpa para o mal ser praticado,

para após vaga penitência, ser perdoado,

tal qual prescreve esse ritual canônico.

Sempre tal pacto é muito mais sutil:

não necessitas de assinar um documento

com o próprio sangue tirado de teu pulso,

nem atribuível à tentação mais vil;

fazes teu pacto pelo diário assentimento

com que cedes, pouco a pouco, a cada impulso.

PACTO FAUSTIANO III

O Doutor Fausto existiu e foi real,

provavelmente com aparência mais saudável

do que aos demais parecia ser viável

nas duras eras do período medieval.

Talvez até de Margarida o ideal durável

o haja impulsionado a ser dela fiel

e a tal amor possa quiçá ser atribuível

a persistência de juventude artificial.

E como foi, realmente, um alquimista,

não é espantoso que se criasse a lenda

do Mefistófeles com que haveria pactuado,

que para Goethe apresentou a bela pista

dos longos versos... nos quais se compreenda

que o próprio anseio por um pacto foi mostrado.

PACTO FAUSTIANO IV

Para os romanos, “Fausto” era “feliz”

e assim dias “nefastos” evitavam,

sendo “infaustos” os negócios que firmavam:

mal resultando, consoante então se diz...

Mas por “fausto” significar também se quis

riqueza e pompa nas festas que brindavam,

que “fausto” e “festa” igual compartilhavam

de uma semântica... talvez de chamariz...

Assim o Fausto deveria ser “faustoso”,

compartilhando pompa e circunstância,

não um eremita em sua torre de marfim,

sua longa vida em transcorrer umbroso,

enquanto tantos pereciam já na infância,

na peste e na escassez vivendo assim...

PACTO FAUSTIANO V

Porém na vida real, assim sucede:

há um equilíbrio nos pratos da balança

e a cada vez que ansiado bem se alcança

algo de nós o fado também pede;

e se algum santo ou deus algo nos cede,

não será por vela branca de faiança

e se no colo qualquer bem nos lança,

para melhor pagamento já nos mede.

Eis por que bem melhor é não pedir;

julgando a sorte ter, terás azar,

que graça dada só virá nos iludir.

O mais seguro é apenas dar louvor

ao Ser Supremo, que bem sabe cuidar

e nos dispensa gratuito o Seu favor...

PACTO FAUSTIANO VI

“Daí graça em tudo” nos referem Escrituras;

mais um conselho do que uma imposição;

não tem o Decálogo uma tal proposição,

mas noutras partes achareis palavras puras.

Contudo, noutras, há frases bem mais duras:

“Dá graça a teu Senhor com devoção

ao receberes a mais pequena dotação,”

(mesmo que a encontres mesclada com agruras)

“pois somente se pelo pouco agradeceres

merecerás a final dignidade

de receberes o muito do Senhor...”

Este é o pacto faustiano dos deveres

pertinentes a toda a humanidade,

da criatura para com seu Criador.

REGRAS DA VIDA XXXIX (39) – 28 SET 2007

É o conselho do Feng Shui, que quer a poda

sempre frequente do que não mais se usa:

os objetos abandonados pela musa,

em sua breve presença nessa Roda

eternamente móvel. Viver leve,

escassa essa bagagem que se guarde:

consuma o fogo o resto, enquanto arde

e se usufrua bem do amor mais breve.

Pois quem avança depressa pela vida

não arrasta quatro malas no aeroporto:

traz uma bolsa só, traz uma pasta,

ou mesmo um laptop, em que guarida

dá a todo pensamento, salvo o aborto

que deixou para trás, na estrada vasta.

QUANDO O AEDO CANSA I – 29 SET 2007

Nublado o céu, nublado o meu despeito,

nublada a mancha de toda humilhação,

nublado o coração, nublado o peito,

nublada a mágoa, desfeita essa ilusão...

Desfeito o céu, por trás da névoa e véu,

desfeito o espelho que minhalma encerra,

desfeito o xale por sobre o mesmo céu,

desfeita essa emoção, nublada a Terra...

Que um jogo de palavras é essa vida,

mais que o jogo de palavras destes versos,

que do estro zombam a nubla inspiração...

Porque em meu peito se esvaziou a ermida,

meus sentimentos nublados e dispersos,

tal qual desfeito se tornou meu coração...

QUANDO O AEDO CANSA II – 03 AGO 16

Revisto o verso, após os sons passados,

Revisto o sonho em novel colocação,

Revisto o azinhavrar do coração,

Revisto de pureza os meus pecados...

Revestido o rastejar de anjos alados,

Revestida a quimera em vastidão,

Revestida a fênix de sua nova cremação,

Revestido o cinzel em coagulados,

Retorno ao perpassar de meus cuidados...

Disse-me amigo que cansar não deveria,

Que como Aedo deveria continuar...

E aqui estou, dez anos desgastados,

Ainda escrevendo, enquanto a musa concebia

Vasta torrente, sem nunca a retirar...

QUANDO O AEDO CANSA III

Aceitei desse amigo o bom conselho,

Aceitei lenho para a crucificação,

Aceitei meu redigir em solidão,

Aceitei o azinhavrado deste espelho.

Acatei os meus deveres, mesmo velho,

Acatei este meu terço de ilusão,

Acatei o dedilhar do coração,

Acatei este rosário como um relho,

Com que expulso ainda hoje minha tristeza

Para longe de mim, feita ventura

No simples ato de rasgar meu peito,

Vindo de sangue a me encher a bordalesa, (*)

Trigo de pão preenchendo a noite escura

Neste almácego de mil versos sem defeito.

(*) Grande tonel de vinho, criado em Bordeaux, na França.

QUANDO O AEDO CANSA IV

Mesmo que seja de palavras jogo,

Mesmo que seja um falso solidéu, (*)

Mesmo que seja opaco este meu véu,

Mesmo que seja ignorado o rogo,

(*) Gorro curto dos religiosos.

Mesmo que esteja acinzentado o fogo,

Mesmo as palavras truncadas para o léu,

Mesmo alquebrado sobre mim o céu,

Mesmo que exausto já me encontre logo,

Sigo marchando ao longo desta lira,

Tensas cordas entre chifres de carneiro,

Em miscelânea de versos desgarrados,

Cada soneto nova corda que se estira,

Cada final um tesouro derradeiro,

Nos versos pálidos digitalizados...

QUANDO O AEDO CANSA V

Permanecendo em mim dever de Aedo,

Permanecendo em mim mister de bardo,

Permanecendo o transportar do fardo,

Permanecendo o revelar de meu segredo,

Rascunhando muito mais que sonho ledo,

Rascunhando os espinhos de meu cardo,

Rascunhando o virote de meu dardo,

Rascunhando os mil destroços de meu medo,

As palavras ainda brotam e saltitam

Revestidas de uma estranha juventude,

Temas solícitos e sempre renovados;

Que alguns os leiam e quiçá reflitam

Nessa revolta de plena mansuetude, (*)

Pelo ruído de meus cascos perturbados.

(*) Mansidão, paciência.

QUANDO O AEDO CANSA VI

Convocado não sou como um rapsodo,

Convocado não sou como instrumentista,

Convocado nem sequer qual baterista,

Convocado talvez a me banhar no lodo,

Convocado a viver no meu alheio modo

Convocado para ser corda de um harpista,

Convocado para ser bocal de algum flautista,

Convocado a desatar qualquer diverso nodo,

Aqui estou eu, outra vez receptor

De alheias emoções e sentimentos,

Do que nunca me ocorreu o descritor.

Aqui estou eu, Aedo sem ter mãos,

Qual surdo-mudo no abismo dos momentos,

Ante a cegueira final das mutações.

PROSÁPIA I – 04 AGO 2016

Contemplo a vida em vestes de esmeralda,

clivada com carinho e facetada,

esmerilada a ganga acumulada

pelo polir gentil de cada falda.

Os meus temores a cada dia escalda

e os descarta em sarjeta abandonada;

correm com eles, na mesma revoada

os passos dessa turba que se esbalda.

Assim já fui purgado de terrores,

fiquei meio vazio por não ter medos,

a vida verde um tanto desbotada.

Só me resta buscar novos albores,

a iluminar no coração segredos

de paixão morta e nunca revelada.

PROSÁPIA II

Prosápia era “nobreza” em espanhol,

a longa lista de ilustres ancestrais,

que se buscava, de formas naturais,

expor mais uma vez à luz do sol,

qual um canto atribuído ao rouxinol,

mesmo que esse não se abalasse mais

a repetir seus gorjeios triunfais

por toda a noite até a quebra do arrebol.

Assim, novo sentido adquiriu,

como sinal de algum convencimento

de alguém querendo apenas se gabar,

com certa “prosa”, como o nome sugeriu

e talvez mesmo a indicar o atrevimento

de quem melhor se queria apresentar...

PROSÁPIA III

Se minha vida foi, de fato, esmeraldina,

já libertada de sua ganga impura,

devo dizer que só um amor perdura

e para tal meu coração se inclina.

Se minha vida foi adorno de opalina,

que fabricaram, num gesto de ternura,

devo dizer que perdeu sua jaça escura

ante o fulgor de uns olhos de menina,

que o tempo passa, mas não empalidece

e apesar dos percalços e problemas,

há uma confiança que mutuamente cresce,

por mais que pense tão só em sua ascendência

e que diversos dos meus sejam seus lemas,

mas sem que insista sobre os meus ter ingerência.

PROSÁPIA IV

Vejo minha vida assim entrelaçada

com os rubis de múltiplos semblantes,

nos topázios e safiras dos instantes,

do oricalco a magia conquistada, (*)

(*) Liga metálica preciosa, cuja segredo se perdeu.

com electro sua face contemplada,

de jaspe e de jacinto rebrilhantes,

de ágata contra ônix em cambiantes,

água-marinha a meio turquesada,

de berílio e crisopraso marchetada,

de bdélio e sardônio coroada,

nos diamantes de tocaia em seu olhar,

água de estrelas sobre mim lançada

em cada lágrima dessa face amada

de que não posso nunca me apartar...

INCLEMÊNCIA I – 5 AGO 16

A VIDA É COMO UM CLIPE: TEM DOIS PICOS,

O PRIMEIRO NO VIGOR DA MOCIDADE,

O SEGUNDO APÓS SE ACHAR MATURIDADE:

AMBOS SE CURVAM, A FORMAR ASSIM DOIS BICOS.

DEPOIS RETORNAM DESSE EXTREMO CUME

E DESCEM NOVAMENTE, NUMA RETA;

EVENTUALMENTE, A LINHA SE COMPLETA

E SE INTERROMPE, QUAL SE APAGA O LUME.

PORÉM HÁ CLIPES MAIS CURTOS E MENORES,

DE BREVE DURAÇÃO EM SEUS CURVARES:

SE ALCANÇA O PICO E LOGO SE RETORNA,

ENQUANTO OUTROS SÃO MAIS LONGOS E MAIORES,

BEM MAIS INTENSOS EM SEUS DEMORARES,

SEM QUE ALGUÉM SAIBA EM QUAL DOS DOIS SE ADORNA...

INCLEMÊNCIA II

MAS SEMPRE É A VIDA UM CLIPE OBSTINADO,

METAL BRILHANTE ATÉ SE AZINHAVRAR;

SE DESDOBRADO, TENDE A SE ENTORTAR:

CURVAS PERTURBAM A LISURA DO ARAMADO.

NÃO É POSSÍVEL TRANSFORMAR O FIO MARCADO

SEM POR PERCALÇOS VIOLENTOS SE PASSAR,

RODA GIGANTE QUE É PRECISO SE AZEITAR

BALANÇO E EMBALO ENTÃO DESCOMPASSADO.

QUANDO O FORMATO, AO INVÉS, É ACATADO

NOS LEVA O CLIPE MAIS MACIAMENTE

ATÉ SEU CUME, QUAL AUGE DA VIDA;

MAS É PRECISO PROSSEGUIR PELO OUTRO LADO,

POR MAIS QUE NOS PAREÇA IMPERTINENTE,

QUE ESTAMOS PRESOS NA RETA DA DESCIDA.

INCLEMÊNCIA III

NÃO SE PODE ESPERAR QUE O CLIPE LEVE

PARA OUTRO PONTO DIVERSO DO PERCURSO,

SEMPRE FIRMANDO SEU ABRAÇÃO DE URSO,

SEMPRE DOBRANDO NO LOCAL JUSTO QUE DEVE.

E QUEM DE UM SALTO INTERROMPER SE ATREVE

DUPLA ALTERNÂNCIA ENCONTRA NESSE CURSO:

OU EMBARCA PARA UM NADA SEM RECURSO

OU PARA DENTRO, A TORNAR VIDA MAIS BREVE.

POIS PECULIAR É O FORMATO DESSE CLIPE:

COMEÇA SEMPRE DE FORA, LARGAMENTE,

A SE CURVAR PARA DENTRO NO FINAL,

QUANDO SE DOBRA SEM SEQUER UM BIPE

PARA INFORMAR DE TAL VOLTA INCLEMENTE,

POIS TODO O CLIPE TEM SEU FIM MORTAL.

INCLEMÊNCIA Iv

NUNCA SE SABE QUAL SERÁ A EXTENSÃO

DESSE CLIPE QUE NOS COUBE NA ROLETA:

PARA ALGUNS MOSTRA SENDA MAIS DILETA

A OUTROS APENAS UMA CURTA DURAÇÃO.

SENDO O FORMATO IGUAL NESSA OCASIÃO

EM QUE SE EMBARCA NO METAL DA SETA,

NÃO É POSSÍVEL SABER QUANDO COMPLETA

SUA DUPLA VOLTA CONDUZINDO À EXTINÇÃO.

NÃO SE PROLONGA O FIO, POR MAIS SE QUEIRA,

APÓS TER SIDO COMPLETADO O SEU TRAJETO:

O FIM SE ENCONTRA FEITA A CURVA DO INTERIOR

E O TEMPO QUE SE LEVA NESSA ESTEIRA

PELO FADO SERÁ TIDO POR COMPLETO,

DANDO UM CHOQUE FINAL EM NOSSO ARDOR.

FIBONACCI I – 6 AGO 16

Minhalma é feita de boas intenções,

qual mórbido gigante de mil cores,

a palpitar num agoniar de flores,

das quais intende novas plantações.

E o resultado de tais exaltações

são novas piras de múltiplos flavores,

são novos sons de sui-generis fragores,

a dissolver-se em citoplásmicas ações,

porque se não combinam, simplesmente,

nem se dividem em compartilhamentos,

porém se multiplicam sem parar,

cada um somando os prévios, calmamente,

até formarem inatacáveis monumentos

que nem consigo poder mais contemplar.

FIBONACCI II

Foi Leonardo de Pisa um matemático

apelidado “Fibonacci”, o qual introduziu

no mundo ocidental a relação que viu

numa soma sequencial que pôs em prática

em Mil Duzentos e Dois, coisa fantástica

em plena Idade Média e a senda abriu

para os Números de Lucas, de frações em fio,

a contrariar Regra de Ouro da Escolástica.

Não é de espantar que São Tomás de Aquino

o encarasse com sua vasta desconfiança,

em sua série a entrever algo satânico

e preferência desse ao fracionar mais fino

dito “de Lucas”, a descrever perseverança

com que Deus criou o mundo em dom dinâmico.

FIBONACCI III

Talvez soubesse o monacal compilador

que tais números já fossem conhecidos

pelos pagãos hindus e transmitidos

aos europeus por muçulmanos detestados.

Ao que parece, foi o inicial calculador

um Virahanka, em séculos perdidos

e pelos árabes eventualmente traduzidos

por Fibonacci então sendo estudados...

Nessa sequência, cada elemento é a soma

dos anteriores, em sucessão veloz,

a Natureza inteira em sua abrangência,

desde os templos dos gregos e de Roma

até as escamas de algum sáurio mais feroz

e da antera em sua perfeita deiscência.

FIBONACCI IV

Em matemática, sua presença é bem frequente,

sem ser buscada, surgindo tão somente;

nos algoritmos de hoje onipresente,

uma das bases da atual computação.

De forma igual, no computar do coração,

encontro em minha mais simples intenção

inesperadas consequências de adição,

com resultado que nunca se pressente.

E de uma única célula, o gigante

que “sonha mórbido” suas inconsequências,

se expande de maneira interminável,

em cada verso pondo fecho triunfante,

inauguradas fibonáccicas tendências,

tão infinito tal pensar quanto insondável.

CANÇÃO DE EROS I – 7 AGO 2016

Torna-se bela, ainda mais bela, em tal momento,

brilho de estrelas a irradiar de seu olhar,

a pele em róseo de nuance singular,

arredondada e macia, brisa de vento,

os seus cabelos a flutuar da testa ao mento, (*)

seus lábios úmidos em desusado cintilar,

as duas narinas perfumadas pelo arfar,

as faces a irradiar candor e alento,

(*) Queixo, maxilar.

a carne inteira mostra novo integumento,

já dos seios emanando um novo olor,

do ventre brota redolência de calor:

tornou-se fada em cada movimento,

que nada torna uma mulher mais bela

que essa criança que se encontra dentro dela!

CANÇÃO DE EROS II

É deste modo que a Natureza se assegura

de que esse ser minúsculo e vivente

irá obter sua nutrição frequente

até surgir, em turbilhão de agrura;

nunca como antes, a maternidade pura

necessita proteção sobressalente

de um lar mantido num fervor ingente

que em tais momentos de gentil tortura,

que poderiam até torná-la repelente,

mesmo afastando de si a quem precisa;

e surge então a artimanha do hormonal,

mil feromônios que a tornam atraente,

mesmo sem ser fecundação incisa,

já completada a armadilha do sexual...

CANÇÃO DE EROS III

O deus alígero contempla, sorridente,

o resultado final da antiga manha,

quebrada a haste da flecha com que lanha,

(mas a ponta ali se encontra, permanente).

Não é sua mãe, Afrodite, uma impudente

que para a impudicícia não se acanha;

bem ao contrário, é pelo orgasmo que ela ganha

para um casal esse prêmio, finalmente,

que assim permite o continuar da raça;

é deusa-mãe, afinal – nasceu sem pai,

de sangue e sal, das ondas de um oceano;

por isso envolve nesse fluxo de graça

a gravidez, quando o desejo esvai,

na construção de um novo ser humano.

ACATISIA I – 8 AGO 2016

Em meus momentos de espasmo, como sombra

flutuo a meu redor e piso em mim,

meu movimento tão inquieto assim

que nem ausculto ao redor o que ressombra.

E de meus próprios passos faço alfombra,

emaranhado em losangos de arlequim,

a receber minhas próprias balas de festim,

cadeira elétrica que aciono e que me assombra.

Não é que fique, realmente, em movimento,

salvo, talvez, no centro do imo peito,

no coração, no ventre, nos neurônios...

Meus sentimentos é que não têm assento

e se entrelaçam a lutar por seu direito

quando na mente chicoteio meus demônios.

ACATISIA II

Acatisia é “não ter capacidade

de se assentar”, em inicial definição,

manifestada por longa inquietação,

desassossego, temores e ansiedade.

A boca em plena descontrolaridade,

descrita como “mordida em reversão”,

tirando nacos do próprio coração:

vasto distúrbio da neuralidade.

Se a diagnosticam como psicose

só provocam o agravamento dos sintomas,

na alma inteira a geração da dor,

mesmo a causar o efeito de uma artrose

em que as articulações parecem gomas

dura a coluna num espasmo restritor.

ACATISIA III

Mas não se assuste comigo, bom leitor:

sobre os sintomas tão somente eu li;

de fato, nada parecido já sofri,

porém o tema foi bastante inspirador...

A acatisia poética é um fervor

que só na mão talvez já percebi,

na vasta inquietação com que escrevi

os meus poemas desnudos desse horror...

Quaisquer espasmos acalmados ao escrever

alguns sonetos de caráter insistente

em sua ansiedade de passar para o exterior;

mas a seguir submeto a meu prazer

a longa fila então no cérebro presente

sentada quieta em um vasto corredor!...

SOB UM OUTRO CÉU I – 9 AGO 16

Durante as horas em que domina o sono

eu raramente me permito dominar...

Talvez um efeito da acatisia peculiar

que ontem descrevi e ora retomo...

De meu dormir eu permaneço o dono,

e não desejo ali minha vida esperdiçar,

em longas horas de ruidoso ressonar

e tais períodos a meu prazer eu domo...

Vastas cidades eu torno a visitar,

ali encontrando amigos que conheço,

mas nunca vi neste mundo de vaidade,

salvo, quem sabe? – em nebuloso devanear,

enquanto aos poucos para o espaço desço

da estreita faixa entre o sono e a realidade.

SOB UM OUTRO CÉU II

É quando entrego meus óbulos a Morfeu,

que não pretendo ao mau Caronte dar,

visto em sua barca não querer atravessar

para esse reino que jamais foi meu.

Não acredito em tal dantesco perigeu

de mil torturas para outrem delinear...

Provavelmente, após sua vida terminar,

Dante Alighieri a tais páramos desceu...

Pois aquilo em que de fato eu próprio creio

é que nós mesmos com a morte pactuamos

e escolhemos o lugar para onde vamos,

pela esperança ou açoitados por receio;

e cada um entra no reino que merece,

impulsionado por vigor da própria prece.

SOB UM OUTRO CÉU III

Certeza tenho que, ao final do deslizar,

encontrarei esse outro céu que já conheço,

esses rincões a que de noite desço,

essas paragens de constante atravessar.

Um outro mundo, no qual posso controlar

a minha presença desde o seu começo,

com essa gente por quem demonstro apreço,

que deste lado jamais pude encontrar...

Lá quedarei, até que chegue a hora

(seja perdoada para mim tal heresia)

em que me apreste a retornar para este lado,

complementando assim o meu outrora

essa Entidade que tal vida presidia,

que com paciência justificou-me o fado!

William Lagos

Tradutor e Poeta

Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com