QUEIMA DE INFINITOS & MAIS

QUEIMA DE INFINITOS & MAIS

(Novas séries de William Lagos, 5-14 abr 16)

QUEIMA DE INFINITOS I – 5 abr 16

Por só te querer bem, não te procuro:

deixo que sigas a senda que escolheste;

se me querias bem, não me quiseste

o suficiente para romper o muro

que de ti me separou e assim te juro

que poderia ter pedido mais que deste,

mas preferi respeitar o que disseste

sobre os limites de teu ideal mais puro.

Foi por muito querer que não pedi,

nem insisti pela esmola do teu beijo,

deixei que conservasses teus enganos;

e só por querer bem não recebi

nem sequer a vaidade de um ensejo

a contemplar-te envolta em desenganos...

QUEIMA DE INFINITOS II

Quem realmente ama, deixa ir,

porque prender dura apenas um momento;

anos que sejam, terão acabamento

nesse egoísmo altruísta do possuir

a quem nos chega em não chegar fingir,

quem recusa o consentido assentimento,

quem conservando quebranta o juramento,

quem anda em torno, temendo resistir.

Mas se aceitasse desvendar esse mistério

na solução que percebia claramente,

anos amando de prazeres tão aflitos,

teria do tempo tão somente um refrigério;

mas quando deixei ir, seguramente

te conservei pelos éons infinitos!... (*)

(*) Tempos incomensuráveis, que não se podem medir.

QUEIMA DE INFINITOS III

Que todo o eterno só se encontra na memória

e não no tato escorredio dos dedos;

toda a esperança se reúne em sonhos ledos

e ao não se ter, tanto mais grande é a glória;

mas tendo amor já sepultado em nossa história,

na passada fruição de alguns segredos,

a expectativa foi lançada em mil degredos,

nessa queima de infinito em brasa e escória.

Quanto se toma esse momento de prazer

foge espantada a vastidão dos infinitos,

esse impossível do que não pôde ser:

e nessa breve corrosão de cada beijo

porque queimar no orgasmo de teus gritos,

a permanência da recusa de um ensejo?

QUEIMA DAS FARPAS I – 6 ABR 16

Eu não te espero mais, cansei de vez,

foram demais meus desapontamentos,

simplesmente se esvaíram sentimentos,

na desistência final do meu talvez...

E já não vejo teus olhos cor de grês (*)

abertos para mim em longos tempos;

árvore seca de secos julgamentos,

pois nem escrevo mais o que não lês...

(*) Arenito negro.

Guarda tua vida para o que quiseres,

pois desisti de ti – essa é a verdade:

não mais adoro a dura deusa de obsidiana; (*)

(*) Rocha negra, dura e cortante.

sem sacrifícios a imolar aos teus prazeres,

banais que foram para ampla saciedade

e sem beijar qualquer amor se empana.

QUEIMA DAS FARPAS II

Ai, que fantasma as mãos hoje me assola,

desse abantesma de ontem tão diverso! (*)

Queria o outro o infinito do universo,

este lamenta porque o lábio não se esfola!

(*) Monstro, fantasma.

Ai, quão intensa avalanche que me enrola,

cada pedra a rasgar-me um novo verso!

Cada calhau em resvalar perverso

de alma penada a suplicar esmola!

De um breve tempo, em singular sangria,

as minhas unhas desfeitas nessas farpas,

na busca inútil de um arpão pelo infinito!

Em que cada consentido mais perdia,

envolto em sonhos de mortos como tarpas (*)

e a queimar talhos da alma nesse rito!...

(*) Oleado, tecido impermeável; também instrumento musical.

QUEIMA DAS FARPAS III

Quando assolado me encontro por quimeras,

amores a me agitar desencontrados,

pela empatia esfaimada dos alados,

de mim cobrando as emoções mais veras,

que me veja consumido em tais esferas,

são os meus braços, afinal, os empenhados,

serão meus músculos e nervos desgastados,

meu próprio amor e o coração em esperas!

Em mil farpas a alma inteira recortada,

enquanto inspirações se digladiam

e os cantos partem em inútil revoada...

E assim me forço tais restolhos a queimar

esse negror que só meus olhos viam,

em cada verso algo do peito a esfiapar!...

FUNÇÃO DE ESCRIBA 1 – 7 ABR 16

Envolver-se significa partilhar,

Porém nem sempre a participação

É coisa fácil para minha profissão

Que requer horas a fio a digitar

Nesse teclado e não participar.

Eu vivo a vida alheia em tradução

E meu refúgio é de curta duração,

Somente quando posso rascunhar

Estes meus textos alegres ou sombrios

E nem mais tempo lhes posso dedicar

Na transmissão ao círculo de amigos.

No demais, meus dias cheios são vazios,

Imensas horas no mesmo dedilhar,

Sem nem sequer da música os abrigos...

FUNÇÃO DE ESCRIBA 2

Portanto, fácil é assim que eu recomende

Para os outros maior envolvimento,

Mas não posso encontrar engajamento

Em tal atividade que me prende

Longe de todos e nem sequer compreende

Com meus contatos um relacionamento.

Quanto mais eu traduzo é qual se o vento

Soprasse para longe o quanto entende;

Não é minha vida que transcorre assim,

Apenas a daqueles que escreveram

E me limito a repetir seus pensamentos.

E tantas vezes não concordo, até que, enfim,

Perceba que meus neurônios esqueceram

De registrar seus próprios julgamentos...

FUNÇÃO DE ESCRIBA 3

Mas realmente, o meu envolvimento

É com os beijos que troco com a poesia,

Quando em meus braços a musa gemeria

No pleno orgasmo de seu consentimento;

Mas não sou eu que ejaculo num tormento

E sim a musa em mim,pura elegia

Mas nem meu membro viril fecundaria,

Pois quer de fato me tomar como alimento,

Embora seja leve o encantamento,

Alguns minutos só cada soneto,

Por mais intenso que seja tal momento.

Feita a partilha de um prazer discreto,

Fechado o peplo, sai a musa em voo lento,(*)

Para de Apolo esconder o amor secreto...

(*) Túnica grega.

FUNÇÃO DE ESCRIBA 4

Porém são nove as musas e outra chega,

De novos versos tornando-me o escriba;

Na biga ascende e faz-me seu auriga

E para o mundo inteiro então me lega,

Mas é com poeira de nuvens que me rega

Enquanto as rédeas eu empunhar consiga.

Dá-me a beber o seu licor e então me liga,

Inteiro, sobre o altar e o colo sega,

Vertido o sangue mais para Dionyso,

Com quem a musa trai seu pai Apolo

E qual um holocausto assim me apresto.

Perto de mim a escutar o fausto riso,

A musa alegre a oferecer-me o colo,

Qual mãe e esposa, no mais gentil incesto!

FLOR DE AMÔNIA I – 8 ABR 16

Só hipocrisia possuem esses partidos

que afirmam defender os proletários,

degraus que são de objetivos vários,

na ditadura de seus ideais perdidos...

Tantos que foram por políticos traídos!

De início honestos, mas aos poucos salafrários

a se tornar – em conluios perdulários,

a lama e o barro a manchá-los incontidos!

Tão bom seria que durasse a honestidade

e se pudesse, enfim, nalgum confiar:

passam-se as décadas e a podridão aumenta

e só me indago se algum homem de hombridade,

eleito sendo, se em tal antro se enfiar,

em conservar sua honestidade se contenta...

FLOR DE AMÔNIA II

Todo poder traz em si o seu veneno

e como é doce o veneno do poder!

Em densas nuvens chega a preencher

os seus pulmões, inflando no mais pleno!

Inicialmente, mal se nota o seu pequeno

toque amoníaco e até pode se esquecer!

Mas então cresce e vem te corromper

algo de esterco misturado ao puro feno!

Cheiro composto de conchavo e compromisso

todos afeta – e quem odeia a corrupção

e a tal recusa-se peremptoriamente

nenhum apoio consegue depois disso;

os seus projetos descartados são,

enquanto o odor de urina é mais pungente!

FLOR DE AMÔNIA III

Afinal, que lhe custa a assinatura

em algum projeto com que não concorde,

se receber em troca algum acorde

para sua própria proposição mais pura!?

Mas o piso dessa trilha não segura;

há espinhos no lodo que aos pés morde,

há flor de amônia que a paisagem borde,

folhas coberta de certa mangra escura! (*)

(*) Mancha de mofo.

E pouco a pouco, entopem-se as narinas

e nem se olfata mais a podridão,

as cem papilas do faro degredadas...

doce veneno que o escrúpulo assassina

até a alma submergir em corrupção,

morais antigas totalmente abandonadas!

HEMISTÍQUIOS I – 09 ABR 16

Quando a noite te busca e se despenca

por entre interstícios

e quando o verso se recorta como avenca

em suaves malefícios

e quando a emoção não se contenta

na queda dos delíquios, (*)

mas preencher o peito inteiro intenta

na súmula dos vícios

(*) Desmaios.

do apenas escrever sem ter cautela

o tempo em desperdícios,

a noite inteira devassidão que vela;

enquanto correm os dedos nessa flama

de aleijados hemistíquios,

meu sangue escorre e minhalma se derrama!

HEMISTÍQUIOS II

Passam-se as horas em redação constante

de puro despautério,

lançam-se os versos nesse abismo hiante

fugindo ao monastério

em que se achavam na salmodia vibrante

do santo refrigério,

do cérebro a brotar, em tal ronda incessante,

direto ao cemitério,

porque surgiram para lançar-se ao mundo

meus pobres nascituros,

as tristes crias do ventre meu fecundo,

sem terem seio morno, sem carinhos,

jogados aos monturos

do esquecimento na pira dos espinhos!

HEMISTÍQUIOS III

Não que eu me queixe, escrever meus versos mil

considero meu dever,

que embora se comente ser defeito juvenil

poemas escrever

não foi assim que o fiz, só em época viril

meus pés deixei pender

na teia pegajosa, de sedução sutil,

já maduro em meu viver;

de fato quando jovem, só ocasionalmente,

na lama da autocrítica,

dispus-me a redigir tão apenas se apresente

um motivo real, qualquer necessidade,

sem atração mefítica, (*)

para outros atender, sem pejo e sem saudade!

(*) Venenosa.

HEMISTÍQUIOS IV

Porém fazer poesia, quando há facilidade

para tal verso escorreito,

é igualmente veneno que trai pura vaidade,

no espelho do defeito;

talvez falsa modéstia, talvez só por bondade

a outros rendi preito

e assim por muitos anos, em tal opacidade

achava-me sujeito;

e agora se recordo ou mesmo se contemplo

a pilha monstruosa,

colunas e lintéis erguidos nesse templo, (*)

(*) Vigas colocadas no alto de uma porta ou portalada.

a certeza me atinge que bem fiz ao esperar

essa ocasião penosa

para a lágrima e o suor, enfim, enraizar!

SEDA DE FOGO I – 10 ABR 16

Antigamente se falava a Meia-noite

como sendo uma hora amaldiçoada,

o real oposto da ocasião ensolarada

da canícula em que o Sol queima em açoite,

especialmente se das estrelas o aboite

se recusava a Lua, ensimesmada,

em seu pálio de nuvens embuçada,

em cada canto havia espírito em acoite!

Dormiam tribos em torno da fogueira,

com outros fogos ao redor do acampamento,

que almas penadas não as viessem perturbar!

E mesmo à mágica da bruxa mais traiçoeira

alguma chama exigia em tal momento

em que queria feias sombras invocar!...

SEDA DE FOGO II

Chama votiva no interior da tenda

para o caminho dos mortos auxiliar,

quando a um amado se queria chamar,

a luz furtiva a iluminar-lhe a senda!...

Mas em geral, esperava-se que a venda

dessa túnica de fogo a rebrilhar

os afastasse para alígero trilhar, (*)

sombras de sombras igual que pede a lenda!

(*) Alado.

Ou qual Romanos que os mortos seus cremassem,

porém que criam espírito e alma haver

e fabricavam estátuas de penates, (*)

(*) Estatuetas dos antepassados.

para os momentos em que ancestrais chegassem,

que não tentassem nos vivos se aquecer,

mas se inserissem nas estatuetas sem rebates!

SEDA DE FOGO III

Também a Bíblia fala em terafins,

que muita gente julga serem deuses,

mas eram preito a garantir adeuses

desses que foram para alheios fins;

e algumas vezes até depunham alfenins (*)

perante os ídolos, ressecando ali por meses,

igual que hoje fazem na China algumas vezes,

aroma e gosto para os serafins...

(*) Pequenos doces.

Ainda hoje decoramos sepulturas

com guirlandas e brilhantes ramalhetes,

sabor e aroma para os encarcerados

nessas gavetas de paredes duras,

amor e medo na trama dos confetes,

triste holocausto de vegetais sacrificados!

SEDA DE FOGO IV

Passou-se o tempo. Houve lampiões de gás,

iluminando de longe em longe esquinas;

dentro das casas candeeiros, lamparinas,

na luz mortiça que tal passado traz,

no combustível que a doce luz perfaz,

a refletir-se nos olhos das meninas,

mas conservando sombras pequeninas

no escuro canto em que tal medo jaz,

que ainda havia o terror da Meia-noite,

por sendo ainda essa assombrada hora,

enquanto a luz zunia como seda,

deixando repassar em tal pernoite

a sombra esguia que não fora embora,

até que à aurora finalmente ceda!

SEDA DE FOGO V

Só foi então que se espalhou eletricidade,

esse fogo sutil feito clarão,

o resultado tal e qual da combustão

do que jazia na mais profunda opacidade,

que ainda hoje queimamos, na verdade,

esse negror do petróleo e do carvão,

puro artifício a aquecer o coração,

mas que são chamas de preta densidade.

São fios escuros dos antigos vegetais

que assim tramamos pela fiação,

entremeados de carcaças de animais,

nesse manto de seda em desafogo,

à luz diurna acrescentando a duração,

em cada interruptor a vida em rogo...

SEDA DE FOGO VI

Onde se encontra hoje a hora amaldiçoada,

senão, talvez, no fundo das cavernas,

ali escondida nas vastidões eternas

desses mistérios para a mente amedrontada?

Para as Três da Manhã tem sido adiada,

como um renovo das maldições supernas

da crucifixão a oposta hora, mas hodiernas

são as descrenças de tal região danada!

Falam alguns também no quase da manhã,

hora final de cada madrugada,

como de todas sendo a mais escura...

Mas mesmo a pior sombra é feita vã

por essas piras de seda marchetada

nesse holocausto do fogo que perdura!...

FULGURÁTOR I

Vou recolher a energia das estrelas

Para com ela petrificar um raio

Quando da chuva houver úmido ensaio

Capturado em múltiplas centelhas.

Os coriscos colocados em corbelhas

Bem encaixadas no fundo de um balaio

Pelas frestas rebrilhando em fogo gaio,

As faíscas a trançar em réstias belas.

Ao adivinho da Fulguromancia

Cabia as mensagens divinas dissecar,

Cada relâmpago em ziguezague singular

E desses rápidos desenhos compreendia

De cada homem o individual futuro

Ou do país inteiro o fado obscuro.

FULGURÁTOR II

Para tal adivinho era importante,

Mais do que tudo, achar Pedra de Raio:

Nela escutavam o relinchar de um baio

Ou conservava um trovão altissonante.

E visitavam até um lugar distante,

Abrindo troncos calcinados de soslaio,

Sem olhar diretamente, nesse ensaio,

O cerne perfurado há longo instante.

E feita a busca de locais carbonizados

Fundavam mesmo ali o seu santuário.

De que podiam a Júpiter chamar

Por que seus raios não fossem desgastados

No turbilhão do fogo perdulário,

Mas que o pudessem em tais pedras conservar...

FULGURÁTOR III

Fui tornar-me um fulgurátor desejar:

Achar também a minha Fulgurita, (*)

Pois das estrelas a energia me concita,

Flocos do tempo, como neve, a degustar

(*) Pedra vulcânica, dita “Pedra de Raio”.

E aonde mais tal poder iria encontrar,

Senão na árvore que a faísca dinamita,

Mesmo um umbu que nos pampas delimita

Essa fronteira entre o céu e o verde mar

Da vastidão de farfalhante solidez

Das raízes dessa relva milenar

A recobrir a tosca, a pedra e a argila (*)

(*) Tosca = saibro grosso e empedrado.

E sem tostar meus pelos ou minha tês

Eu guardarei o tempo em meu tear

Até o derradeiro verso de minha fila!

ESPADANA I – 6 set 2007

Já estava em tempo de cortar o fluxo

da verborreia azul destas sentenças,

que exprimem tanta vez estranhas crenças

ou incredulidade em seu influxo...

A pilha se acumula no refluxo

de tantos versos, cujas desavenças

redemoinham em motins... extensas

pilhas de sonhos de empuxo e contrafluxo...

Nem sei se poderei este repuxo,

que o ar contém da hora cintilante,

comunicar um dia a quem o espere...

Só sei que, a cada dia, mais debuxo

e a forma se mantém, expectante,

até o momento que o fado a destempere...

ESPADANA II – 12 ABR 16

A meu redor esborrifo minhas cantatas,

pingando em vão seu vasto cintilar;

lábios macios talvez possa alcançar,

não sendo hoje, em mais longínquas datas.

Talvez percebam, na superfície, as natas

e mansamente as queiram escumar,

versos bebendo aos poucos, devagar,

nessa pureza em que o pudor recatas...

Talvez os queiram tão somente recordar,

uma frase que outra, com carinho;

talvez se atrevam mesmo a declamar,

essa arte já perdida a renovar,

as mil palavras a brotar devagarinho

dos meigos lábios que jamais irei beijar.

ESPADANA III

Porém, quiçá, seja só o espadanar

versos caindo nas margens de um ribeiro,

os peixes a espantar de seu terreiro,

as algas e aguapés a perturbar

e então descendo, em intenso mergulhar

até no fundo se encontrar ligeiro

o seu sepulcro de verso aventureiro,

de duas capas o abrigo a recusar...

Contudo, é certo que as palavras voam

e quando, incauto, ali mergulha o verso,

esses borrifos um lastimar entoam,

por se perderem do resto do soneto,

ficando às margens em estiolar disperso:

pequenos ossos ausentes do esqueleto...

ESPADANA IV

Ou, quem sabe? Encontrem pés mimosos

a passear pela beira do riacho

tais borrifos... E então sigam, rio abaixo,

transportados por pés assim formosos...

E que em sua pele penetrem, vagarosos,

dos capilares percorrendo o facho,

até os alvéolos dos pulmões em cacho,

para nadarem nos ventos preguiçosos

da linda jovem, quando em respiração;

talvez se instalem mesmo até no céu

de sua doce boca descuidada

e ali deem cria a nova inspiração,

de seus lábios brotando como um véu,

igual que nova canção despetalada...

BIOMOLÉCULAS I – 06 set 2007

Nos antros infinitos do Universo

encontra-se gerada a Biologia,

filha da Química, que lhe produzia

os materiais adequados. E o diverso

pintalgar multicor de tantos mundos,

esparzido em planetas indolentes...

Neta da Física, que condições frequentes

lhe preparou adequadas, nos profundos

arcanos das galáxias e estrelas...

Filha e neta da Química e da Física,

a Biologia é como um véu de seda

que polvilha os planetas, nessas belas

contrafações da força Metafísica,

em que a Razão humana então se enreda...

BIOMOLÉCULAS II – 13 ABR 2016

Querendo a origem decifrar da vida,

em tais meandros desfaz-se essa Razão,

é bem mais certo ativar-se o Coração

na longa busca da Causa desabrida...

Pois da Razão, é fato, está escondida,

numa mortalha suave de emoção,

na tessitura sutil de uma paixão.

em que a quimera se encontra distraída...

Vai a Ciência a perscrutar cavernas,

lança satélites ao Cosmos sideral,

buscando ali encontrar Causa Primeira

das mil Galáxias a bimbalhar eternas,

sem fazer caso do interrogar fatal,

nessa expansão perpétua de sua esteira...

BIOMOLÉCULAS III

Que a vida é fada biomolecular,

a repetir milagres diariamente,

magia pura, racional e inteligente,

nas meras fendas encontrando seu lugar,

os mil segredos a prestidigitar,

do Deeneá da Hélice envolvente,

noutros Planetas por certo diferente,

diversas Físicas seus berços a embalar,

diversas Químicas a dar-lhes de mamar,

mas qual um Círio em toda parte onipresente, (*)

se amplia a Vida em Biodiversidade,

(*) Vela de cera, longa e grossa.

desde o Plasma do Raio a cintilar,

até o Magma no subsolo permanente,

a nobre Vida em singular Vaidade!...

BIOMOLÉCULAS IV

Para os povos hindus a luz de Brama,

a se expandir num eterno Suspirar,

na contração periférica do Inspirar

que todo o Atma para si reclama... (*)

(*) Espírito ou consciência individual.

No polo oposto a Ciência, que proclama

mais cedo ou tarde ao Universo desvendar...

Há quanto tempo tal Solução a adiar

para tais mentes a que o Orgulho inflama!

Quais proclamaram, no século Dezenove,

já terem todos os Mistérios desvendado,

tão só Detalhes faltando a completar...

Em sua ironia a Biologia se move,

mil labirintos construindo a cada lado,

novos Arcanos sempre e sempre a apresentar...

EL HOMBRE MEDIOCRE I – 7 set 07

[com uma barretada para José Ingenieros]

Eu me sentia tal qual se a alma retirada

tivesse sido de meu corpo e a visse fora,

espezinhada, sangrando, perfurada

por mil facadas que sofreu no outrora...

Era como se essa alma, dessangrada,

que se arrastava após mim, em triste hora,

não mais me pertencesse e, de esfolada,

não mais do que gemer soubesse agora...

Pois não é minha, então! Eu, nunca gemo.

Suspiro, apenas, quando perco o bem:

renovo as forças e a luta recomeço...

Enquanto a alma que enxergava nesse extremo,

já se entregara, a querer morrer também...

-- Mas se eu puder lutar, nada mais peço!

EL HOMBRE MEDIOCRE II – 14 ABR 16

Ainda hoje trago igual disposição,

passados sete anos na magia

do misticismo que tal número inseria

da mente humana na sua imaginação.

Sofri revezes, é certo, e confusão

a cada vez que não tive o que queria,

no pintalgar de minha inútil nostalgia,

no gás carbônico de meu coração!

Mas esse sangue expeli para o pulmão,

meu sangue negro no rubor das veias,

que o devolveram vermelho e arterial;

negra e pesada que me seja a emoção,

ainda consigo retalhar-lhe as peias,

mesmo que o passo não seja mais marcial!

EL HOMBRE MEDIOCRE III

Sei que Ingenieros de tal pendor não disse

e que seu título só tomei de brincadeira;

sem zombaria, na ironia mais ligeira

de tanta falha que em meu passado visse...

Contra o medíocre que meu ardor remisse

foi minha tendência pela vida inteira;

se algo copiei, por ação interesseira.

melhor formato lhe dei, tal qual pedisse!

Anos passados, olhando para trás,

quiçá gerei um certo clima diferente

com os fragmentos que colei da vida antiga,

que em covardia e inadequação desfaz

todo o talento por certo já presente,

dura tarefa que pouca gente mais consiga!

EL HOMBRE MEDIOCRE IV

Que a maioria, bem sei, só se acomoda,

de lado pondo sua originalidade

por aquilo que aos vizinhos mais agrade,

sua própria alma um corrupio em roda,

no melhor grado a submeter-se à moda,

por ser a senda mais fácil, na verdade,

na sua experiência só o tempo que degrade,

sem apreender de seu poema a coda.

Ficam no fundo só iguais ao que já foram,

na mente e nalma nada a reparar,

aos outros imitando, tão somente,

nesses dichotes tão tolos que decoram,

como Ingenieros esforçou-se em demonstrar

e aos ditames da consciência indiferentes.

EL HOMBRE MEDIOCRE V

É lamentável que marche a humanidade

com tantas almas a puxar de arrasto,

esverdinhadas no esfolar do pasto,

acastanhadas pelo barro em saciedade!

Suas almas puxam, em operosidade,

como um fardo mais pesado do que um traste,

acham que a máscara das faces já lhes baste,

das pobres almas sem ter sequer piedade!

Para que alma, afinal, com seus reclamos

a perturbar-lhes a tranquilidade,

mesmo que seja só de leve espicaçando!

Quando preferem viver sem mais afanos,

no opaco gozo de sua mediocridade,

ao passo torto do rebanho acompanhando!

EL HOMBRE MEDIOCRE VI

Assim tomei dessa alma sua farinha

para amassá-la em nova consistência:

foi um trabalho hercúleo e de paciência,

pois tanta coisa já pegara, tão daninha!...

Dela catei o menor grânulo que vinha

de seu passado magoado de experiência;

cada calhau colhi da decadência,

para guardar o bom trigo que ainda tinha...

Assim seu cerne depurei em nova linha,

acrescentei-lhe o que tomei da vida,

marcando os erros que não pretendo repetir...

E agora digo que essa alma é minha!

Meio esfolada, talvez, meio sofrida,

mas sem resquício do medíocre a nutrir!...