FARÓIS & MAIS

FARÓIS & MAIS – 6-15 ago 15

Novas séries de William Lagos

FARÓIS I – 19 abr 2007

Estrias de luz correram por minha barba

e nela se instalaram. Toda branca

ela ficou, não por tristeza manca,

e nem sequer por peso e fardo e carga.

Sobre os fios que recobrem os meus olhos

os cabelos recusaram essa luz,

tornaram-se grisalhos. Não seduz

o emaranhado cinzento dos escolhos,

que ao redor de meu crânio esfiaparam

e pouco remanesce do que foram.

Infelizmente, nem sequer coroam

de prata digna os lados da cabeça.

Mas vejo sombras por luz, que se escaparam

e a luz por ver-se em prata não se apressa.

FARÓIS II – 6 AGO 2015

Também minha barba, que já foi castanha-

-avermelhada já embranqueceu;

quando contemplo um retrato que foi meu,

às vezes sinto uma surpresa estranha:

que a diferença seja tão tamanha

daquele rosto que o tempo já esqueceu,

tal e qual suba ao rosto humano um véu,

a denotar esta vida que me lanha.

E nem me reconheço totalmente...

Como o sol evitei, não sou manchado,

sequer nas mãos o tempo está espelhado.

E fico a matutar: será que a gente,

de quando em vez, para outro corpo passa

como uma forma de abranger nossa desgraça?

FARÓIS III

Porque é impossível essa mudança louca!

O que transforma a criança em um ancião?

Por que os netos nos dão recordação

do que fomos sob a sombra de outra touca?

À voz do vento nossa audição é pouca.

mas tem armário de vasta mutação:

durante o sono, quase por traição,

a alma chupa pelos cantos de tua boca

e teu corpo transporta, em ventania,

deixando outro mais velho em seu lugar,

soprando a alma para dentro dele;

teu corpo leva, por artes de magia,

para um outro qualquer que possa achar,

no brando sono sem que sua alma zele...

FARÓIS IV

Se realmente tal vasta troca existe,

o que farias, se encontrasses pela rua

alguém igual a ti, nova charrua,

que abrir espaços pela vida insiste?

Pois, certamente, tal surpresa triste

eu já encontrei, o que bastante amua:

velhos amigos em que não mais a vida estua,

andando por aí, que mocidade assiste.

E outros vi, com os rostos transformados

por tantos anos por que nós dois passamos,

com as mesmas feições dos pais, nos fins,

mesmo depois dos mais velhos sepultados...

E se, de fato, tantos corpos nós trocamos,

nós não passamos, afinal, de manequins?

sombras quânticas I – 19 abr 2007

minhas sombras se entrelaçam no passado:

este sou eu, não sou... como discordam!...

essas penadas almas só concordam

em perturbar-me o amanhã inalcançado.

porque o presente não podem: é marcado

pelas tribulações que, atuais, o abordam,

pelas escassas candeias que se acordam

em murmurar-me um futuro mais dotado.

o que sei é que não vivo nesse outrora,

que já se foi, mas que faz parte de mim

e me criou a interface... tão fluente,

que dizem ser atual, porque é de agora,

e todavia, bem sei não ser assim:

que é meu porvir que escorre permanente

sombras quânticas II – 7 AGO 15

como as minhas, tantas sombras perambulam,

despegadas dos corpos que tiveram;

perderam pés ou os pés é que as perderam,

essas mil sombras que pelo chão pululam?

talvez sejam as paredes que as engulam,

numa vasta colônia que reuniram,

sombras de mim e de outros que partiram,

algumas em desprezo, outras que adulam.

sombras essas, decerto, diferentes

dessas que os corpos outra vez projetam,

nesse constante transmitir de si;

por isso as noites nas cidades são potentes,

que a própria escuridão elas completam,

sem que jamais possa afirmar que as vi.

sombras quânticas III

só nós, humanos, sofremos mutações

que antigas sombras possam esquecer;

como podes, enfim, reconhecer

tuas sombras de criança em multidões?

nos animais, há diversas atuações,

pois não se enrugam e raramente podes ver

os pelos brancos da idade a aparecer:

não se transformam quais nossas ilusões.

é bem verdade que vivem muito menos

os cães e os gatos, em sua maioria,

que envelhecem, ficam fracos, sem mostrar

uma aparência sujeita a tais venenos,

tais quais a idade nos humanos cria:

o seu pelame a velhice a desafiar...

sombras quânticas IV

mas que dizer daquela tartaruga

que foi vista nas galápagos por Darwin

e que só veio a falecer, enfim,

há poucos meses, sem no casco qualquer ruga?

será o sol que a juventude suga,

para lançar, como orvalho, num jardim?

será o sangue, que se torna carmesim,

que o ar nos rouba, feito sanguessuga?

será o vento que nos muda por capricho

ou determinado prazo estabelece,

sem os mesmos apontar a qualquer bicho?

que a proteção dos cabelos nos arranca,

fio por fio, qual lastimosa prece,

até que, enfim, toda a vida nos estanca?

INDECISIVE SONG XIV

Always accept your mistakes like friends

who came in to stay the closest to you.

Their wish for pleasant remembering stands

and never for punishment mete out anew.

Rather they want to prevent the beggars,

the new mistakes bearing masked faces,

from swindling you with hidden daggers

and leading you astray to dismal places.

Now trust past mistakes and experiences,

that instructed into your apprenticeship

and helped as well to character-building.

But never put your faith in those appearances

that come to you in false stewardship

so as to allure and dominate your being.

ALFENINS PUÍDOS I – 23 abr 07

EU RECONHEÇO, AFINAL, SER DESONESTO,

COMO TODOS, ENFIM, QUE ME RODEIAM.

COM SEUS SORRISOS FALSOS, PRESENTEIAM

CORDIALIDADES FORJADAS EM INCESTO.

POR MAIS QUE NESTES VERSOS QUE CAMPEIAM

UM SENTIMENTO ALTIVO, OUTRO MODESTO,

QUE ME DESCREVEM ATRABILIÁRIO GESTO,

OU AS CALMAS ANSIEDADES QUE PERMEIAM

MEU RETINIR DO MUNDO, LÁ NO FUNDO,

BEM SEI QUE TODOS OS BELOS SENTIMENTOS

E OS VERSOS DE REVOLTA EM QUE ME ACENDO,

NÃO REFLETEM A MIM: SÃO MAIS JOCUNDO

RECALCITRAR DE ANTIGOS NASCIMENTOS

DE VIDAS MORTAS, QUE NEM SEQUER ENTENDO.

ALFENINS PUÍDOS II – 8 AGO 15

Ou, quem sabe, não são vidas passadas,

as que me inspiram. Sequer recordações

lembradas nas presentes ilusões,

que rematizam lembranças já trincadas.

Talvez relembre outros de mim mesmo,

que vivem simultâneos, em portais,

que demarcam outros mundos: que jamais

encontrarei. Porque, transpondo a esmo,

são meus colegas de vida, meus espelhos.

Ou quem sabe se não passo de um reflexo

e um outro deles, apenas, é quem vive?

Em tal solipsismo, que seus velhos (*)

anseios de alcançar melhor amplexo

não são os mesmos que jamais eu tive?...

(*) Crença de uma pessoa de ser a única mente que existe no mundo.

ALFENINS PUÍDOS III

Ventila o vento, em dias de calor.

Se não quer ventilar, o tempo gira

e agita o ar à força, antes que fira

meu próprio coração em tal ardor.

Ventila a vida, em dias de indolor

esquecimento de quanto o mundo mira.

Não que a vida ventilada assim prefira,

mas porque ventilar-se é seu pendor.

Prefiro mesmo que a aridez do estio

seja varrida, até que outro frescor

sobre mim chore e em pranto dê guarida.

Porque assim vejo: são dias que desfio,

em matrimônio com tal ventilador,

que me arrebata cada ilusão sofrida!

ALFENINS PUÍDOS IV

Eu amo o frio, afinal, que me conserva

a enfrentar a vida estoicamente;

gélido o vento a afrontar de frente:

sinto-me verde como toda a erva

e só posso esperar que o sangue ferva

em minhas artérias, a borbulhar contente,

olhando o gelo no rosto de outra gente,

a me sentir superior que essa caterva!

Naturalmente, já parei de fazer troça

desses que gemem no rugir do inverno,

pois, afinal, também uso roupa grossa!

E seria grão cinismo de minha parte

afirmar sentir da geada abraço terno,

embora a enfrente com “engenho e arte”!

ALFENINS PUÍDOS V

Pois somos todos feitos de tal massa

delicada, da mais pura farinha; (*)

cada nenê que da Terra se avizinha

é um alfenim delicado que perpassa,

(*) Ou seja, a massa de alfenim.

e assim perdura, no iniciar da raça,

quando criança, se não sofre alguma tinha,

doença grave ou maldição que desalinha

e sua pureza inicial assim embaça...

Mas com o tempo, os pequenos alfenins

crescem e mudam, adquirem solidez,

o mundo a enfrentar com mais ruído

e vêm desgastes, moléstias, seus afins,

seca-se a massa que inicial se fez

e cada um se torna em alfenim puído...

ALFENINS PUÍDOS VI

OU, QUEM SABE, ENTÃO CRUZAMOS UM PORTAL

E LOGO ESTAMOS EM MUNDO PARALELO;

A MESMA MASSA, MAS COM DIVERSO PELO

E LÁ INICIAMOS NOVA VIDA MATERIAL?

EU, MUITA VEZ, JÁ SUSPEITEI FATAL

TROCA DE PLANO, TAL COMO EM PESADELO,

MUI RARAMENTE POR MUNDO MAIS BELO,

DE SOFRIMENTO MAIOR BEM MAIS NORMAL.

MAS QUEM PRESIDE A TAIS TRANSFORMAÇÕES,

ESSAS PASSAGENS A CRUZAR INCONFORMADOS, PARA OUTRO MUNDO, AO NOSSO SEMELHANTE?

SERÁ QUE OUTRO DE MIM AS MUTAÇÕES

SOLICITOU, PARA FUGIR A SEUS PECADOS,

TRISTE MILAGRE QUE ME ARRASTOU POR DIANTE?

PANTAGRUEL I – 23 abr 2007

Durante o inverno eu vou beber o sol.

Me alegra o coração, quando ele cresce

dentro do peito e o estômago me aquece

e somatizo-me assim, nesse arrebol. (*)

(*) Transformação de sentimentos em sintomas corporais.

Mas no verão, não me sinto girassol.

Bem ao contrário, teria, se pudesse,

os céus nublados como em triste prece,

para esconder-me, qual um caracol

prudentemente se enfia em labirinto.

Mas bem sei que melhor seria, então,

que devorasse o sol deste verão

e assim pudesse, como vinho tinto,

embriagar-me num metabolismo

que melhor iluminasse o quanto cismo...

PANTAGRUEL II – 09 AGO 2015

Quando Rabelais criou Pantagruel,

nunca pensou que nasceria um dia

algum imerso em tanta fantasia,

que o imitasse a encher o seu farnel.

O outro gigante, Gargantuá, em igual cordel,

a competir com ele em tal porfia,

o mundo inteiro também devoraria,

sem nem lhe dar e sem pedir quartel!... (*)

(*) Em literatura, perdão ou proteção.

Foram aceitos bem-humoradamente,

meros fantasmas que alguma mente cria,

meio ridículos, meio assustadores,

bem esquecidos hoje, infelizmente,

com todos os repentes de ironia

que Rabelais infundiu nesses senhores...

PANTAGRUEL III

Mas quando falo no Sol a devorar

não sou diverso, afinal, de muita gente.

Vejo pessoas sob esse sol clemente,

a se aquecer, sem mais frio suportar.

Porém ocorre que o calor solar

é bem mais fraco nesse tempo ingente;

não sobra muita mornura, realmente,

para suas tardes de lento dormitar...

O que, entretanto, me separa dos demais

é que eu evito o sol nesses verões,

no buraco de ozônio a me encontrar,

das radiações temendo os naturais

efeitos cancerígenos e outras mutações,

que meu amargo fim vão apressar!

PANTAGRUEL IV

Assim, o sol do inverno eu armazeno

e o acondiciono dentro dos pulmões,

por me acolher sob suas proteções,

fugindo do verão e seu veneno,

sem me expor à canícula e ao sol pleno,

pois me aqueci no fluir das ilusões,

apeluciadas e macias emoções,

em cujo manancial rego meu feno.

Calor diverso do que encontro pela rua,

calor do sol embutido na minhalma,

que me protege, sem me prejudicar;

e se no inverno sentes tua pele nua,

chega-te a mim, sem medo e em plena calma,

que meu calor eu posso te emprestar!...

REGRAS DA VIDA XXX – 25 abr 07

Nem sempre que se faz uma pergunta

se gosta da resposta: mas se sabe.

Dúvida alguma na mente já não cabe,

quando a suposição não mais se ajunta

aos nossos preconceitos e esperanças.

Assim se tornam inúteis nossos planos.

Porque é certo que todos os humanos

coisas diversas desejam por bonanças.

É o que se vê nos negócios, na família,

e nos casos de amor mais desejados.

Pergunte sempre e mude seus projetos.

indague bem de si mesma qual a trilha

a que seus atos vêm sendo destinados.

antes da caça aos sonhos incompletos,

CORES BRANCAS I – 10 AGO 2015

Por que um poema deverá ser lindo?

Não existe coisa mais limitadora

que circunscrever a frase sedutora

somente àqueles a quem ele é bem-vindo.

Pois tantas vezes o soneto é advindo

da dor e da amargura sofredora

ou da contemplação perscrutadora

da morte ou de um dia que já é findo.

A vida não é linda. É uma ilusão

que criamos em nós mesmos por consolo:

por que então deverá o verso ser belo?

Porque o formato do soneto é exaltação

do poder das palavras que, no colo,

trazem o gérmen de um bonito anelo...

CORES BRANCAS II

Por que um poema então deve ser lido?

Porque o peito ele arranha em terciopelo, (*)

nos queima a alma com brasões de gelo

e condecora com o sonho mais garrido;

(*) Veludo.

porque arranca da alma um som querido

e nos reveste como apóstolos de zelo;

às vezes, corre o pranto só de lê-lo,

às vezes lembra o tempo já vivido.

Mas sobretudo, cada poema é individual:

o que ele diz, quem dizes és tu mesmo,

decifrando esse enigma dos versos,

em vasto labirinto espiritual,

as alusões caleidoscópio a esmo,

que em cada um desperta sons diversos.

CORES BRANCAS III

Por que um poema sons deve despertar?

Mesmo que seja muda a sua leitura,

dentro da mente faz tanger a lira pura,

silvando as cordas em prestimoso andar.

Como um pincel, cada verso a se espalhar

por sobre a tela vaga da cultura,

pelo mosaico com que a alma se costura,

em maravalha espiral do pincelar...

E maravilha! Só pinta em tons de branco

(dos quais dizem haver mais de dois mil,

mas só uns poucos tu podes conhecer).

E só brotam as nuances num arranco

de tua retina, na centelha mais gentil,

cores criando que só tu poderás ver!...

AGULHAS DE GESSO I – 11 AGO 15

Diziam antigos que a Fênix perdura,

Embora morra, de seu próprio ovo,

Chocado pelas cinzas em renovo:

Surge outra igual e nova vida dura.

Ai, quem me dera sofrer a mesma cura!

Que queimassem as palavras que eu só louvo,

Que expor queria, quiçá, a todo o povo

E ressurgissem numa poesia pura,

Algo melhor que tudo o que já fiz,

Que explodisse em chamas pelos céus,

Em nova apoteoso muito humana...

Mil estrelas formando o pó de giz,

Que me recobre como sete véus,

Enquanto a musa desdenhosa abana!

AGULHAS DE GESSO II

Certas vezes, pensei mesmo queimar versos

Em holocausto puro à divindade,

Sua fumaça a confundir a humanidade,

Em mil coriscos descendo tão diversos,

Que os pobres cantos assim fossem conversos,

No sacrifício de toda a minha vaidade,

Em chuva temporã de qualidade,

Ou geada e gelo nos sarçais dispersos.

Porém meu fósforo sempre negou chama

Ou foi a musa que a centelha me apagou,

Tal qual aviso: que não queimasse nada!

Bem ao contrário, é ao dever que me conclama,

Que desse ao mundo esse sonho que restou

No tisne morto da lareira congelada!...

AGULHAS DE GESSO III

Quando um poema no teu peito crava

É igual que agulha forjada sem metal,

Que se desmancha perante o élan vital,

Bala de gesso derretida em lava;

Porque a palavra é de tua mente escrava,

Qualquer interpretação é artificial;

É o que tu sentes e pensas no final:

É tua quimera que ali se derramava.

Resta ao poeta somente o breve ofício

De desenhar um arcabouço de ilusão,

Que sem a tua leitura, morre logo.

Destarte o verso se queima em sacrifício

No mesmo instante em que te toca o coração,

Mas como a fênix, só rebrota de teu fogo.

PACTO DE SANGUE I – 12 AGO 15

Eu segurei o tempo pela mão

e perfurei seu dedo indicador;

meu próprio dedo, com igual ardor,

eu perfurei na mesma sangração.

E os dedos encostei, na exultação!

Sangue do tempo escorrendo com calor,

sangue da vida fluindo com temor

nesse pacto perpétuo de invasão!

Deixei que o tempo queimasse minha vida

mais depressa que seria de esperar,

mas me lancei, tal qual alma perdida

no fluxo do tempo, a balançar,

os séculos em zelo a conquistar

para a própria exaltação bem mais garrida!

PACTO DE SANGUE II

Assim eu trago no meu sangue o tempo

e facilmente as épocas percorro;

em mil batalhas, com heróis, eu morro

e sacrifico a mim mesmo em cada templo!

Dos filósofos antigos busco o exemplo,

não do que li, mas de tocar no forro

das velhas túnicas; e preencho o gorro

com mil percalços e cada contratempo.

E mais ainda, me balanço no futuro,

enquanto o tempo se equilibra em mim;

em tempos ainda virgens me aventuro

e o tempo o corpo meu percorre assim,

mas enquanto dura o tempo, não me iludo,

pois sou do tempo só imperfeito escudo!

PACTO DE SANGUE III

Porque esse tempo com quem pacto firmei

é o breve tempo a mim determinado,

por mais milênios que percorra, descuidado,

meu corpo ao tempo, com meu sangue, eu dei.

E assim perduro na mais antiga lei

do tempo ingrato que se faz passado

e que não pode ser modificado

enquanto o tempo for do corpo o rei.

E me transforma, enquanto me perpassa,

embora em nada eu possa transformá-lo.

Tudo pensado, foi pacto desigual...

Porém sondei as vastidões da raça

e pouco importa se meu corpo abalo,

se reviver em mim cada ancestral!...

ARES SÓLIDOS I – 13 AGO 15

EM TI ACHEI A FORÇA DE MINHA AURORA,

MESMO QUANDO ME DEIXASTE EM SOLIDÃO;

A TEMPESTADE DO SOL GUARDA O CLARÃO,

QUE ACIMA BRILHA CONSTANTE NESSA HORA.

AFIRMEI MEU ESPÍRITO NO EMBORA,

DOS ARES LÍQUIDOS EM ANIMADVERSÃO

E DISSOLVIDA A FORÇA DO BULCÃO,

REBRILHA O ASTRO QUAL BRILHOU OUTRORA.

ASSIM ÉS MINHA AURORA E TODA A LUZ

QUE ME ENVIASTE NÃO PERMITE QUE TE ESQUEÇA;

MESMO DE NOITE, SOU TEU GIRASSOL

E SOMENTE UMA ESPERANÇA ME CONDUZ:

QUE DIA E NOITE CONSTANTE PERMANEÇA

JUNTO DE TI, ATÉ QUE SEQUE O SOL!...

ARES SÓLIDOS II

MOMENTOS HÁ EM QUE O AR, À NOSSA VOLTA,

SE FAZ EM PEDRA, SEM ABRIR CAMINHO;

EU FICO EM VÃO NA ESPERA DE UM CARINHO:

MARTELO O AR E O AR PORÉM NÃO SOLTA.

CONTEMPLO MAIS ADIANTE ESSA REVOLTA

MASSA DE TEUS CABELOS; E BEM DEVAGARINHO,

ENFIANDO OS LÁBIOS EM TEXTO PEQUENINHO,

OS ARES LAMBO COM MINHA LÍNGUA INCULTA.

E A POUCO E POUCO, VAI O AR SE DILUINDO,

UM TANTO A BEIJOS, OUTRO TANTO POR SUSSURROS,

ABRO CAMINHO, MINHA CARNE A REVERTER

E DE REPENTE, TEUS LÁBIOS VÃO-SE ABRINDO

E O AR SE GASEIFICA, SEM QUE MURROS

FOSSEM PRECISOS, AFINAL, PARA O VENCER!

ARES SÓLIDOS III

AO TEU REDOR, MANTO HÁ DE SOLIDEZ,

QUE ENTÃO ME ENGLOBA NESSA TENTATIVA,

POR DURA TENHA SIDO A TRATATIVA,

TUA CARNE E A MINHA SÃO DA MESMA GRÊS.

E ASSIM CONFUNDO A TUA COM MINHA TÊS,

NO LONGO ABRAÇO DE MINHA RECIDIVA,

ATÉ A ENTREGA DE TUA FACE ESQUIVA:

SÓLIDOS ARES TÃO SÓ DE INSENSATEZ!

E ME PROUVERA SER IGUAL FAROL:

QUE A TI TE TRANSFORMASSE EM MARIPOSA,

PARA AQUECER-TE SEMPRE JUNTO A MIM.

PORÉM DE TI PROVÉM A LUZ DO SOL

E ME CONTROLAS COM FÉRULA DE ESPOSA,

A SOLIDEZ FORJANDO EM FINAL “SIM”!

CARDÍACA UNIDADE 1 – 14 AGO 15

Meu coração não se partiu. Está empenado:

Se acha a sofrer destino incerto e torto;

Não houve enfarto, não há músculo morto,

Somente inchou e encontra-se trancado.

Decerto o mofo o deixou contaminado;

Para o amor mesmo o musgo traz aborto;

Enferrujou-se a âncora em seu porto,

Pois bate o sino, porém descompassado.

Talvez sejam estes versos os derradeiros

Que escrevi sob a influência da doença;

Agora estás perto de mim, sempre a meu lado,

Sem mais desdém e muxoxos sobranceiros,

Dando conforto à minha antiga crença

De que meu sangue ao teu está mesclado...

CARDÍACA UNIDADE 2

Amor só é saudável quando aceito;

Incompreendido é mais um próprio amor,

Amor pequeno, perdido o seu calor,

Em círculos concêntricos sujeito.

Amor só é amor se tem direito

De receber do alvo igual vigor;

O outro amor é um triste caçador,

Que nem encontra a alma no seu peito.

Amor precisa de ter um combustível

Que o possa conservar puro e vibrante:

Amor sem dono é solitário vício,

Que de si mesmo, enfim, faz-se exaurível...

Amor materno, talvez, mas não de amante,

Que mal resiste ao dom do sacrifício!

CARDÍACA UNIDADE 3

Dizem que amor que acaba não é amor;

Feroz a chama, mas no fim se apaga,

Que a mente e a alma por instante alaga

E então se escoa, perdido o seu vigor...

Mas não é bem assim. Devorador,

Devora a dor que o próprio amor esmaga

E nessa chama o coração afaga

E o amor perdura em pipilar menor...

Em qualquer canto recôndito do peito,

Nessa vaga esperança da saudade,

Por mais vazia que seja a sua esperança,

Mas o amor da unidade sem defeito

Em carne viva conserva a validade

E à própria morte sorri em sua esquivança.

PALAVRAS MORTAS I – 15 AGO 15

Que fim darei aos trechos dos rascunhos

que decido mudar, passando a limpo?

Os dias passam antes do garimpo:

trechos ficam reduzidos a estremunhos...

Conservam lascas de meus próprios punhos,

células mortas que não verão o Olimpo

da redação final que então eu grimpo

até as alturas parnasianas de seus cunhos.

Caem palavras e trechos como pétalas

subjugadas por vento ou por calor;

resistem mais no caule verdes sépalas

e fica o chão de alfombra assim coberto,

que às solas ainda se prendem com vigor,

tristes polainas de coração aberto!...

PALAVRAS MORTAS II

Nem é que tantas assim eu abandone:

aqui um verbo eu troco ou conjunção,

nunca uma frase em total decantação:

respeito muito a ideia que me tome

de assalto a mente, singular, com fome

de ser vista perante vasta multidão,

aos holofotes do palco em vibração,

iluminada por ribalta que se dome...

A grande parte dos rascunhos permanece

para impressão em folhas de missal,

vaga a esperança de que seja recitada,

qual uma reza que no peito desce

e nos arranca do plano terrenal,

tal qual o encantamento de uma fada!...

PALAVRAS MORTAS III

Mas sempre há aquelas que são executadas...

Talvez algumas em títulos transforme;

noutro soneto estoutra se conforme;

algumas poucas por tesoura são podadas...

E caem no chão, chorando de agoniadas,

nessa injustiça que lhes parece desconforme;

ouvidos tapo ao gemido mais disforme;

sobe algum pranto às estrofes marchetadas...

Algumas chegam a morder-me os tornozelos

e provocar em minha pele uma alergia;

e então as varro, com brava maldição...

Mas me arrependo e as recolho com meus zelos,

cheio de pena, a lhes cantar uma elegia,

para as guardar novamente ao coração...