Espólios da manhã leiloada duram. 
Desse ontem de ilusões e devaneio
o canto errático do agora veio
das cotovias que entre nós procuram
 
nesta manhã que uns parcos raios douram
o encanto já por tudo aqui sem meio.
É que o pardal partiu,segundo creio,
buscando em longes sonhos que murmuram.
 
Respingo que não justifica o orvalho,
verão que em pertinácia decepciona,
porta aberta ao incerto e ao vão e ao falho,
 
boas vindas ao cinza sempre à tona.
A quem custa ficar será trabalho
chegar desperto ao porto quando outona. 


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Faltou dizer que cada verbo é espelho
mentindo às vezes,outras vezes falho
em dicas onde alguém quis ver conselho
ou coisa assim que o poupe de trabalho.
 
Conselho ou prosa especulando o velho
que escapa sem deixar traço de atalho
por novo que não vai meter bedelho
no rasto do sentido do que espalho.
 
E o espelho às vezes côncavo é a bolha 
– prisão do mau leitor,o da má escolha
perplexo por caber nessa armadilha.
 
Que a imagem lá se inverta ao dar na telha
da leitura rasteira,que de esguelha
procura em desespero uma escotilha.



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Não basta pelo templo ter desprezo

se a ele retorna o que lhe tem apreço
enquanto o derradeiro nicho aceso
oferte a luz que ignoro e desconheço.
 
É pouco estar vazio mas ileso
o altivo altar da fé que não professo
que me parece vil o deus indefeso
à espera por ser tanto caco em gesso.
 
Não basta por abaixo o prédio inteiro
depois de profaná-lo pela espada
e despojá-lo em gesto costumeiro.
 
É preciso que às cinzas tudo venha
a dar e o templo enfim vindo a ser nada
em si mais nada evoque e a nada tenha.



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De seu querer à margem mede o lago

e o lago vai medi-lo em falsa troca,
a luz que pouco fere quando toca
as águas rasas desse mesmo afago.
 
É logo a sombra em fuga e vulto vago
furtando à cena toda o que não foca
o lago,o indício torpe duma boca
propensa ao verbo negro,ao tom pressago.
 
Deixar que a noite em curso cure a chaga
aberta por punhal,adaga...ou faca
banal,que ser vulgar é sua praga.
 
Em todo caso a vida má,velhaca,
instrui se muito fere e pouco afaga

até a quem não mereça,até a babaca.


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A terra dava a dica pelo cheiro,
a voz que não convoca mas convida
à porta, até que alguém por fim decida
deixar a sala em troca dum canteiro.
 
Notícia assim não traz nenhum carteiro
honesto a quem,de resto,amava a vida
e o agora não será melhor suicida
que o ourives que estimamos,que o coveiro...
 
Convivas fartos nesse então,calados,
levamos muito a sério os mal tossidos
confortos que por fim soarão forçados.
 
Deixar que por agora pés vencidos
confrontem novos bosques com machados
felizes por cantar a mais ouvidos.



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Liberta os ais entregue ao que a penetra
que em si não cabe o gozo dessa entrega
e alívio traz deixar por essa esfrega
selvagem seu desejo uivando em letra.

E em tais Bastilhas seu algoz perpetra
domínio tal que já não poupa prega
e alegre trompa saúda o que a bem rega,
o que a bem toma e doma,o que a penetra. 

Desejo assim que ignore freio ou pressa
anima os membros desde a esfrega lassos
e amar é bem foder,não mais promessa. 

Assim que venha a si nos mesmos braços
deduz que o gozo sonha mas não cessa
tão curta a vida e os meios tão escassos.



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A aranha enfim se esquece,o fio
de seu afã de tédios faz
da teia idéia má se traz
vestígio impróprio afeito a brio.
 
Tecer ficou bem mais sombrio
e à mosca (rara) não apraz
o visgo assim tecido em paz,
a teia desse doce abril.
 
Excita entanto a tonta a inseto
incerto a certo ponto astuta
e insulta (e quanto!) o senso e o teto.
 
Que feia a teia em que labuta!
Se vem de entranhas traz afeto?
Pergunto,mas será que escuta?



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Gostar de mortadela
  você gosta :
para encontrá-la é só seguir o rasto
como quem busca bestas pelo pasto,
seguir o arroto e a trilha só de bosta.

Que fede o quanto fala e o quanto posta:
seu argumento frouxo, roxo e gasto
que nem crica de velha ou cu nefasto
causando "orgulho"... e inspira até uma aposta.

Reclama do "avatar" : quer ver meu rosto?
Vai se danar, petralha desonesta!
Perdão pelo pleonasmo...é que esse encosto

além de tudo é um porre de indigesta.
Nem tudo é só questão de mero gosto
mas mortadela para alguns é festa...


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Ditar contrito o quanto escapa à fresta – 
sentido que não há ao flâneur sem tino,
acólito do caos,caô  mofino 
– eu dito,e o que fazer?É o que me resta...
 
Aquilo que não leu direito a besta
ilustre em vão rumina,e eu imagino
a cabra-cega errando seu destino
sem mapas,nos balidos bem modesta...
 
Seu não caber em si sem dó nem cio
nas sedas,confinado em labirinto
sem qualquer marco,bússolas ou fio
 
faz mais que o quanto eu diga e nisso eu sinto
o insight inesperado do imbecil
justificando o quanto canto ou minto. 


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A multidão de quantos fui me espera
A cada despedida pelos portos,
O meu lugar ausência mais sincera
Acena à turba de meus tantos mortos.
 
A perda dos que fui aqui não gera
Maior estrago nesses dias tortos
Nem perceptível dano – ah,quem me dera
A sorte convincente dos abortos!
 
Àqueles que já fui já não me atrevo
Em riso ou gesto algum,já não lhes devo
Respeito além de ser tão só quem sou.
 
A cada novo porto aumenta o bando
Dos tantos que me deixam perpetuando

A história de outro dia que passou.



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A falta que o completa causa espanto
A cada verso em seu pensar o mundo
Em tempos pobres desse mesmo encanto
Que em tudo aponta o senso mais profundo.

Partiu tão pleno em si que por enquanto
A falta que já faz supõe fecundo
O estar perplexo e alheio no meu canto,
Relógio a errar segundo após segundo.

E o dia expressa a perda em chuva vindo
Levar os passos dum percurso findo.
Riqueza alguma excede a incompletude

De ser com propriedade o quanto foi.
Saber não nos redime,apenas dói
Ser mais(ou menos...)que esse instante rude.


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A infausto décimo terceiro dia
Do mesmo agosto que Destino trai
Seria um susto a sorte que assedia
E cega a réstias dessa luz que sai.

A algum sentido que outro plano adia
O custo imenso em dor que não se esvai
Ter só outro rosto que não mais podia
Ser sonho do devir que voa e cai.

Fechado em cinza o tempo em si pesar
Que a espera explica em parte e em parte ofende
O quanto em nós é mais que medo e errar.

Que o bem que aspira ao vir a ser é ter
Coragem plena de impedir quem vende
A si e o alheio brio a quem puder.


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E agora, à guisa de advertência a poucos,

a tecla a mesma, à mesma clave em secos
revérberos que a crânios de bonecos
felizes sempre chegam fracos,roucos...

a mesma valsa tóxica que a loucos
evoca a realidade por seus ecos
que nada tem do brinde de canecos
alegres mas vazios duns eunucos.

E por que insiste o acinte dessas trevas
sobre a alma só penúria o mais dos vivas
do títere animado assoma às levas

já durando o anormal nas mais lascivas
estâncias de existir,as mais longevas,
obsceno é já acenar a tais convivas...


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Israel Rozário
Enviado por Israel Rozário em 22/07/2015
Reeditado em 24/08/2015
Código do texto: T5319350
Classificação de conteúdo: seguro
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