ATÉ QUE A SURDEZ NOS SEPARE
ATÉ QUE A SURDEZ NOS SEPARE
William Lagos – 11-20 jun 2015
ATÉ QUE A SURDEZ NOS SEPARE I – 11 JUN 15
Para onde vai o beijo quando o amor acaba?
Vai-se a alegria perdida no estalinho
da língua contra os dentes, de mansinho,
ósculo santo transmutado em baba...
Para onde vai a doçura que se gaba,
quando a conquista arde em fogo pequeninho
e aos poucos cresce em crepitar vizinho
quando uma chama a outra chama afaga...?
A consumir-se, mas sem chegar ao fim,
pagando amor ao amor que se recebe,
flama que aquece a outra, em pagamento...
Para onde foi o beijo no outrossim,
quebrada a taça em que o amor se bebe,
apenas cacos a cortar-nos em tormento...?
ATÉ QUE A SURDEZ NOS SEPARE II
Pois morre o beijo quando não se escuta,
nos circulares desvãos do labirinto,
essa carícia obstinada de absinto,
rumor das vagas nos corais da gruta!...
Essa surdez no sensabor da fruta,
em que um apelo de tristeza tinto
pelo rancor se faz rubor retinto
e não partilha mais de sua permuta...
Não é mais o que se toca ou o que se vê,
o que se cheira ou degusta em seu flavor,
mas o impossível poder de se escutar,
que nas sombras dos ouvidos não se lê,
os pavilhões já desnudados do fulgor
dessa acidez de antanho no oscular...
ATÉ QUE A SURDEZ NOS SEPARE III
E pouco importa que as palavras soem
claramente nas orelhas, em rugidos,
se os sentimentos já nem são sentidos
que em nossas vidas lentamente doem.
Não são as falhas do som que assim nos roem,
antes o sangue no borbulho dos ouvidos,
os momentos de amor não mais vividos,
quando rancores aos julgamentos moem.
O beijo em flauta doce que assovia,
as hastes de bambu a preencher,
enquanto o mundo segue no seu giro...
E no momento em que ruge a sinfonia,
o glockenspiel e dois tímpanos a bater,
quem tem ouvidos para ouvir suspiro?
DELÍRIO I – 12 JUN 15
“No mundo, para mim, só existe uma pessoa!”
Há muitos anos não escuto esse bolero,
ritmo hoje já olvidado por inteiro,
mas que no ouvido da memória ainda me soa,
igual ao ritmo do sangue que me atroa;
não que eu dançasse em seu passo ligeiro,
mas que o escutava no rádio hospitaleiro
e em velhos discos sua balada ainda me voa.
Naquela época, eu muito o rejeitava,
interessado tão somente no erudito,
tal qual minha mãe havia-me ensinado,
mas verdadeira a melodia que escutava,
sem a percussão que o coração aflito
hoje me deixa e ao ouvido, atribulado!
DELÍRIO II
Não é, em absoluto, um saudosismo
(dizem que os velhos só desejam o passado,
recordação de um período descuidado,
todo o novo a encarar com ceticismo.)
Mas o bolero, apesar do preciosismo
e dessas convenções do tema airado,
trazia a rima e a melodia do seu lado,
bem diverso do moderno em seu modismo.
Eu continuo a sondar novos autores
e dentre o mundo o vasto folclore,
não corrompido pelo puro comercial.
E aquelas letras ingênuas de estertores
muito lastimo que hoje se ignore,
entre tais altos decibéis de som tribal!
DELÍRIO III
O que eu percebo é a existência do escapismo,
não obstante o atual amor por digital,
na juventude que se entrega só ao modal,
num pulular de barata em cataclismo!...
E nessas transas de esquecimento ocasional,
por entre as drogas de tão fácil consumismo,
por tatuagens, por piercings de cinismo,
a morte marcha em sua batida triunfal!...
O que me espanta é que esqueçam a ciência,
a melodia, toda e qualquer forma de arte,
no desperdício casual da própria vida;
não há pecado, nem crime, só a perdida
mocidade em tais horas de indigência,
da qual depois nem recordam tomar parte...
PIJAMA DE SOL I – 13 JUN 15
Durante décadas, recusei-me a ser poeta
e mesmo hoje, certa dúvida eu conservo,
meio convicto de não ser mais do que um servo
que nem concebe a qual senhor completa.
Esse labor adotei em ideal de esteta,
conto milhares de versos em acervo,
do frenesi interior inda hoje fervo,
enquanto linha a linha se extrojeta...
Mas será que em mim mesmo autor eu via,
ou nada mais que prestimoso escriba,
subserviente a desenhar caligrafia,
em longas rimas calceteando a vida arriba,
na ignorância das paixões que redigia,
sem compreender as letras que escrevia?
PIJAMA DE SOL II
Tal e qual como se o Sol me dominasse
e revestisse com dourada indumentária,
raios de arco-íris em multitude vária,
sem que a razão da tarefa se explicasse;
tal como se acordar não me deixasse,
fraca charrua em recortada agrária,
sempre a puxar os versos, alimária
que só no fim da trilha descansasse...
pois que constante a tarefa me conclama,
tão raramente a expor meu pensamento,
igual tocasse uma alheia gravação,
revestido de labor como um pijama,
preso num sono sem despertamento
suando o sangue do próprio coração...
PIJAMA DE SOL III
Eu vejo os outros proclamando sua autoria
em quaisquer de seus bosquejos ou meneios,
apondo os nomes, sem quaisquer receios,
breve que seja esse valor da cantoria!...
Porém no antanho, sequer a mim dizia:
“São belos versos, que me darão os meios
para da fama e glória ter esteios,
que assim meu povo, afinal, me louvaria!”
No entanto afirmo e Deus é testemunha:
longe de mim esse adotar de objetivo,
somente escrevo por me sentir acuado
por mil lancetas internas, dura cunha,
que não concede descanso ou lenitivo
para acalmar-me o peito atribulado!
AR DO SUL 1 – 14 JUN 15
Ai, bem queria que fosse diferente!...
Que afinal eu conseguisse ser aedo,
que todo o tempo que ao inspirar eu cedo
gastar pudesse com o próprio meu segredo!...
Que não me fosse a poesia um arremedo,
que assim me empurra ao redigir fremente,
que só lançasse de mim a dor plangente
a que pudesse descrever em sonho ledo!...
Que não entrasse em mim minuano astral,
pródigo filho chileno do mistral,
para depois dançar-me sob as unhas!...
Que não ficasse a queimar-me esse degelo
que vem da Antártida, num feroz desvelo
e me penetra nalma em frias cunhas...
AR DO SUL 2
Queria possuir a larva da palavra,
Colocá-la permanente no meu braço,
Deixar que me devore no seu traço
E me conduza qual rainha escrava.
Que seja assim, crisálida de lava,
Pupa e casulo, lagarta que retraço,
Efeméride muda em seu abraço,
A carne a me romper em quente lavra.
Que sirva a pena como o meu arado,
Charrua antiga que sulcos em mim abra,
Por onde escorra a geada da montanha
Já que esse sangue em verso derramado,
Em cumprimento do amor que me consagra
Se faz em mariposa e me acompanha.
AR DO SUL 3
Queria fosse só meu o pensamento,
Jamais por mente alheia conturbado,
Sem que o alhures se cravasse do meu lado,
A me exigir feroz atendimento.
Que para fora soprasse o sofrimento
Que ainda guardo no peito enamorado,
Sem nas narinas sentir-me apisoado
E assim pudesse usufruir o meu lamento!
Mas é tamanha a multidão que se interpõe
E que reclama de mim assentamento,
Lamúria e gozo a transmutar em cor!
Que o tempo passa e nunca se repõe,
Correndo os versos de almas em tormento,
Minha própria vida um tecido furtacor!...
AR DO SUL 4
Que seja para mim nuvem de prata
Essa neblina cinza que me assombra,
Na maciez enodoada de uma alfombra,
Que seja a vaga que contra mim se esbata,
Que seja clepsidra sem ter data,
Ampulheta sem vidro, luz e sombra,
Um gnômon sem ponteiro que me encombra, (*)
Batina negra reduzida a bata,
(*) Relógio de sol.
Que seja o tempo para mim pirata,
Um tinir que reluz, veloz ponteiro,
Um trono de metal destemperado,
Mas não me esbulhe do tempo que arrebata
Gota após gota o sonho alcandoreiro
Que o coração em mortalha tem guardado.
LÁGRIMAS DE FERRO I – 15 JUN 15
Aos poucos, tudo assume um clima onírico,
passo perdido nesses sonhos tolos,
emaranhando nas cordas desses rolos,
sem sobrar tempo para um viver empírico.
Assim, em cada sonho mais ofírico (*)
descanso a vida dessas brancas horas,
em que a alma totalmente me devoras
com teu olhar de brilhantismo ofídico.
(*) Feito de ouro, como as míticas minas de Ofir.
Sobremaneira nos sonhos esquecido,
tão logo acordo, dominas-me a memória
que governa a rotina de meus dias,
envolto em teus lençóis, envilecido,
tristes sombras guardiãs de minha história
como sonâmbulo de meninges frias.
LÁGRIMAS DE FERRO II
Mas depois de tantos anos, sem parar,
em que a inspiração corria serena,
ou me explodia como quando se abre a pena
em cujo cano se deixou juntasse o ar.
Depois de tantos anos sem cansar,
em que escrevia como em nuvem plena,
a derramar-se dos dedos, vaga amena,
coral de cânticos em surdo farfalhar,
o cansaço me acomete dessa inútil
atividade que nem deixa rastros,
só mil rascunhos guardados no jamais
e então percebo como é um ato fútil
hastear palavras em rachados mastros:
secada a fonte, nem se escreve mais!...
LÁGRIMAS DE FERRO III
Mas é inútil querer que a fonte seque,
que a entulhe ou a feche com cimento;
o turbilhão demoniza meu lamento
e explode o verso em novo e aberto leque.
E pouco importa que contra mim em peque,
sou fraca eclusa para o transbordamento, (*)
barcos lançados na champanha do momento,
cacos quebrados a cobrir-me o deque.
(*) Válvula separando níveis de água em um canal.
A maioria é pelas vagas engolido,
porém alguns dançam sobre o tombadilho,
enquanto outros choram pelo casco,
e assim o rumo é constante perseguido,
não sei se pai eu sou ou se sou filho,
que disso possa ter orgulho ou sentir asco!
LÁGRIMAS DE FERRO IV
Pois que seja cada verso um dom de Oneiro,
o irmão de Hipno, de coração inquieto;
que importa em seja de Eros predileto
ou de Tânatos, de quem sempre mais me abeiro? (*)
(*) Deuses gregos do sonho, sono, amor e morte, nesta ordem.
Pois quanto eu faço, o faço por inteiro
e não mais guardo verdes versos em secreto;
pouco importa seu ideal seja incorreto,
se foi Dionysos a me acutilar primeiro?
E se meu rosto não se faz sulcado
é que minhas lágrimas, ainda que de ferro,
correm velozes, sem marcar a pele;
que o coração, alegre ou amargurado,
mais forte aço sob a carne faz aterro,
mesmo que a alma em tal pendor se gele!
LÁGRIMAS DE ESPADA I – 16 JUN 15
“Se uma dor secreta te faz tremer a mão”,
enche de aço os ossos sob os dedos;
quer tenha a tremulância mil segredos,
contrai-se o ferro no interior do coração.
Ou seja bronze o que firma teu pendão
ou de oricalco a soma dos teus medos,
de electro o teto para teus degredos, (*)
mesmo esquecida a sua composição,
(*) Ligas metálicas antigas, cuja fórmula de fusão se perdeu.
que na tua alma a alquimia perdura,
por cada poro a espiar o teu além,
sob tua túnica a fímbria a se agitar,
máscara negra a ocultar a tua candura,
enquanto bebes a poeira do azevém,
cada tremor de tua carne a acalentar.
LÁGRIMAS DE ESPADA II
Qual intenção teria esse poeta
que, por motivo que me foge à mente
quis emprestar-me tal frase inclemente?
Que estranha mágoa tal pendor completa?
Nem sequer sei qual a seiva que se injeta
nessa picada viperina de serpente;
apenas sei do canto mais plangente
que da ponta de meus dedos se secreta...
Há tantos meses tal frase anotei,
talvez inspiração para um soneto,
talvez em vias de contestação...
Mas que somente agora retomei,
no balbuciar peçonhento de um inseto,
da própria língua brotando qual ferrão!
LÁGRIMAS DE ESPADA III
Toda lágrima de espada traz ferrugem,
que sangue afirmam ser os timoratos,
ou que buscam lamber os insensatos,
buscando a seiva forte dos que rugem!...
Mas toda lágrima de espada traz penugem,
restos de carne de ancestrais contatos,
restos perdidos de negados fatos,
sabor de linfa em gosto de salsugem.
Algumas vezes, a lâmina da boca
explode bífida qual língua de serpente,
silvando ao longe sopros de amargor,
movida apenas pela esperança louca
de acalmar o tremor da mão, frequente,
num assobio em si desnudo de calor.
ALMAS EMACIADAS I – 17 JUN 15
Quando a manhã se rende aos passarinhos,
rubra e fragrante em ferida de esplendor,
em plena entrega ao faminto beija-flor
e assim se deixa consumir aos pedacinhos;
quando do ouvido os ossos pequeninhos
desistem de rufar como um tambor,
mas assoviando em rimas de rubor,
no esmeril sutil de mil espinhos;
quando a rosácea que em tua testa dorme
se mostra em bindi vermelho de açafrão
e assim se expõe à luz da solidão,
então se desfará todo o disforme,
em auréola amendoando um diadema,
encastoado no fulgor de cada gema.
ALMAS EMACIADAS II
Sua dor terá o amarelo do topázio,
será o rancor um fulcro diamantino,
será o medo um romboide cristalino,
todo o seu ódio em alaranjado crisoprásio.
Será o amor rubi, vermelho e cárdio,
a inocência feita orvalho cristalino,
a inveja rude crisol esmeraldino,
o orgulho duro e triste como o sárdio.
Será a luxúria a turquesa consagrada,
a desconfiança uma ágata felina,
a bondade reluzente de safira
e da ametista a ternura assim gerada,
terá a traição todo o gentil da turmalina
e o opaco ônix o contraluz da ira.
ALMAS EMACIADAS III
Cada emoção será destarte desgastada,
já debicadas as circunvoluções,
já carcomidas as mais fortes emoções
e cada rama das artérias depenada;
Os fios das veias em harpa dedilhada,
submetida à força das razões,
esbatida de tristes suspeições,
a espinha inteira de seu cálcio despojada.
Pois meu crânio já abri vezes demais
e lá deixei que as aves debicassem,
mil versos carregando para os ninhos,
mil memórias perdidas no jamais,
sem esperança qualquer de que voltassem,
sequer na sombra dos beijos mais mesquinhos.
OSSOS DE ARGILA I – 18 JUN 15
Enfim gastei o resto de minhas dores:
montei com elas um presépio no jardim,
ossos pregados com gotas de alecrim,
representando ovelhas e pastores;
com três costelas levantei os Reis Senhores,
que a tradição de Magos chama assim;
dois anjos com uma faixa de alfenim: (*)
foram meus rins alados seus pendores;
(*) Massa de clara de ovo e açúcar para enfeites em doces.
tirei meus olhos e fiz Maria e José,
com minhas orelhas formei o burro e o boi,
o meu nariz reformei em manjedoura,
os meus cabelos tornei palha de sapé,
enquanto a boca, finalmente, foi
a criancinha a quem perdão se implora.
OSSOS DE ARGILA II
Minhas lágrimas fundi em cem estrelas,
para enfeitar o pinheirinho de Natal;
bem lá no alto, numa explosão final,
cometa pobre, sobrancelhas feitas telas;
(lágrimas quentes que em temor congelas,
que já não podes usar no Carnaval...
Bem melhor sangue, em gotas de coral,
como rosário com que a sorte selas...)
Com meu bigode já de neve fiz os ramos,
mesmo de caspa milagrei serragem,
para o presépio sangrento de minha argila;
e com suor moldei do estio recamos,
iguais pingentes de cristal e aragem,
os meus cabelos em algodão de esquila.
OSSOS DE ARGILA III
Pouco me sobra após tais horizontes:
dos meus ossos todo o cálcio retirei;
como foguetes ao mundo transportei
sonetos duros de salobras fontes.
Vozes austeras de cruéis arcontes, (*)
versos de ossos magros que quebrei;
como ciprestes no presépio os coloquei,
meu próprio sêmen congelado em pontes.
(*) Magistrados gregos.
E dos cabelos do peito fiz choupana,
tornada arame a barba em cada fio,
restos de carne formando cada outeiro,
que em tal consagração que se proclama,
nessa honra do Natal de antigo brio,
a alma entrega realmente o corpo inteiro!
SUCULÊNCIA I – 19 JUN 15
Só uma vez ela se olhou no meu espelho
para apagar os vestígios de meus beijos,
nos meus lábios somatório dos adejos
da jovem borboleta em rosto velho.
Quanto a mim, eu beijei-lhe até o artelho,
nada querendo apagar de tais ensejos,
fossem embora tais marcas “caranguejos”,
“patas de aranha” a me curtir em relho.
Que de beijos me matou no dia antigo...
Por mais que me doessem de saudade
e da certeza da quebrantação,
apagar os seus vestígios não consigo,
guardei seus vincos com solenidade
junto às artérias da raiz do coração!
SUCULÊNCIA II
Contudo, na minha boca, a sua saliva
escorreu como anel de seiva quente;
eu a colei em minha garganta, incontinenti,
reunida em fardos, como faz a estiva.
Cada líquida gota em brasa viva,
ensarilhada em marchetar potente,
cravada firme como jóia ardente,
nas placas do palato que se ativa.
Guardei as pérolas de suas salivares
nos recônditos ocultos da garganta,
para prová-las depois que foi embora
e recolhi-as no interior das jugulares,
gotas de amor da alma que descanta,
qual prova viva de inesquecível hora.
SUCULÊNCIA III
Tantos existem que beijam sem cuidado,
somente um ósculo bem mais que transitório,
marcas de leve de um instante inglório,
para a seguir lançar tudo de lado.
Tantos existem que mal notam que seu fado
dá permanência ao beijo em rotatório
sabor nativo e que esse gosto perfunctório
os beijos mata em suspiro atribulado.
Sem dos beijos guardarem a lembrança,
tão descuidados são nessa corrida,
em que um gosto apaga o outro em concorrência
que as entranhas de sua alma nem alcança,
sem saber que cada beijo tem sua vida,
na ptialina sutil da suculência...
LENÇO DE PRATA I – 20 JUN 15
O VENTO AGITA A AREIA SEM MOTIVO,
INQUIETANDO CADA DUNA DO LUGAR,
LANÇANDO AS ERVAS EM DESARRAIGAR,
QUE FIQUE LISO O SOLO EM SILVO ATIVO!
SE AFASTA E VOLTA, CONSTANTE RECIDIVO,
SEM DEIXAR FRÁGEIS MONTANHAS DESCANSAR,
À SUA FEIÇÃO A PRAIA A REFORMAR,
EM MIL GRÃOZINHOS DANÇANDO NO SEU CRIVO.
POR QUE PRECISA O VENTO SE AFIRMAR
NESSA CONSTANTE E VÃ INCOMODAÇÃO,
SE NÃO PRETENDE CONSTRUIR JAMAIS CASTELOS?
A PAZ DA COSTA SOMENTE A PERTURBAR,
QUAL A COÇAR-LHE AS COSTAS, NA OCASIÃO,
QUAL AMANTE A ACARICIAR UM TORSO BELO!
LENÇO DE VENTO II
NUNCA EU ESTIVE NAS AREIAS DO DESERTO.
COM CASTRO ALVES EMULAR NÃO PODERIA,
A DESCREVER UM SIMUM QUE AGITARIA (*)
CADA ALBORNOZ QUE IMAGINASSE PERTO.
(*) VENTO QUENTE DO SAHARA.
E NEM AO MENOS, DE CORAÇÃO INCERTO,
FUI AO ALEGRETE, QUE SE TRANSFORMARIA
EM UM AREAL, TALVEZ DE FANCARIA,
POR MIL OVELHAS O CHÃO DEIXADO ABERTO.
SÓ POSSO ENTÃO DESCREVER ALGUMAS PRAIAS
EM QUE A MARCA DE MEUS PÉS TENTEI DEIXAR;
LOGO A SEGUIR O VENTO EM MÁGOA A DESMANCHAR
NESSE LENÇO DE PRATA SEM COMEÇO,
QUE NÃO TEM FIM, SE ACASO À COSTA DESÇO,
NA BUSCA INÚTIL DE TUBARÕES E ARRAIAS.
LENÇO DE PRATA Iii
O LENÇO QUE EU USEI FOI ENCARNADO.
FUI MARAGATO, FUI FEDERALISTA.
ATÉ HOJE ME REBELO ANTE A CONQUISTA
DE MEU ESTADO, PELA TROPA DEVASSADO.
MAS NESSA PRAIA, SÓ HÁ LENÇO PRATEADO,
POR MAIS QUE A ESPUMA EM FURTACOR INSISTA;
ALGUMAS CONCHAS AQUI E ALI SE AVISTA,
OS PÉS A ME CORTAR, SE DESCALÇADO.
PORÉM O VENTO TOMO MESMO POR AMIGO
QUE DO MARTÍRIO DO SOL DÁ PROTEÇÃO:
LENÇO DE PRATA ME SEJA EM ALBORNOZ,
NESSE DESERTO A ME ENVOLVER CONSIGO,
QUEIMADA A PELE NA RESSECAÇÃO
DESSE COMBATE ENTRE O VENTO E A LUZ FEROZ!