Dois sonetos de Agostinho
Soneto íntimo
Tresloucado vagara a vida inteira
Nesse caos de miséria e de ternura
Eu vi de perto a minha desventura
Essa rústica e louca companheira
A pobreza nefanda e corriqueira
Me levara pro mundo da amargura
Meu espírito perdeu toda postura
Com impulso da sorte passageira
Sem arrimo viril, sem resistência
Vou cantando a triste decadência
Como dimana a minha vocação
Como grande poeta genial
Sinto o peso da mágoa crucial
Devastando o meu tosco coração
Soneto descrença
Eu sou um tosco rebento da desgraça
Excremento que vaga sobre o chão
Como rústico parente de Adão
Eu detesto a minha tétrica raça
Meu talento poético amordaça
A mentira nefanda, a imperfeição
Que perturbam meu rude coração
Neste mundo de crime e de trapaça
Já não vejo na vida mais assédio
A descrença me causa um grande tédio
Hoje vivo somente da descrença
Eu trago em mim a dor como castigo
Meu tormento macabro de mendigo
Apagou para sempre a minha crença.
Sonetos de autoria do poeta e ex-repentista russano Antonio Agostinho, hoje homem dedicado às letras.