QUATRO TEMPOS DO AMOR

I- Alvorada

Era madrugadanha - o tempo turvo,

sob a neblina, ia a caminhada.

Oh, se me lembro, àquela madrugada,

ainda hoje me rendo, ainda me curvo...

A camponesa vinha, na orvalhada,

em sentido contrário ao que eu seguia.

Foi por acaso o encontro que seria

a sorte, o amor, a dor - minha alvorada.

Há quanto tempo? Ainda sou capaz

de marcar a umburana, o riacho, e mais,

a potência viril da puberdade.

Eu jamais a esqueci, ela fugiu,

seguindo o curso longo do seu rio,

não disse adeus e me deixou saudade...

II - Hidra

A hidra pegou-me descuidado e trouxe

pelo cabresto aos trancos e barrancos.

Não respeitou os meus cabelos brancos,

não deu colher de chá nem água e doce.

Eu me curvei aos fatos tristemente,

e cabisbaixo vim comer no cocho

que ela me pôs, como um carneiro mocho,

com figura desleita e alma demente.

Marca-me a vida, agora, esse dilema

de um cocho à frente e a morte do poema,

na peçonha terrível do feitiço.

A hidra me domina e eu não contesto,

nas curvas, no trejeito, no seu gesto,

esgota-me, sem pressa, a força e o viço.

III - Relâmpagos

Eu sou feliz porque sou velho, e o velho,

não precisa de nada - só repousa.

Porque assim é, a carne já não grelho,

ou, quando grelho, é um resto dessa cousa...

Toda a vida o trabalho, e eis a vitória:

eu me aposento e porque sei de tudo

pendurei a chuteira e o velho escudo,

deixei atrás o lodo, o sujo, a escória.

Num momento reflexo ainda penso

que esse mundo do além é mais que imenso,

para domá-lo é necessário raça.

Pois recomeço e agora, outra vez moço,

busco o infinito - estúpido colosso,

bebo o vinho do amor em nova em nova taça.

IV - Santa

Haja rosas no mundo e haja vinho,

haja luz de arrebol, cantos, seresta,

a poesia romântica e a gesta

que o amor engrinalda em branco linho.

Haja santo, haja monge, haja adivinho

que marquem bom destino a esta, a esta

que me conduz na vida para a festa

e as carícias suaves do seu ninho.

Ela é a mulher e amante, a mãe e o anjo,

que adeja sobre nós no seu arranjo

de maré mansa na extensão do Nilo.

Age por nós e por nós todos pensa.

Tem desvelos de santa na doença,

na tristeza e na dor é o nosso asilo.