POEIRA DO SOL & MAIS

poeira do sol I (23 out 12)

quando criança, olhando de viés

qualquer raio de luz em diagonal,

que se inclinasse em singular fanal

e que molhasse o peito de meus pés,

quanta emoção tocar nesses sopés,

em que essa listra de luzir doural

se derramava no chão, em carnaval:

colombina ajaezada em ouropéis.

e eu via a poeira dançando, em movimento

browniano, até mesmo quando o vento

ficara aprisionado no exterior...

e então acreditava em meu alento,

soprando o ar em límpido portento

e me nutria de onipotente ardor...

poeira do sol II

deixei de ver o ar, eventualmente,

mas esse sonho de pálida magia

para meus filhos igualmente transmitia:

que assim bebessem da cornucópia quente

que alimentou a tropilha impertinente

de meus ideais de intensa fantasia,

pois na ponta da língua ainda sentia

quanto lambera da luz do sol potente...

contudo, minha esposa, firmemente,

de minha filha mais nova e impressionável

retirou esta e mais outras ilusões;

seus pés firmados na terra ali jacente,

nesse combate à poeira imponderável

que alimentara tantos corações...

poeira do sol III

mas eu conservo a crença nessa poeira,

qual polvorinho de encruados sonhos...

dançam os grãos no ar, ainda risonhos

e ainda ponho razão na polvadeira.

quero que seja cibernética peneira

que ferve o ar e anima hélios e argônios,

neônios, criptônios, radônios e xenônios,

alma solar que permanece inteira...

sobre meu paladar eu sinto o gosto

dessa poeira do sol e ainda me iludo

que seja o claro sabor, vento solar,

que faz crescer madeira e dá o mosto

e desta convicção jamais eu mudo:

poeira do sol em meu peito a palpitar!

poeira do sol IV

e que me importa que nisso apenas eu

consiga crer, na razão irracional,

que está por trás da matéria imaterial,

nesse quântico esplendor que faço meu?

não importa o que a inteligência já aprendeu,

meu coração permanece emocional;

eu sou romântico e sei que me fez mal,

enquanto a vida sob meus pés correu...

quando ao invés de garimpar meu ouro,

fiquei ainda na espera derradeira

de que o ouro do sol me revestisse...

a transformar em luz o meu desdouro,

nessa paixão inaudita pela poeira

de cada sonho dourado que sumisse...

The sonnet below alludes to Elizabeth Barrett Browning and her lifelong husband Robert Browning, joined by a common interest in art and poetry. She was many years his elder and died twenty years before him, but Robert stayed faithful to her to his own death.

WITH THIS RING I THEE WED (8/7/2006)

They had gorgeous years together, these two;

Despite age differences, it was poetry

That got them together, the revelry

Within words, that love kept anew...

He was steadfast, as much as inconstant

Was she, though never was she unfaithful:

Actually too sincere, indeed too truthful:

To her manifold moods forever consistent.

And that woman he loved, with weirdest ease,

Who wrote "Sonnets from the Portuguese",

Never in Portuguese written, but sounding

As if they had been -- to death she kept faith

And till his death remained Robert Browning

Forever faithful... to his "Elizabeth"!...

MAELIFELL I (18 OUT 12)

Em cone o Maelifell verde agiganta,

por entre o branco e cinza da geleira,

trazendo pedra e moraina em sua esteira.

É o lugar em que se encontra que me espanta

esse vulcão que entre o gelo se alevanta,

com sua presença falsamente hospitaleira

contra a lisura da paisagem sobranceira,

como esmeralda esperança nos encanta.

Há muito tempo não entra em erupção,

embora águas cálidas se encontrem

em suas proximidades, no que indicam

possibilidade futura de explosão;

e as faldas lisas em tal lomba demonstrem

essas forças reprimidas que ali ficam.

MAELIFELL II

Maelifell era da raça dos gigantes

que contra o jugo dos Aesir se rebelaram;

como castigo, os que se revoltaram

foram contidos em cárceres hiantes.

Maelifell empregou esforços incessantes,

que sua cabeça e os ombros libertaram

e seus braços em parte até se alçaram,

nessa energia de haustos delirantes.

Porém Odin, ao perceber-lhe a luta,

para que Asgard outra vez fosse atacar,

lançou a geleira em torno de seu peito,

Myrdalsjökull impedindo-lhe a disputa,

grilhão de gelo, feito ilha milenar,

ainda se alça, no ardor de seu despeito.

MAELIFELL III

Hoje é ponto concorrido de turismo,

já tem rotas demarcadas de ascensão

e por elas, em favorável estação,

galgam constantes os adeptos do alpinismo.

Não é de fato um desafio de amplo abismo,

trezentos metros de altitude aqui estão,

mas é traiçoeira a sua vegetação,

barbas limosas desafiam excursionismo.

Dizem que Maelifell possui três rostos,

visíveis ao passar da luz cambiante;

seus ombros cobre ainda o glauco manto,

e de suas bocas brota o som de mil desgostos,

seus olhos cegos de infeliz gigante

tornam em neve suas lágrimas de pranto...

vastidão i (19 out 12)

O PROBLEMA COM A RESSURREIÇÃO

É QUE OS OUTROS TAMBÉM VOLTAM,

UM A UM,

Que nos fizeram mal, nesse fartum

De almas mortas de podre coração.

Como será então a comunhão

Dos santos, apregoada na comum

Partilha eterna de lugar nenhum

E de todos os lugares em que estão

Os sertões da eternidade, esses locais

Em que todos convivem e se espiam,

Em que todos conhecem, afinal,

O que vivemos nos dias naturais,

E o que pensavam enquanto aqui viviam

Esses todos que nos fizeram mal.

Vastidão ii

Quem a gente quereria lá encontrar

Eram nossos amigos ou irmãos,

Nossos amores, nossos pais e mães,

Em doce abraço no tempo milenar.

Mas ter do espaço santo partilhar

Com essa gente que nos pisou as mãos

E que magoou os nossos corações,

Realmente não é coisa de almejar.

Pois tanta vez um sentimento impuro

De vingança ou de alívio nos brotou,

Quando se soube da morte do inimigo

A desejarmos até destino duro

Para esse povo que nos prejudicou,

De satanás no calor de seu abrigo...

VASTIDÃO III

E É BEM PROVÁVEL QUE ESSES DESAFETOS

NOS DESEJASSEM DESTINO SEMELHANTE,

EM SUA MENTE A NUTRIR IDEIA CONSTANTE

QUE FOMOS NÓS QUE MAGOAMOS

SEUS AFETOS...

AINDA MAIS QUANDO SOB OS MESMOS TETOS

NÓS HABITAMOS NO CAMINHO ITINERANTE,

EM PASSO LENTO OU PASSADA DE GIGANTE,

COMPARTILHANDO DIAS INCOMPLETOS.

E SE É POSSÍVEL A TODOS OS MALVADOS

RECEBER O PERDÃO DE SEUS PECADOS,

SE FOI SINCERO SEU ARREPENDIMENTO,

NÓS OS VERÍAMOS ASSIM RESSUSCITADOS,

COMPARTILHANDO DO CÉU ÁTRIOS SAGRADOS,

HARPAS TOCANDO NO MESMO MOVIMENTO.

vastidão iv

MAS É MELHOR QUE NÃO VÁS TE QUEIXAR

PARA SÃO PEDRO OU QUAISQUER

DOS SANTOS

PELA SIMILARIDADE DOS QUEBRANTOS,

TODOS JUNTOS ENFIM NESSAS ENDEIXAS...

TALVEZ O SANTO TE PUXE DAS MADEIXAS

E TE AMEACE COM MAIS DESENCANTOS;

NÃO PODE O ÓDIO PERSISTIR PERANTE

OS CANTOS

DA MELOPEIA DO LOUVOR NAS DEIXAS.

E DESSE MODO, MESMO ESTANDO DESBICADO,

MELHOR É MOSTRAR ARREPENDIMENTO

E O INIMIGO ENVOLVER EM ABRAÇO TERNO...

OU A BALANÇA VAI PENDER PARA

O OUTRO LADO:

VÁ QUE SÃO PEDRO MODIFIQUE O JULGAMENTO

E SEJA A TI QUE JOGUE LÁ NO INFERNO!...

MORTE DA ALMA I (20 OUT 12)

Tudo o que nasce, morre, a lei é essa:

a estrela morre e um dia morre a Terra;

termina a paz, um dia acaba a guerra;

enquanto há vida, de se morrer não cessa...

Contudo, há esperança na promessa

que a Escritura santa nos encerra;

somente é o corpo que no túmulo se enterra;

possui a alma persistência mais espessa.

Por mais que nos iluda de intangível

esse corpo que parece ser tão forte

por um espinho no pé encontra a morte,

enquanto a alma, por mais seja invisível,

não segue do carnal a mesma agrura

e permanece eterna quando é pura.

MORTE DA ALMA II

Mas, Houston, aqui temos um problema,

pois se tudo o que nasce há de morrer,

por ser eterna, não pode a alma nascer

qualquer o tempo em que surgiu em cena...

Alguma religião afirma o esquema

de que a alma surge do corpo ao conceber;

mas se então surge, terá de perecer:

contradição que a razão nos envenena...

Querem dizer que existe aqui mistério,

mal explicado pela Teologia,

mas nisto afiança seu poder a Igreja,

o dilema a resolver seu ministério

pelo batismo e unção que se cumpria

a eternidade da alma então enseja...

MORTE DA ALMA III

Então eu penso nas lendas antigas

dessa gente que ao diabo vende a alma,

pensando ter sua posse, em plena calma,

como das roupas ou da casa as vigas...

É de supor que, através de tais intrigas,

nos sofrimentos do fogo a morte dalma

seja possível, enquanto o céu a embalma,

sob acalantos e ao som de mil cantigas...

Mas se existem por aí os pecadores

que ao fogo servirão de combustível,

por que razão querer almas comprar?

E disso falam os predestinadores,

que desde o nascimento um fado horrível

já pudesse a alma humana dominar...

MORTE DA ALMA IV

Eu pessoalmente acho muito complicada

essa longa construção da Teologia:

Tomás de Aquino, em boa parte, a cria,

por ter sua própria opinião justificada...

E em muitos pontos copiou a patacoada

de Aristóteles, em sua Taxonomia...

Mas de Platão evoluiu Filosofia

em que a alma é bem mais abençoada...

Igual que nos legou Santo Agostinho:

não nasce a alma, mas desce lá dos céus,

gota somente da divina essência...

E embora seja só um fruto pequeninho,

assim como desceu, voltará a Deus,

seus descaminhos encarados com paciência...

SOL OBSCURO I (21 OUT 12)

Por ti espero enquanto tiver vida,

A luz do sol presente em teu olhar,

Quando percebo das pálpebras o afagar,

Em cada cílio uma ilusão perdida.

Contudo vejo, em cada despedida,

Não o consolo que queiras me entregar,

Porém a hesitação em me mostrar

Essa centelha de calidez querida.

Quanta vez só “boa-noite” me disseste,

A boca oculta na palma do bocejo,

A centelha embaçada em gesto vago...

Contemplo a porta, após o adeus que deste,

Na frustração alheia ao meu desejo,

Enquanto espero um derradeiro afago.

SOL OBSCURO II

Por ti espero, durante a madrugada,

Na vaga expectação do novo dia;

Pela janela, a fímbria que surgia

Indica o rubro arco-íris da alvorada...

É, portanto, a noite inteira consagrada

Só à procura de ti, minha nostalgia

Uma fronha empastado de poesia,

Pelo cantar do galo acompanhada...

Há estrelas no céu, que ainda espiam,

Ofendidas pela cor da luz solar,

Mas sem nunca seu lugar abandonar

E sob a capa do azul, em palidez vigiam

As minhas estrelas, sempre a acompanhar

Esse meu fado que frias presidiam...

SOL OBSCURO I II

E quando penso serem tantos sóis,

Ainda emperrados nas esquinas da distância,

Que me demonstram só obscurância,

Embora sejam límpidos faróis,

Tão potentes no rugir dos arrebóis,

Que cruzaram a sidérea discrepância

E ainda são visíveis, em constância,

Luzes agudas no aço dos anzóis.

E contudo, o estridor de seu fulgor

Já se perdeu ao largo das quimeras...

E tal rebanho cósmico de algures

Poderia influenciar o meu pendor

E fazer-me rebrotar, em primaveras,

Enquanto corre empós outros nenhures...?

MORTE E TEMOR I (22 OUT 12)

Nunca encarei a morte com temor.

Desde criança, tive a convicção

de partilhar de uma longa encarnação,

na dolorosa espera do louvor.

Não me desapontei, pois tive amor,

alguns sucessos, com moderação,

tive saúde, inteligência e emoção

e ainda provo da vida o seu sabor.

É claro que algum dia morrerei,

mas isso é coisa que em nada me incomoda;

se meu dia chegar hoje, que assim seja;

a morte é nada e não a encontrarei

enquanto continuar na humana roda:

só chegará quando eu aqui não mais esteja.

MORTE E TEMOR II

Por que temer o que nunca encontrarei?

Só surge a morte no final da vida,

rompe o cordão de prata em sua saída;

sabe-se lá para onde partirei!...

Se a morte é outro começo, saberei.

Mas é tão breve como a diária lida,

em que o passado toma o futuro de vencida

e isso que chamam de hoje ainda não sei.

Se por acaso nada mais existe

(sempre é possível essa alternativa),

Por que temer de todo o mal a ausência?

É mais a lástima do bem que nos assiste

que tal corte inteiramente desativa,

na poda rápida de qualquer subserviência.

MORTE E TEMOR III

Se alguma coisa temo, é então a vida,

que já me trouxe dor e desenganos...

Que outros males me trarão os novos anos

de mistura com o bem que ainda me incida?

Temo a doença que o tempo mau convida,

a decadência de todos nós, humanos,

a senectude com seus pejos insanos

e a perda da memória de minha lida.

Temo esquecer os teus olhos castanhos

e a nuance singular dessa tua pele;

temo olvidar os momentos de minha sorte.

Mas não partilho de temores mais tacanhos

desse final que meu destino sele;

e, sem buscá-la, abraçarei minha morte.

The sonnet below alludes to Elizabeth Barrett Browning and her lifelong husband Robert Browning, joined by a common interest in art and poetry. She was many years his elder and died twenty years before him, but Robert stayed faithful to her to his own death.

WITH THIS RING I THEE WED (8/7/2006)

They had gorgeous years together, these two;

Despite age differences, it was poetry

That got them together, the revelry

Within words, that love kept anew...

He was steadfast, as much as inconstant

Was she, though never was she unfaithful:

Actually too sincere, indeed too truthful:

To her manifold moods forever consistent.

And that woman he loved, with weirdest ease,

Who wrote "Sonnets from the Portuguese",

Never in Portuguese written, but sounding

As if they had been -- to death she kept faith

And till his death remained Robert Browning

Forever faithful... to his "Elizabeth"!...

MAELIFELL I (18 OUT 12)

Em cone o Maelifell verde agiganta,

por entre o branco e cinza da geleira,

trazendo pedra e moraina em sua esteira.

É o lugar em que se encontra que me espanta

esse vulcão que entre o gelo se alevanta,

com sua presença falsamente hospitaleira

contra a lisura da paisagem sobranceira,

como esmeralda esperança nos encanta.

Há muito tempo não entra em erupção,

embora águas cálidas se encontrem

em suas proximidades, no que indicam

possibilidade futura de explosão;

e as faldas lisas em tal lomba demonstrem

essas forças reprimidas que ali ficam.

MAELIFELL II

Maelifell era da raça dos gigantes

que contra o jugo dos Aesir se rebelaram;

como castigo, os que se revoltaram

foram contidos em cárceres hiantes.

Maelifell empregou esforços incessantes,

que sua cabeça e os ombros libertaram

e seus braços em parte até se alçaram,

nessa energia de haustos delirantes.

Porém Odin, ao perceber-lhe a luta,

para que Asgard outra vez fosse atacar,

lançou a geleira em torno de seu peito,

Myrdalsjökull impedindo-lhe a disputa,

grilhão de gelo, feito ilha milenar,

ainda se alça, no ardor de seu despeito.

MAELIFELL III

Hoje é ponto concorrido de turismo,

já tem rotas demarcadas de ascensão

e por elas, em favorável estação,

galgam constantes os adeptos do alpinismo.

Não é de fato um desafio de amplo abismo,

trezentos metros de altitude aqui estão,

mas é traiçoeira a sua vegetação,

barbas limosas desafiam excursionismo.

Dizem que Maelifell possui três rostos,

visíveis ao passar da luz cambiante;

seus ombros cobre ainda o glauco manto,

e de suas bocas brota o som de mil desgostos,

seus olhos cegos de infeliz gigante

tornam em neve suas lágrimas de pranto...