PARADIGMAS ENIGMÁTICOS / SOLUÇÃO ENIGMÁTICA / NÉBULA 79
PARADIGMAS ENIGMÁTICOS I (10 mai 12)
Meus pais diziam que eu costumava reclamar,
com frase estranha, nos tempos de criança:
“Naba nabagudo!”, incompreensível manigância,
veracidade que não posso afiançar...
De repetirem, talvez possa lembrar,
mas é mais superposta esta lembrança,
só lembrança de afirmarem relembrança,
sem de fato, por mim mesmo, recordar.
Há tanta coisa que dizem que se fez,
quando perdido nas brumas dessa infância...
Verdades ou mentiras? Ou, talvez,
sejam memórias de outros recordadas,
de sua própria vivência, na inconstância
dos paradigmas tão só imaginados...
PARADIGMAS ENIGMÁTICOS II
Pois que uma coisa é certa: duas pessoas
igual não lembram qualquer acontecimento:
um diz que é branco, a outra que é cinzento,
poucas nuances, para o outro cores boas.
O mesmo fato recorda alguém com loas
e o companheiro tem oposto julgamento;
toda a memória filtra o pensamento,
toda a lembrança na memória escoas...
E para os pais há enigmática emoção,
não é o que percebem, mas que sentem
e caso lembrem disso, no depois,
será a lembrança da lembrança em sua razão,
recordam falsos fatos, mas não mentem;
e é bem difícil discernir entre esses dois.
PARADIGMAS ENIGMÁTICOS III
Como saber, portanto, se de fato
eu fiz ou disse o que de mim falaram?
Como saber se da verdade se lembraram,
quando eu de antes sequer recordo o ato?
Quando criança, um sonho mais exato
se superpõe a dias reais que dissiparam,
às monótonas lembranças que estiolaram,
emaranhado o novelo e bem compacto.
Cada rotina diuturna se repete
e quanto transcorreu no quotidiano,
na vida adulta, são memórias soterradas,
em fragmentos de perfume e de confete,
de cambulhada com outros, cada ano,
enquanto as horas se esboroam misturadas.
PARADIGMAS ENIGMÁTICOS IV
Mas a criança aceita os paradigmas
que lhe foram impostos desde fora
e após confunde, ao recordar do outrora
o que foi dito, o que fez, quantos estigmas...
Como elementos paralelos dos enigmas,
que encaixa a pouco e pouco nessa hora,
enquanto a própria lembrança vai-se embora,
entretecida nos valores dos querigmas. (*)
E no final, sabemos mais da infância
de nossos filhos que dessa que vivemos
na multidão de tais signos nos perdemos,
mais nebulosa fica com a distância,
pois, afinal, esses mortos nos contaram
o que vivemos ou de si mesmos recordaram?
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SOLUÇÃO ENIGMÁTICA I (11 mai 12)
Apenas imagino se algum dia
terei de novo o som do cinamomo;
se o funcho, o almeirão e o cardamomo
de minha lembrança novamente possuiria.
Com orégano e cominho, em almotolia,
és o fermento desse pão que como,
o sal e o azeite na paz desse abandono,
coriandro de minha chuva serodia!...
Endro e coentro, luz e nostalgia,
passa de uva, alcaparra e massapão,
uma mulher tornada em guloseima,
nos variegados sabores que lambia,
mulher palmito, de açúcar e feijão,
que já se teve, mas que provar se teima!
SOLUÇÃO ENIGMÁTICA II
Deixei de lado, assim, cravo e canela,
que Jorge Amado já gastou com Gabriela,
na especiaria de uma rima paralela,
envolta em benjoim e noz moscada.
Eu não desejo uma fêmea malagueta,
que me administre qualquer poção secreta,
cantárida, quem sabe, ou cibuleta,
no almofariz da avelã mais delicada.
Prefiro mussarela e outros queijos,
que facilmente rimam com os beijos,
amendoim, margarina e mexilhão
ou manjerona, sassafrás, nozes pecan,
óleo brotando da virgem mais garrida,
com herbes-de-provence em remexida.
SOLUÇÃO ENIGMÁTICA III
Envolvida em picadinho de pinhão,
queijo prato, gorgonzola e mesmo brie,
do camembert um sabor que já descri,
de champignon ensopado em requeijão.
Quero o sabor menos sutil do pimentão,
alho e cebola temperando uma fondue,
espaguete e camarões, talvez siri,
com erva doce, alecrim, manjericão.
Com rúcula, salsinha e chantilly,
a recender do pescoço, na ocasião,
amêndoa amarga que não seja cianureto,
no caldeirão do amor que conheci,
com carbonara, queijo cheddar e agrião,
fervidos no feitiço mais secreto.
SOLUÇÃO ENIGMÁTICA IV
Que muito mais se lança ao caldeirão,
talvez até sementes de azevém
e grãos de milho, azeitona e mel também,
mais provolone, tokiomaki e parmesão.
Mas nisso tudo, o importante é a mão:
se tentares tal mistura, há um porém,
leite de coco e trufas ainda contém,
a adicionar justamente na ocasião.
E é necessário também bicarbonato,
algumas gotas de pera e de limão,
tomilho, brócolis e bagas de azevinho,
tudo mexido no caldo do recato,
enquanto bate lentamente o coração
e na fumaça pinga gotas de carinho.
NÉBULA 79 I (12 mai 12)
A nebulosa é vermelha e alaranjada
e se retorce sobre si, sem completar-se,
num semiarco, qual se fora devorar-se
e lhe faltassem os dentes da empreitada.
Tem glóbulos brilhantes, salivada
a escorrer das parótidas a ativar-se,
como uma glândula ou pérola a mostrar-se,
talvez amígdalas da fome apressurada.
São cascatas de estrelas que assim pingam,
contra as fauces dela mesma, num relance,
em grãos de poeira de singular fulgor,
nesse nevoeiro mórbido, em que gingam
bilhões de mundos além do nosso alcance,
exceto em místico e tutelar clamor.
NEBULA 79 II
Serão as nuvens de sangue de um gigante,
iguais àquelas que geraram Afrodite,
a antiga deusa que a todo o amor incite,
quer seja tida por equânime ou intrigante.
Serão as vagas de lava triunfante,
vulcão sidéreo em que não se acredite,
a borbulhar no céu, contra o grafite,
do escuro cosmos em vasto abismo hiante.
Ou serão os raios de deidade delirante,
a se esbater contra escudo de titã...?
Por que tão longe de nós a nebulosa,
que leva a mente a repensar, vibrante,
na senescência de sua busca vã,
pelo sentido final da imensa rosa...?
NÉBULA 79 III
A gelatina se contorce pelo espaço,
no constante gotejar de novos mundos,
a perfurar os universos mais profundos,
eternamente além do nosso abraço...
Pois quanto mais alcança o humano traço,
mais longe se revelam, iracundos,
esses espasmos do cosmos, furibundos,
outras galáxias mostrando em seu regaço.
Do mesmo modo que a ciência humana,
que quanto mais se expande, mais amplia
seus horizontes e se mostra mais vazia.
Herdeiros somos da civilização romana
e embora seja a nossa tão diversa,
tanto mais junta quanto mais dispersa.
NÉBULA 79 IV
Do mesmo modo que esse falar de amor
de que tanto se disse e se pretende
conhecer os atributos que compreende
nos muitos truques envoltos no sexor,
sem de fato abrangermos seu calor,
que é sempre igual e, quanto mais se entende,
sempre diverso e matreiro no que intende,
a renovar-se qual arco-íris multicor.
E a nébula que se perde no infinito,
bem perto está de nós, pois mais pungente,
mais ampla é a dor de um coração aflito,
mais vasto o orgulho de um peito indiferente,
bem mais sonoro do desespero o grito
de cada óvulo que se perca mensalmente.