A JOVEM DA MANDALA & MAIS

A JOVEM DA MANDALA I (17 mar 12)

Em seu olhar a imaginária brotação

expede chispas de místicos poderes;

ela pretende complexos deveres,

o mundo inteiro na palma de sua mão.

E as cores da mandala sete são

que brotam de seus chakras, sete seres,

dourados ídolos, arcânicos dizeres

a defendê-la de qualquer intromissão.

Ela criou para si o próprio ninho,

com velas multicores e colares,

com flores de metal entretecidas;

e ali se encontra, ausente de carinho,

sem admitir esse pó de seus pesares

que douram sonhos mortos em olvidos.

A JOVEM DA MANDALA II

Todos precisam sentir-se diferentes,

como forma de afirmar a autoimportância,

na adolescência em especial, na instância

de se sentirem, de fato, inapetentes

ante os impulsos lançados na distância,

ansiosos por virtudes mais potentes

do que esses insuflados por parentes,

ideais lustrosos da própria ignorância;

e assim repetem igual contestação,

no matrimônio com qualquer ideologia,

contrário que pareça, em sua paixão,

àquelas que seus pais determinaram,

depois de ver ressecada a fantasia

com que os avós um dia contestaram.

A JOVEM DA MANDALA III

Mas ela busca, se não pode ser princesa,

nem um modelo ou novelesca atriz,

traçar seu mundo com risca de giz,

em que se arvora traços de nobreza

e assim de encantamento se embeleza;

ter um marido ou filhos sempre diz

ser uma coisa que de fato nunca quis...

porém os anos perpassam, com presteza,

e sua mandala vai ficando esmaecida,

não mais de bronze, nem sequer latão,

apenas plástico pintado de dourado,

dentro da mente totalmente concebida

a telepatia, sem do futuro a previsão

desses seus anos apenas acobreados.

A JOVEM DA MANDALA IV

Mas que fazer, passados os amantes,

seus gurus e feiticeiros apressados;

não mais êxtases em trânsito acabados,

psicodélicas noções mais delirantes...

Os objetos nunca move por instantes,

não cria fogo e nem portais alados

e nem consegue a seus mundos anelados

se transportar, como pensava dantes...

Porém reconhecer, será negar-se,

admitir ser tão só uma artesã,

sua fantasia antiga descartada,

sem à mandala verdadeira alçar-se,

perdida na sansara, em busca vã,

por sua própria nostalgia abandonada...

WEBLINGEN (GIBELINOS) I – 16 MAR 12

A maioria, porém, desses soldados,

eu recortava de qualquer papel,

de preferência despido de ouropel,

quatro por folha de ofício fabricados.

Traziam capacetes enfeitados

e para boa defesa do quartel,

eram todos musculosos e broquel

usavam muitos deles, bem armados.

De algum lugar eu tirei “Snarkfort”:

de “A Caça ao Snark” é o mais provável,

um poema fantástico, cujo autor

de minha memória já sofreu o corte;

chama-se Snarky a algo de improvável,

em zombaria de singular ardor.

WEBLINGEN (GIBELINOS) II

Mas o nome me atraiu: era guri

e organizei meus soldados em trintenas;

um capitão comandava três dezenas,

doze delas inicialmente constituí.

Depois vinte e então trinta construí;

eram trinta capitães, nove centenas,

alojados em papel dobrado, apenas,

seu quartel sob o colchão em que dormi.

Seus inimigos eram feitos de jornal,

chamados “jórnios” em razão de tais motivos,

enquanto a tropa era formada por “senarcas”;

e nos combates, minha tesoura era o fatal

instrumento, que em talhos incisivos,

reunia os mortos a seus patriarcas...

WEBLINGEN (GIBELINOS) III

Fui aumentando os efetivos iniciais:

seiscentos e oitenta e um em “trintena” estão;

um Hethmann comandava essa legião

de regimentos em padrões marciais.

Dois capitães, seis centúrias nos finais,

com dois tenentes para cada centurião,

ou dez decúrias, cada qual com decurião;

seiscentos praças completando seus totais.

Eram mandados para Úlnia, outro planeta,

seus habitantes humanoides, claramente,

ainda que fossem bidimensionais...

Como o eram os senarcas e a completa

horda dos jórnios em seu cunho inclemente:

calungas de papel e nada mais...

WEBLINGEN (GIBELINOS) IV

Em Nocassígia se travavam os combates,

uma província a que os jórnios invadiam

e a que os meus senarcas protegiam:

feitos de armas cantadas por seus vates.

E para que melhor suas lutas dates,

as projetei cem anos dos que viam

os meus olhos passar e assim queriam

encadear cronológicos engates...

Seus comandantes escreviam relatórios,

descrevendo suas bélicas ações,

que nunca fora realmente derrotados.

Eram piras de papel os crematórios

que consumiam as grandes multidões

dos inimigos por eles massacrados.

WEBLINGEN (GIBELINOS) V

Fiz até mesmo mapas detalhados

e no final, os relatórios se expandiam,

pois histórias mais pessoais já incluíam

alguns Hethmanns um tanto apaixonados...

E ao invés dessas relatos compassados,

que listas de mortos e feridos redigiam,

mais as condecorações e concluíam

por promoções dos heróis mais destacados,

lá se achavam as histórias do passado,

manifestando seus diversos sentimentos.

Tinha voz própria cada comandante

e quase um livro foi datilografado,

a registrar das batalhas os momentos,

durante a adolescência expectante...

WEBLINGEN (GIBELINOS) VI

Mas tudo passa e chegou esse momento

em que fui a meus filhos distribuindo

os fantasmas que estivera construindo:

a pouco e pouco, cada regimento...

Por algum tempo, eles deram seguimento,

à fantasia com que vinha me iludindo;

alguns queimaram sem pensar, sorrindo,

outros guardaram por um longo assento.

Não sei se resta algum desses soldados.

Para meu neto, meu mais velho recortava

até melhores fantoches de papel...

Diapositivos tenho ainda guardados,

registrando esse neto que brincava,

após montar para si novo quartel...

IGUARIAS II

É assim que a ceifadora nos recolhe:

como o maître d'hôtel de um restaurante

recebe os seus pedidos, obsequiante,

e vai até a cozinha, aonde escolhe

as lagostas, que seu cliente olhe,

para sacrificar no mesmo instante,

satisfazendo do freguês o arfante

desejo, que sua boca de água molhe,

pois vem à Terra e toma uma criança

de carnes tenras, ou adulto forte

[ossos de velhos adequados para sopa],

derruba um avião, para a festança,

ou afunda um vapor, no extremo norte,

e, por capricho, uma só vida poupa...

IGUARIAS III

Tudo depende, então, de uma encomenda:

não somos os senhores, somos gado,

abatido consoante o encomendado,

satisfazendo assim da noite a agenda,

que a tais gastrônomos, um a um, atenda,

segundo o seu favor, manifestado:

se um quer podre, o podre é encomendado;

se um quer fresco, é o fresco que se arrenda.

Essa é a nobre visão da humanidade,

que oscila entre deuses e diabos,

sem saber a quem deve erguer suas rezas...

Mas sem ter importância, de verdade,

para os garçons, com seus menus armados,

a recolher os pedidos dessas mesas...

IGUARIAS IV

Pelo que soube, houve até quem se chocasse

com a dimensão desta minha fantasia,

talvez porque essa atroz taumaturgia

sobre seu próprio destino se estampasse...

Não sei por que esta fantasmagoria

a segurança interna devorasse;

nada criei que assim amedrontasse,

que não se achasse em antiga liturgia...

Afinal, sem a morte, a religião

dificilmente para nós acena...

é tal certeza que a confissão atiça!...

Que eu despertasse tanta assombração...

Mas pelo amor de Deus, qual é o problema,

quando comemos esse Deus em cada missa!

IGUARIAS V

Para mim, chega a ser um privilégio

ser devorado por majestosos seres:

desse modo contribuir para os prazeres

de anjos ou demônios: sortilégio!...

Melhor assim do que viver em paraplégio,

vendo os outros a cumprir os meus deveres,

aguardando pela morte, em desprazeres,

odiando a vida, em pleno sacrilégio!...

Ou saber que terei o meu confim

em caixa de cimento, emparedado:

talvez por outros mortos visitado,

em madrugadas que não tem mais fim!...

Mil vezes não!... Prefiro então que adorem

o meu sabor os seres que o devorem!...

REMORDIMENTO

Pois me buscou de angústia avassalada

aquela jovem triste e irrefletida,

que não confiava em si, que deu guarida

às mil perquirições da alma assolada...

Eu a cobri de gentileza alada,

até lhe restaurei a sua perdida

auto-confiança, mostrei-lhe ideal guarida

em amor puro e paciência renovada.

Dei-lhe meu tempo, minha bênção e suspiro,

descurei de mim mesmo por seu bem,

mostrei-lhe um fado mais nobre e majestoso.

E esta é a razão para tanto que refiro:

passou de largo -- e constatei, também,

que perde amor quem mais foi generoso.

REGRAS DA VIDA XLVI

Tenha certeza daquilo em que acredita:

pense sozinha e tenha a mente clara

sobre seus sentimentos e opiniões,

para não ser facilmente demovida,

como até agora foi, na sua desdita,

seguindo a voz alheia, atenta para

o último conselho dos dragões,

para ser melhor aceita ou recebida;

todos queremos a um grupo pertencer,

sentir a segurança do rebanho:

mais fácil se mesclar, que ser sozinha;

mas pense por si mesma e seu saber

será reconhecido. É bem tacanho

quem só repete o que ouviu de seu vizinho.

EXCESSOS

Já falei tudo o quanto precisava

ser dito; e a meus servos alforria

há tempos concedi; não mais cabia

que se esfalfassem nessa faina cava,

por esvaziar-me a mente, nessa escrava

labuta de consulta em que vivia

ao Inconsciente Coletivo, e me fazia

o alvo tão somente da irrisão; e alçava

apenas a caneta e me escorriam

as palavras, em velozes expressões;

pois reconheço que já falei demais:

vou renovar as barreiras que impediam

que os versos me jorrassem borbotões;

fecho as eclusas e não escrevo mais.

VORAGEM IV

Quando se encontram as inquietações,

buscamos resolvê-las de imediato,

sem compreender o manifesto fato

de que implicam em emancipações

e que somente ao invocar razões

será integral, em todo o seu recato

nossa libertação de tal contato

com o concreto de tantas prisões.

Quando buscamos as satisfações

conseguimos tão somente adormecer

nossa vontade: e temporariamente,

quando, de fato, eram estimulações

que deveríamos buscar para crescer

em antigo anelo superação consciente.

VORAGEM V

E nessa busca há tantos desenganos:

de boa fé, tentamos encontrar

respostas vãs, que passam a ensinar

os que não têm nem para si respostas

e envolvem extravagâncias nesses planos

de vivo fanatismo a proclamar,

de ambições de lucro a disfarçar,

em metafísicas farsas descompostas.

E em tudo isso, nos falha a religião

e se esconde em suas fórmulas a ciência

e a filosofia se perde em labirinto,

pois tão somente nos vendem ilusão,

de modo tal que cegam a consciência

nessas mil falsidades que pressinto.

VORAGEM VI

Porque no fundo, ninguém sabe nada

do que o espírito humano é, de fato.

Tudo não passa de um sonhar beato

e a vida humana é assim desperdiçada.

Para que a emancipação seja encontrada

é preciso envolver, num só contato,

o mental e o moral e, de imediato,

o psíquico e o espiritual na mesma estrada.

Somente assim se livra da impotência

a nossa parte física; e em seriedade

se poderá inquirir a natureza,

na verdadeira e terminal ciência,

que nos transmite essa seguridade

e nos reveste da espiritual certeza.

ABORTO

O fumo dos sentidos sonambula

nas nuvens secas da seca madrugada.

A noite está deserta e perambula,

em mau destino que não conduz a nada.

Em fumaça, uma idéia sobe e ondula

na esfera úmida da úmida trovoada.

Uma idéia excluída: é mais gandula,

que apenas observa, ensimesmada,

o transcorrer brutal dessa partida.

Como peça de tabuleiro retirada,

mal sabe se é esporte ou se é xadrez.

Esta idéia perseguida e amarelada

pela fumaça amarela e ressequida,

idéia inerme, que em névoa se desfez.

NA RODA DOS CORVOS

Quem não pensa por si, é que não tem certeza

de quem é, do que vale e do que deve:

pensar por si muita gente nem se atreve;

apenas se conforma; e senta à mesa

do banquete comum dos insensatos...

Pensar por si requer muita clareza,

na auto-confiança da simples altiveza

de quem prefere escolher os próprios pratos...

Pensar por si requer ter um assunto

importante o bastante a defender

e imaginar seus próprios argumentos.

Repetir é mais fácil e permite sentar junto

na roda dos medíocres, esses corvos a comer

quem teve um dia seus próprios pensamentos.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 10/05/2012
Código do texto: T3660669
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