AVÓS DE TRINTA ANOS & MAIS
AVÓS DE TRINTA ANOS I (2 FEV 12)
Antigamente se casava cedo
E se morria até mais cedo ainda,
Aos vinte anos a existência finda
E se vivia num constante medo...
Era comum que o nenezinho ledo
Morresse inda no berço e a esposa linda
Achasse a morte pelo parto vinda,
Colhida assim para eternal degredo.
De fato, era preciso o casamento
Que permitisse engravidar depressa,
Para que a raça perdurasse em frente
E logo vinha o envelhecimento
Das privações e dor que jamais cessa
Causado nessa mãe adolescente.
Avós de trinta anos ii
Assim os filhos nasciam sem demora
E se chegassem até a adolescência,
Logo estariam, na mesma permanência,
Para casar-se já chegando a hora...
Que a natureza nunca tem paciência
E nesses tempos azuis de nosso outrora
Em que a vida tão depressa se ia embora,
Repelia ferozmente a abstinência.
E essas meninas logo engravidavam,
Tornando as mães avós de trinta anos,
Coisa que então ocorria com frequência,
Sem que nada se achasse de indecência,
Continuadoras da raça dos humanos,
Que em pura congruência sustentavam.
AVÓS DE TRINTA ANOS III
AFINAL, PARA O CAMPO A MÃO-DE-OBRA
SEMPRE FOI NECESSÁRIA NUMEROSA;
ERA A RAZÃO PARA ISSO PODEROSA,
EM FORTE IMPULSO A VIDA ASSIM LHES COBRA.
E PARA A INDÚSTRIA A GENTE NUNCA SOBRA,
EM CONDIÇÃO DE VIDA PAVOROSA:
TEM CADA VEZ MAIS FILHOS CADA ESPOSA,
ATÉ QUE AO ÚLTIMO PARTO ELA SE DOBRA.
MAS A FÁBRICA TEM FOME E ASSIM A MINA,
QUE OS OPERÁRIOS MORREM AOS MILHARES
DE TÍSICA E EXAUSTÃO, BRIGAS DE BARES...
PORÉM POR MAIS QUE A VIDA ASSIM OPRIMA,
BROTAM CRIANÇAS EM MAIS FERTILIDADE
DOS JOVENS VENTRES BUSCANDO A LIBERDADE.
AVÓS DE TRINTA ANOS IV
É BEM DIVERSA A NOSSA VISÃO MODERNA,
EM QUE OS FILHOS SÃO MAIS UMA DESPESA,
EM QUE AS MULHERES CULTIVAM A BELEZA
E A JUVENTUDE QUEREM TER ETERNA...
NOVA TENDÊNCIA DESSE MODO ALTERNA:
SÃO OS FILHOS UMA FONTE DE INCERTEZA
E AS MULHERES, CONTRA A NATUREZA,
ADIANDO VÃO A SUA FUNÇÃO SUPERNA.
JÁ NÃO SE TORNAM AVÓS AOS TRINTA ANOS,
Pois só se fazem MÃES DEPOIS DOS TRINTA,
VASTA MUDANÇA tem A ATUAL CIVILIZAÇÃO
DO QUE A DO TEMPO DE GREGOS E ROMANOS,
POR MAIS ESTRANHA QUE, AFINAL, SE SINTA
lenTA MUDANÇA NestA NOVA GERAÇÃO...
Avós de trinta anos V
DE FORMA SEMELHANTE, MEUS POEMAS
JÁ ATRAVESSARAM DIVERSAS GERAÇÕES
E JÁ MUDARAM MUITAS VEZES DE INTENÇÕES,
CONSOANTE MEUS SUCESSOS E MINHAS PENAS.
HÁ UNS NASCIDOS HÁ POUCOS DIAS APENAS
E EXISTEM OUTROS DE LONGAS BROTAÇÕES,
RANÇOSOS RESTOS DE MOFADAS ILUSÕES,
AS FLORES MORTAS DAS VISÕES TERRENAS.
VELHAS CANÇÕES DE OCULTA MELODIA,
REENCARNAÇÕES DE VENTRES APAGADOS,
ESQUIFES DE MEMÓRIAS SEPULCRAIS
QUE, QUANDO OS LEIO, NEM SEI O QUE QUERIA,
NESSAS RUMAS DE RISCOS APRESSADOS,
PERDIDOS NA LONJURA DO JAMAIS...
AVÓS DE TRINTA ANOS VI
São avós de trinta anos esses versos,
Espezinhados ventres que secaram
De tantos outros que de si geraram,
Pobres poemas em cinzor conversos.
E continuam por aí, dispersos,
Mortos em guerras que não partilharam,
Queimados em acidentes que evitaram,
Marchetados em cérebros diversos.
E contudo, ainda vivem a girar,
De mente a mente, em nova comunhão,
Enquanto eu observo o rodopio
Dos poemas netos de filhos a criar,
Em imóvel torvelinho de ilusão,
A renovar-se num perpétuo cio.
MURCHEZ VIVA (1º fev 12)
As flores que morreram no passado
Sempre deixaram fantasmas no jardim.
Elas inclinam as corolas para mim,
Estames e pistilos, no assombrado
Lençol de pétalas de aroma amortalhado,
Zumbis de hortênsias, vampiros de jasmim,
Almas folhadas, sem penas ter assim,
Cada perfume em meu olfato sepultado.
Qual a mulher que passou por mim na rua
E me lançou um odor inalienado,
Ai que saudade dos perfumes que perpassam!
E que demoram nas narinas, seda crua
E lá farfalham, em lamento continuado
Das sombras mortas que sobre mim esvoaçam.
REGRAS DA VIDA XXVI
Aprenda a rir de quanto lhe aconteça.
Veja o humor em todo o malefício:
na dor, na frustração, até no vício
que lhe consome os dias. Não esqueça
que, em pior parecendo a situação,
sempre tem laivos de caricatura...
Aprenda a bem sorrir, em plena agrura,
e a manter-se feliz na escuridão.
Rir de si mesma é um talento raro.
Rir do infortúnio é um verdadeiro dom.
Rir de sua dor é austera condição,..
Todo negror tem o seu lado claro,
Toda desgraça tem seu lado bom:
Sorrir, talvez... lhe alegre o coração.
CANTO INDECISO X
Eu vejo rostos que ao redor me buscam,
me acenam e me incitam em sorrisos,
olhos brilhantes, claros como guizos,
a perfumar o ar com que me ofuscam...
E também vejo que, tente algum dia
chegar mais perto desses doces rostos,
mutar-se-ão os sorrisos em desgostos
e aceitarão meu prélio em zombaria...
Assim eu sei que nada adiantará
que tais amores o coração perfilhe
e inclua sua conquista entre suas metas.
Que é sedução... E em pó se desfará.
E o que fazer, se o sol, por mais que brilhe,
nunca consegue tocar em seus planetas?
CANTO INDECISO XI
É a certeza de que não há concreto
retorno, caso aceite as sugestões
desses melífluos e vagos corações
que não me impele a um alvo mais dileto...
Não é que eu queira realmente amar
as donas desses olhos de fulgor...
O que desejo é amar o mesmo amor,
que possa sutilmente desfrutar...
Porque o amor do amor existe em mim
e é tal amor que me concita assim
a amar a romântica impureza
de uma meiga visão, cuja beleza,
fora de mim, é somente abstração,
mas que em mim arde concreta ao coração.
CANTO INDECISO XII
Os erros que cometes são tesouros,
que descerram para ti férreos portais
da descoberta. Mostram-te os sinais
de que fizeste mal, nos teus desdouros...
Para que nunca os voltes a fazer!...
Para que aprendas que coisas a evitar.
Para que empreendas o cicatrizar
dos fluidos dalma... E, depois, viver
de modo tal que, em dias do futuro,
sobrevivas aos que irás de cometer,
porém sem repetir os teus antigos...
Assim se ganha um memorial seguro...
E até eu queria novos erros conhecer,
que se tornassem para mim novos amigos.
CANTO INDECISO XIII
Amor eu vejo em tal bruma de ardência
que me adentra as narinas e me flui
internamente, como o orgulho rui
ao sopro frio de indiferente audiência.
Amor eu vejo em tal espuma seca
que me lava os ouvidos e murmura
conselhos cegos de amplidão escura
em tátil som que o peito meu resseca.
Amor perfeito existe dentro em mim:
mas não amor por ti; amor inteiro
pelo amor que amei tanto derradeiro.
Amor por esse amor, que quis assim
como orla de fogo dentro ao peito
na fímbria úmida de um ideal desfeito.
CANTO INDECISO XIV
Aceita sempre teus erros como amigos
que vêm para ficar, sempre a teu lado,
pois querem ser lembrados, sem enfado,
mas não desejam repetir os seus castigos.
Antes te prevenir contra os mendigos:
os novos erros, de rosto simulado,
que te batem à porta e, num agrado,
te convidam a enfrentar novos perigos.
Confia nos teus erros, experiências
que te serviram para aprendizagem
e teu caráter puderam construir.
E não te fies das falsas aparências,
que surgem em penhor de vassalagem,
mas só te querem dominar e seduzir.
CANTO INDECISO XIV-a
Amigo ou amiga, se leres um poema
por mim escrito, recorda, com certeza,
que tal poema, quer tenha ou não beleza,
pertence a ti que lês: tal é o meu lema.
E não a mim que escrevo: o significado
se encontra sempre no teu coração.
E não nestas palavras frias de emoção
que distribuí, uma a uma, lado a lado.
Assim, de nada importa o que pensei
ou que senti, enquanto os redigia
e distribuía, em versos de surpresa.
Mas aquilo que sentiste, quando eu dei
a sugestão apenas... a quem lia,
foi de ti que brotou, se traz riqueza.
REGRAS DA VIDA XXVII
Cuida bem das ações que realizas:
elas retornam sempre para ti.
Não é apenas a maldade, de per si,
que recebes de volta, se deslizas...
Mas o bem que praticas, certamente,
cedo ou mais tarde te retornará.
E cada um, enfim, receberá
amor e gratidão no seu presente...
Porém muito melhor é que se entranha
em teu caráter a mesma natureza.
Quem é gentil, terá mais gentileza,
quem age com amor, mais amor ganha.
Talvez não hoje, mas se tiver paciência
e obedecer à voz de sua consciência.
CANTO INDECISO XV
Sempre há problemas em se fazer o bem,
por mais que venha a nos causar prazer.
Nossa vida se irá a outra entretecer
e ali nos prenderemos... Mas também
é preciso pensar no que o outro sente.
"Mais bem-aventurado é dar que receber..."
Mas, nesse caso, o que irá colher
aquele que recebe o teu presente...?
Será forçado a agir com gratidão
e é até possível que a gratidão ressinta,
porque bem menos bem-aventurado
é receber do que dar... E a reação
não é agradável, por menos que a pressinta,
em seu rancor impotente do humilhado.
AVOLEZA [ruindade]
O que farei de mim, neste momento, agora?
Me insurjo contra os dotes da vida recebidos,
por serem bem diversos daqueles pretendidos
em meu querer antigo, que se foi, embora
ainda permaneça, em forma de resquício,
gemendo e murmurando. Às vezes, relembrando:
"Ainda estou aqui." Como um dente, inflamando
minha vida em turbilhão, trabalho e mais bulício.
Porque o mundo me deu, eu não me queixo, muito,
nos meses mais recentes, de bens inesperados,
mas logo a mão esquerda tirou-me o que a direita
me dera, em seu estilo de jogador fortuito,
que lança, em chamarizes, tesouros intocados
e cobra um alto preço, ao ver que a gente aceita!
CÂNTER [desfile antes da corrida]
Toda minha vida foi assim, de fato:
busquei os pirilampos pelas noites,
busquei zéfiros frescos, tive açoites,
ao gargalhar do vento caricato...
A cada vez que a luz de uma esperança,
ao longe se incendiava, eu ia empós.
Podia ser pior: cair nos nós
das próprias armadilhas da esquivança.
Mas não me estatelei pelos valados,
nem caí pelas urzes... Vi somente,
quando a luz se apagava, que eram grilos
esses meus vaga-lumes... Seus estilos
de cricrilar em troça permanente
de minhas corridas atrás de inúteis fados.
CETRARIA [adestramento de falcões]
Sei que ninguém se interessa se descrevo
o quanto sinto, quais sejam meus valores.
Cada uma busca seus próprios resplendores
e eu devo adivinhar se o quanto escrevo
relatará os alheios sentimentos...
Que esta é minha função: pôr no papel
as facetas da vida, a dor e o mel,
o bem e o mal e todos os portentos
que correm livres nos corações humanos.
Espelho a realidade, mas não minha...
Pois quanta vez revelo pensamentos
que nunca foram meus, por tantos anos,
em que dos dedos escorria o que continha
a mente alheia, soprados pelos ventos...