NEUSATTA

neusatta I (27 dez 11)

às vezes, eu penso que sempre fui cego,

que nunca enxerguei a doçura do arco-íris,

que nem percebi o fulgor dos sentires:

moedas que tive, moedas entrego.

egoísta não fui, mas fui tolo, não nego,

que um preço se paga por tudo o que tires,

se entregas a outrem os alvos que mires:

são baços espelhos a que o rosto me apego.

e hoje que vejo o final de outro ano,

que tanto me deu, porém não me deu nada,

só posso pensar em mais esta ilusão,

quão tola minha espera, na busca do ufano

janeiro vestido de toga dourada,

que os olhos me venda em prestidigitação.

neusatta II

às vezes eu penso na surdez em que fui

concentrado no gozo das próprias tristezas,

na vasta certeza de mil incertezas,

perdido na mágoa que sempre me aflui.

ouvidos não dei a esse sonho que influi

na pena gentil de minhas doces torpezas,

na magnificação das pequenas vilezas,

no dobre dos sinos que o lenço não pui.

enquanto ao redor, esses cantos estranhos,

as palavras tremidas em mil frases mudas,

não chegaram meus tímpanos sequer a vibrar

e apenas nutri meus enganos tamanhos,

virando minhas costas às vestes douradas

que talvez melhor vida pudessem me dar.

neusatta III

e outras vezes eu penso que fui pretensioso,

envolto na bruma do véu solipsista,

um falso guardião das lamúrias na pista,

no vasto prazer do sofrer mais glorioso.

igual que ninguém, neste mundo radioso,

tivesse o usufruto de parelha conquista

e de outras tristezas fosse monopolista,

a me olhar com desprezo, a seus olhos odioso.

há muito deixei para trás essas fráguas,

que mais me doeram quando adolescente,

ainda pensando ser o centro do mundo,

pois hoje revolvo nos dedos minhas mágoas

e as enrolo num plástico, no fundo da mente,

quais filhas perdidas de um sono profundo.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 06/04/2012
Código do texto: T3597023
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