ORAGES
ORAGES I – 24 dez 11
Troveja por perto e então isto me impede
de sentar-me ao teclado do computador.
Desligo minha vida, evitando o calor,
esse fero carrasco que nada concede...
A voz da tormenta licença não pede,
empurra meus passos com pleno vigor.
Dos traços de ozônio farejo o odor,
trovoada anunciando que espaço não cede.
E peço à tristeza que voe e não quede
e me sento indolente, ao ver-me afastado
da dança dos dedos que as páginas mede.
A chuva se afasta, lavando-me as horas,
escuto o fragor para além transportado
e fico sozinho, alagado em demoras...
ORAGES II
Já outra tormenta mais custa a passar,
cravada no peito, qual duro diamante,
em puro rancor e de raiva constante,
feroz a centelha, minha vida a queimar.
Troveja nos sonhos e os faz-se agachar:
são sonhos felinos, em mágoa fragrante,
são sonhos caninos, em uivo flagrante,
se escondem embaixo da cama, a chorar.
Até poderiam outra chuva enfrentar,
porém não suportam desapontamentos,
se encolhem depressa, abortos pequenos,
tão só concebidos, sem nem se mostrar,
quimeras disformes, mais pressentimentos,
insetos sem asas, chorando venenos.
ORAGES III
Levanto a cabeça, passada a trovoada
e ligo hesitante o no-break, inseguro
e logo se ativa o teclado, no ar puro,
a poeira foi presa e, no solo, molhada.
Os raios também reduziram a nada
esses vírus malignos, a jazer em monturo,
por milissegundos do receio me curo,
do meu antivírus a proteção ativada.
Porém a trovoada interior se conserva
e em nada se abrandam os velhos anseios,
a luta de sempre por sonho em trovão.
A chuva exterior se desfaz, sem reserva,
porém o clamor dos internos receios
tem fundo alicerce dentro em meu coração.