Grafismo indígena

A tua pele mais parece tela
Toda pintada em tons da natureza...
Materializa mito que desvela,
Antiga história, tanta profundeza!
 
Em delicados traços, com cautela,
Nessas pinturas, feitas com firmeza...
Uma cultura ímpar se revela!
Em seu silêncio encerra grã beleza!
 
Morena tez, trazendo ao cotidiano,
Sagradas leis do cósmico, do humano,
toda memória, enfim, dos tempos idos!
 
Em cada traço, prenhe de sentidos!
Uma epopéia! Tempos bem vividos
Em território livre, soberano!

Livro: Cantos de Resistência, pg. 24
 


Conquista da América
 
E foi assim que tudo teve início:
o sórdido presente, o gesto, o agrado,
e o espaço, pela cruz, foi consagrado,
em falsa paz, mantendo-se o suplício!
 
A faca, o espelho, a oferta do machado,
em nome da amizade, benefício,
o brinde que, ofertado, trouxe o vício...
O território logo conquistado!
 
Com sangue se lavou toda essa terra!
E proclamada foi a “Santa Guerra”,
que logo se espalhou pelos espaços...
 
Oh! América indígena! Que sorte!
O espelho se quebrou de sul a norte,
restando pelo chão seus estilhaços!

Livro: Cantos de Resistência, pg. 21

SONETO INDIANISTA I  (BAKAIRI)
 
 
Saudades tantas pulsam no meu peito
dos Bakairi com seus ritos sagrados,
seus curandeiros sábios, consagrados,
seu cheiro de urucum, amável jeito;
 
das noites de luar, céus estrelados,
ouvindo tantos mitos, com respeito,
da Via Láctea, com seu denso leito,
morada dos heróis, dos encantados.
 
Eu sinto dentro em mim saudades tantas
do grito de alegria nas gargantas,
das horas divididas, lado a lado;
 
das pescarias no Paranatinga,
do cheiro de pequi, da tabatinga
que exala de seus corpos nus, pintados.

 Livro: Cantos de Resistência, pg. 25
 
Encantos do Araguaia
 
Na merencória tarde que desmaia,
pálida e triste, com cinéreo véu,
por trás da chuva fina vão, ao léu,
gaivotas das planuras do Araguaia;
 
ao longe o triste grito da jandaia,
da arara azul, que faz grande escarcéu,
das garças que, depressa, cortam céu,
buscando  os ninhos seus, além da praia;
 
abaixo, onde o rio serpenteia,
ecoa o sacro canto Xambioá,
saudando o novo ciclo, que é de cheia.
 
Oh! Araguaia! Índios Karajá!
Oh! Aruanã no centro lá da aldeia,
beleza igual por certo que não há!

 Livro: Cantos de Resistência, pg. 27

 
Soneto Indianista (II) – Violência Colonial
 
   Aos povos extintos pela violência colonial e neocolonial


Um sentimento plúmbeo traz no peito
e marca o seu semblante macilento,
um pranto que não sabe o que é alento,
um mundo sem porvir, violento e estreito;
 
não tem mais nesta terra um só ancestre,
pois todos foram mortos por mercantes,
seu mundo nada tem do que era antes,
os coloridos tons do ser silvestre.
 
Não tem mais terra, nem parentes mais,
e já perdeu, a vida, os seus sentidos,
não tem a paz dos outros tempos idos.
 
Ó! Deus! Ó! Deuses! Almas ancestrais!
Por que seguir sofrendo mais e mais
vivendo a triste sorte dos vencidos?

 Livro: Cantos de Resistência, pg. 26

 
Lamento indígena (1)
 
Primeiro nos tomaram nosso chão,
depois de tantas lutas, de sevícias,
de sangue derramado por milícias
nos pantanais, cerrados e sertão;

estavam construindo uma Nação
erguida sobre esteios das sordícias,
com falsos brindes, álcool e malícias,
e tudo se repete, desde então.

Tiraram todo o ouro das jazidas,
e agora querem tudo, nossos rios,
que sempre foram livres, corredios!

Querem agora o pouco que nos resta,
como se vê e a própria história atesta,
não basta o que tiraram: terras, vidas.


 Livro: Cantos de Resistência, pg. 29
 



Lamento indígena (2)
 
E foram tantas mortes, vis chacinas,
em nome do Progresso, Cruz e Espada,
a América invadida e ensanguentada,
por mãos tão torpes, duras, assassinas;

e violentadas mães, avós, meninas,
depois de muita guerra e luta armada,
de muitos povos nem restou mais nada,
e tudo terminou em mãos sovinas.

A oferta da bebida - grande arma –
vírus, facões, espelhos, sedução,
o fim de tantos sonhos, tantos povos.

E os novos invasores, quem desarma?
Quem vai conter agora a dura mão
e dar à história rumos outros? Novos!

 Livro: Cantos de Resistência, pg. 30
Edir Pina de Barros (Flor do Cerrado)
Enviado por Edir Pina de Barros (Flor do Cerrado) em 31/10/2011
Reeditado em 27/05/2014
Código do texto: T3307961
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