TERMO IV
TERMO IV
Talvez os deuses me falhem esta noite
e minhas palavras de prata não escorram,
talvez sulcos de amor não me percorram,
lavados de calor no mesmo açoite.
Talvez os deuses rejeitem meu afoite
e deem-me sonhos frios que logo morram,
sem motivo para os versos que me forram
a mente e o coração, em brando acoite.
Cortaram-me, quem sabe, a inspiração.
Na falta de metade, a noite fria,
não favorece a busca da canção.
Apenas lembra a luz que reluzia,
no fundo de teus olhos, quando a via
fui percorrendo, até alcançar-te o coração.
TERMO V
Ou então amor só nasce lentamente,
escorre pelos olhos e nas faces,
penetra no teu corpo quando abraces,
até tomar-te o peito, onipresente.
Esse amor lento é muito mais potente,
invade pelos dedos, nos enlaces,
a pouco e pouco sentes que renasces,
até reconhecer, bem de repente,
que a amiga, a quem amavas com carinho,
tornou-se muito mais para tua mente
do que as demais amigas ao redor.
E amor se crava fundo, como espinho,
a um ponto tal, que ficas impotente
para arrancar de ti seu puro ardor.
TERMO VI
Se achas que este verso a ti dirijo,
pensando em ti, então é verdadeiro.
O verso é de quem lê, alvo certeiro,
invadindo o mais fundo esconderijo.
Mas se com tais palavras, eu te aflijo,
e pensas diferente: que é matreiro
este verso, que te fere derradeiro,
que sobre ti minhas mágoas eu alijo,
talvez seja verdade, inteiramente.
É aquilo que sentes, no momento,
que empresta alma e vida ao meu poema.
Pois não é meu: pertence totalmente
àquela que me lê com sentimento
e ao som de um verso triste talvez gema.
CLEPTOCRACIA I
(O governo dos ladrões)
A cada vez que te olhares ao espelho,
metade dessa luz é refletida
e assim vez a tua imagem conhecida,
ao contemplares a figura nesse velho
artifício que a vaidade, há tantos anos,
inspirou inventar... Porém, metade
da luz que vem de ti, na realidade,
é absorvida pelo vidro, sem que danos
aparentes te cause. Mas só vês parte de ti,
a outra parte nos meandros se dispersa
porque o espelho te corta pelo meio.
Então, evita de olhares no seu seio.
Eu já olhei demais e assim perdi
essa metade que em vidro foi conversa!
CLEPTOCRACIA II
A cada vez que lançares o teu voto,
por uma urna eletrônica engolido,
o teu desejo também será perdido:
mais um imposto no teu bolso roto!
Antigamente, eram votos de papel
e apenas escrevias ou marcavas.
Antes ainda, as cédulas lançavas
e a cartolina servia de quartel...
Hoje não basta que os políticos afetem
a falsa honestidade em suas ações,
para espoliar-te de forma bem selvagem...
Mas essas novas urnas te refletem:
tens de tocá-las, para acionar botões,
e elas roubam uma parte de tua imagem!
CLEPTOCRACIA III
Espera-se que eu fale, num soneto,
sobre o Dia das Mães, já consagrado
por tantas gerações, desde o passado,
na gratidão forçada em dom secreto.
Que seja a carne enfiada num espeto,
para fazer churrasco para as mães,
segundo dizem prepotentes capitães,
cujo curso devemos seguir reto.
Mas ao darmos presentes, uns bem caros,
a maioria modestos, nessa hora,
para cumprir o ritual assim cobrado,
não é o amor que inspira preitos raros,
nem são as mães que neles se honra agora,
mas sim o lucro e a glória do mercado.
CLEPTOCRACIA IV
A vida traz lampejos de ocasionais lembranças,
nos momentos fugazes, em que a mente desconecta
por um instante apenas e logo se intercepta
o manto cortical, deletando as esperanças.
São borrifos apenas, trazidos do passado,
que pingam num segundo, sem razão, sem nada,
e, num piscar de olhos, tal memória é ejetada,
por mais que deveria ser vista com cuidado.
Porque essas, afinal, são memórias uterinas,
trazidas desse meigo, profundo e escuro asilo,
ou que assim devia ser, se bem que falhe, às vezes.
Que nem todas as mães são perfeitas ou divinas:
há mães de toda espécie e de diverso estilo,
ainda que suportem seu fardo em nove meses.
CLEPTOCRACIA V
Esse problema da imortalidade
é que não vem somente para nós.
Se acreditamos nela... coisa atroz!
também existe, em plena validade
para nossos inimigos! Na verdade,
preferimos o seu mal, que um algoz
hoje os castigue, os ponha sob as mós
e os esfacele com perenidade!...
Queremos ser eternos, mas não eles...
Que então recebam o maior castigo:
se vão sobreviver, que seja eterno...
Que a recompensa seja o nosso abrigo
e a punição se manifeste neles,
pois foi por eles que criamos o inferno!...
TELA DE TOQUE I (Dezembro 2006)
De fato, não importa em que lugar
você se encontre agora, mas aonde,
pelo seu próprio esforço, possa achar
esse sucesso que o futuro esconde.
Mas para isso, é preciso conhecer
aonde quer chegar, a qual destino,
qual resultado almeja receber,
ao toque límpido da mística do sino
que o convoque para o rumo certo.
Se nem souber aonde quer chegar,
qualquer lugar lhe serve -- e é qualquer
esse fadário que lhe será aberto,
não a meta que poderia conquistar,
mas somente o que o fado lhe trouxer.
TELA DE TOQUE II
Pessoas mudam, com frequência inesperada:
não são mais o que eram, com certeza.
Aquilo que atraiu, riso ou beleza,
desaparece em canção inacabada.
Mas quando vemos desse modo transformada
tal pessoa que se senta à nossa mesa,
não há motivo para que a incerteza
nos afaste de quem já foi amada.
Porque qualquer pessoa se transforma,
mas nem por isso se torna um novo ser:
muitas vezes, nem sequer é responsável.
Mesmo quando a distância é que conforma
o esfriamento de um amor, o seu poder
ainda perdura de forma imponderável.
TELA DE TOQUE III
Quem não controla as próprias decisões
será por elas sempre controlado:
são essas luzes que brilham do teu lado
e que te atraem para ondulações...
Assim orbitas ao redor dos corações
que te chamam a si, escravizado
por tal fulgor, que sempre fascinado
te mantém, por suas novas seduções.
E orbitas outra vez, até sabendo:
no momento em que abraço conseguires,
te queimarás em lábios que enlouquecem.
Fui inseto cauteloso, não morrendo,
apenas circulando os reluzires,
estranhas luzes, que no frio me aquecem.