IGNÍFUGO & MAIS

IGNÍFUGO

não cheguei a assinar um compromisso,

quando nasci, de que nunca Mudaria...

bem ao contrário, reservo-me a folia

de seguir meus impulsos e, por Isso,

estou disposto a trocar, dia após dia,

os meus antigos hábitos, no Omisso

apagar de meus sonhos, desserviço

que a mim mesmo hoje presto, em Nostalgia.

de um passado irreal e de um futuro

que sei como será, em minha Loucura...

por menor que me seja essa amargura

sempre é amargura minha e bem me Sinto

para enfrentar as mudanças, tão seguro

quanto as certezas que nestes versos Minto.

NA ZICA DA FUBICA

no níveo perquirir desta saudade

das coisas que não fiz, desta certeza

das coisas que farei, nessa pobreza

de meu presente composto de ansiedade,

eu vejo a meu redor tanta fraqueza...

como as pessoas se levam, na impiedade

de seguir os modismos, na maldade

de denegar a si mesmas tal beleza

com que nasceram, sem que possam aceitar

o próprio rosto e corpo como vieram

das fraldas e do berço, sem negar

por piercings e tatoos, mutilações selvagens,

os valores do grupo em que nasceram

e que trazem nas almas quais tatuagens.

GERADOR

A saga intestinal de meus sonetos

é um processar corpóreo, metabólico,

pois nela exponho os órgãos mais secretos

e me esvaio em devaneio catabólico.

É qual se processasse, em anabólico

assimilar, os impulsos indiscretos

que me provêm do mundo, no simbólico

digerir químico de tantos objetos.

E que, afinal, transformasse meus dejetos

em verbal diarréia, em mil palavras...

Mas as olho de novo. E são completos

seres viventes, por sua própria conta.

E só assim percebo que estas lavras

são gestação que a humanidade afronta.

TEOGONIA

Pois, afinal, existe lenda antiga:

que o mundo inteiro é intensa diarréia

da tartaruga cósmica, na epopéia

que se gestava total em sua barriga...

Se o mundo assim foi criado na oriental

defecação quelônia dessa intriga,

que nos resta pensar de tanta briga,

com que os humanos se causam tanto mal?

Pois somos vermes somente, nesse fluxo,

vermes que sonham, em sonhos impotentes,

e se têm por reais, por seu influxo,

que vive em mero instante, em sua bravura,

vermes filhos de vermes, essas gentes

que dos seus charcos sonham com ternura...

IMPERTÉRRITO

Eu coaxo como sapos na lagoa,

num chilrear estridente de pardais.

Penso cantar e vejo que, não mais,

nem mais paixão sem nexo me magoa.

Albergado em caliça, eu me destôo;

roído de ferrugem, me desfaço;

decepados meus membros, ainda abraço;

depenada minha asa, inda revôo.

Por tudo que me façam, eu insisto;

por mais percalços veja, ainda luto;

e a cada contratempo, mais resisto.

Talvez nem cante bem, porém eu tento:

e não desisto, persisto, no impoluto

marchar constante em meu avanço lento.

SUBESTRUTURA

Podes achar teus problemas importantes.

Para ti, talvez sejam, mas não mais.

O centro do universo, esses fanais

que fulguram nos destinos inquietantes

não és tu quem ocupa, salvo o teu.

Cada um vê em si um microcosmo:

ama o que amou e teme o que temeu,

enquanto segue em frente o macrocosmo

[do qual fazes parte, descontente,

talvez] --- mas melhor buscar guarida

em teus próprios sentimentos que vacilam.

Em tudo o mais o mundo é indiferente...

Podes até ter perdido a própria vida

que, mesmo assim, os pássaros pipilam...

SUBESTRUTURA II

não é de minha índole ser Egoísta:

muito ao contrário, os meses Passam

e permaneço capaz de abrir a Vista

e empatizar com quantos nem me Abraçam.

mas que percebo de mim Precisarem.

e então, talvez por tolo, Ajudarei

no que está a meu alcance, se Falarem,

ou que mesmo, só de ver, Descobrirei.

eu não sou bom: minha própria Natureza

me induz e força; faz parte do Caráter

aos outros distribuir, sem mais, Assim,

para que tenham, com alguma Singeleza

um alívio em suas vidas: sempre fui Pater-

nal; por isso faço o que ninguém já fez por Mim.

REGRAS DA VIDA XXVII

A cada ação ou decisão que tomes

provocas conseqüências imediatas

sobre os que te rodeiam: o que comes

ou vestes, teu trabalho, tuas sensatas

ou más resoluções, pois quanto fazes,

seja de bem ou mal, sempre retorna

e cai em teu regaço, em firmes bases,

a que teu próprio caráter se conforma.

Tu és o quanto fazes ou que falas:

as linhas de teu rosto são a marca

dos teus sorrisos ou de tuas caretas.

E se queres dormir bem, lembra que calas

esses impulsos que tua vida abarca,

mas são da mente as intenções secretas.

CANTO INDECISO XVIII

Eu vejo o filme por trás de meus olhos

e mal saio de mim. Há muito tempo

desisti de provocar o contratempo

e apenas fico a lustrar os meus antolhos,

para o mundo enfrentar a meu redor.

Ditoso ou triste, tudo é apenas cor

que o coração lhe empresta. Multicor,

essa gama de nuances sei de cór.

Já não existe muito que surpreenda:

só quero ver se é bem interpretado,

sem que me importem efeitos especiais.

A vida segue, enfim, a mesma senda

que ancestrais palmilharam no passado

e os barcos todos aportam a um só cais.

CANTO INDECISO XIX

mais cedo ou mais tarde ocorreria

[porque não posso fugir a tal modelo]

que procurasse a luz de meu desvelo

e descobrisse que, plena, me fugia.

porque escrever-lhe tanto quereria

[por descrever-lhe a falta que inda sinto]

mas olho para mim, triste, e pressinto

que por ela não mais sinto o que sentia.

a dor maior que sinto é que não vejo

[olhando para a alma, em tons dispersos]

nada mais que o vazio de meu desejo.

queria lhe escrever: "sinto saudade"

[mas só percebo, em minha insanidade]

que foi apenas o pretexto de meus versos.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 20/07/2011
Código do texto: T3108072
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