CISMAR & MAIS
CISMAS
O povo pensa, quando cai a noite,
que o crime, o roubo, então se propicia:
é hora de adultério... Mas do dia
não se acredita que a pura luz acoite
qualquer mal ou segredo. Ao som da aurora,
do cheiro ao meio-dia, ao pó da tarde,
quando a visão mais aguçada arde,
só pode haver trabalho. E então, se chora
pelo banho ao crepúsculo... O perfume,
a espera pela amante, uma visita,
que quando chega, o coração palpita,
aquecido nas flamas desse lume,
que salta de outro amor ao coração
e todo o mal transmuta em ilusão...
IMPOLUTA
Ela me amou e, então, se prostituiu:
por não pensar ser digna, fugiu;
buscou novos conselhos, reluziu,
na música e na arte, triunfante...
Não foi seu corpo que me seduziu:
nem foi seu beijo, que a tantos repartiu;
e nem sequer foi ouro que pediu.
porém buscou, na vida delirante,
ser mais que fora, quando me encontrou,
para voltar a mim cheia de glória;
e assim, perdeu-me, pois outra surgiu,
confiante em si; e, em seu poder, julgou
dar-me o prazer que me negara a história:
e no seu ventre o sonho ressurgiu.
REGRAS DA VIDA XXII-A
Sempre que fores encontrar alguém
que julgues importante, ou que suspeites
que te possa auxiliar ou falar bem,
veste de acordo, como se os enfeites
fossem importantes ao outro: é homenagem,
demonstração de que lhe dás valor;
não é só pelo estilo de tua imagem:
porque a ti mesma irás melhor expor...
Veste o belo que tens para quem amas,
não para a festa, aos olhos invejosos,
mas para quem te enxerga o coração.
Não que descures de ambientes mais vaidosos,
mas não te olvides que amor é quem mais chamas
e que o trajar compõe-te a sedução...
REGRAS DA VIDA XXIII
Não importa no que creias: crê somente.
Estéril é tua vida, se não buscas
qualquer tipo de ideal, se não te ofuscas
na transcendência da arte, na aparente
existência de um deus... Ou na ciência,
na busca, enfim, das falsas igualdades,
no cultivo de ti, nas liberdades,
nas chamas transitórias da aparência...
E se não existir isso em que crês,
que importância terá? Pois sempre creste
e te aqueceu a umidade dessa crença...
A fé só vale aos sonhos que não vês,
que te servem na vida... E aos quais deste
a escravidão feliz da bem-querença...
ALVÉOLOS
Agora, ela está perto... Mas por tanto
esteve longe, sem me olhar, de amarga,
que me sinto inseguro, no entretanto...
Quem amanhã reencontrarei, na larga
galeria de mulheres que me vêem,
pelos seus olhos largos de gazela,
que tanta imagem minha em si contêm,
de tantos anos em que vivi com ela...?
E, assim, fico irrequieto... Hoje me ama,
me abraça e me contempla com ternura,
mas, e amanhã? Que mágoa ou que rancor
trepidará em seu peito, com que gama
de olhares maus retribuirá a doçura
com que sempre lhe mostrei o meu amor?
MAGISTRA IN ENGLISH
Your mouth into my mouth spilling,
Your saliva on my chest, while you lift up
Your womb upon mine to fill your lovecup
With me, in immaculate lust invading...
Your flesh feels for me already prepared.
It is you to possess me, almost to teach me:
To read from sex the first letters I agree
While you ride me over, all exalted
In your female power, to set aflame the male
And to bind and keep him until exhausting
To the last drops his uttermost desire...
And nevertheless you fetter me till I exhale,
In chains most sweet and deep then sprouting
My soul into a phosphorescent blast of fire.
EFLÚVIOS
Eu me vejo a empreender nova ousadia:
se fico inda a seu lado, se me afasto...
Se acolho o amor que a própria mente cria,
com tanto ardor. Ou se espero o nefasto
afastamento envolto em depressão.
Se volta para mim o olhar marcado
pela aflição, a angústia, na expansão
do que lhe agita o peito e tem deixado...
Assim percebo agora e vejo, incrédulo,
o quanto me parece em bênção contemplar...
Como será amanhã? Que rosto voltará
A contemplar o meu, que permaneço sédulo
à antiga devoção, que me conservará
a percorrer seu rosto, buscando adivinhar...
SIBARITAS
Nas séries perseguidas de tantos meus sonetos,
por vezes, nem sequer de leve reconheço
a vaga inspiração com que entreteço:
se veio do exterior, se emana dos afetos
idealizados, tênues, idílicos objetos,
enraizados nas mínimas demonstrações de apreço,
de um olhar cintilante, de um perfume que meço
com a ponta de meus dedos, como sinais completos
de um amor que espero, amor que desconheço
o que espera de mim, no simples movimento
dos ombros, mais descrente da ventura
que dessa inspiração com que o amor despeço,
em troca da endorfina, que abraço, no momento
em que congelo em versos o instante da ternura...
IMPACTO
Meu verso é para ti, mulher de estrelas,
transmogrifada na poeira dos faróis,
mesmerizante no fulgor de um par de sóis
que habitam em teu rosto, em que revelas
a ambição de mim. Por mais que mintas
que não me queres bem e que me abale
a oscilação de ti, jamais se cale
no peito meu a certeza de que sintas
a multidão de meus sonhos tão diversos...
E quando em ti reprovo o azedume,
não é que assim espere comover-te.
Pois versos são só isso: apenas versos...
Mas cada vez que lembro o teu perfume,
me assombra o terror simples de perder-te.
OBRIGOR
inocente
Toda mulher é indecisa, até o instante
calculista
das raízes
em que, brotado das fontes de seu peito,
dos abismos
da alma
sem o saber do cérebro, um vibrante
do sangue
se enoja
impulso de intuição se arroja, num perfeito
desaloja
do que nega
vislumbrar do que deve, por direito,
do que esconde
na entrega
executar, no momento delirante
no triunfo
não quer
em que adiar não pode, por despeito,
não procura
de agonia
ou na ameaça de perigo expectante.
de orgasmo
descuidada
Lança de si, então, toda a prudência,
deliberadamente
senhora do
sem planejar e sem sequer saber
ansiosa por
se calcula
porque se entrega assim a tal pendor.
se expõe
sempre era
Mas comigo não foi. Em continência,
jamais fora
muito mal
calculou muito bem o meu sofrer
de si segura
desperdiçar-se
até se assenhorear do meu amor...
perder de todo