A FILHA DE APOLLO I & MAIS

A FILHA DE APOLLO I

Eu vejo a luz de novo, em meu jardim,

Kallyopsis retorna, restaurada.

Sua lâmpada luzente iluminada,

trazendo a inspiração de em torno a mim.

Por semanas estive sem a Musa,

que tanto cochichou a meu ouvido:

frases de amor perfeito e não sentido,

apenas redigido, nesta escusa

ação maligna de todos os poetas,

que sussurram de amor, com voz de estetas,

momentos triunfais que mal existem...

Que murmuram, enfim, tanta emoção,

que olhando em volta, nem sequer assistem,

mas só rebrota em seu próprio coração...

A FILHA DE APOLLO II

A luz que se acendeu no meu jardim

faz aflorar de novo o turbilhão

que me compele verso a verso; enfim,

que me desmancha ao som da exaltação.

Mas eu olho de esguelha, sem assombro,

e percebo, interdito, em meu lamento,

que essa Musa cruel que, num escombro,

vazou-me a alma em vão pressentimento;

Que me inspirou a sedução alada,

que me sondou tão fundo o coração,

que promulgou a palavra alcandorada,

que despertou em mim tal sentimento,

que fez jorrar-me o sangue, em emoção,

nada mais é que uma estátua de cimento.

assafétida é um remédio que era usado tradicionalmente como vermífugo, desde o tempo dos gregos e romanos. estou descrevendo esse meu impulso poético como se meu corpo estivesse cheio de criaturas ansiosas por sair e se reproduzir. horrível, não é? mas eu já disse que não escolho o que sai, os sonetos chegam prontos. este é provável que me tenha cochichado o augusto dos anjos...

EM BUSCA DA ASSAFÉTIDA

Estou cheio de vermes, que percorrem

veia após veia, num turbilhão de fogo;

tênias brotadas da sombra de teu beijo,

solitárias do olhar em que me afogo.

São giárdias que me deste e que recorrem

meus nervos todos, em magro escorrimento,

que o corpo me assoberbam de desejo

e me fazem ressentir do envolvimento...

Que só comigo eu tenho: meus oxiúros

são versos que transbordam pela boca,

não são proglótides, a seguir os puros,

certos caminhos dos vermes biológicos.

São fascíolas que me cantam, em voz rouca:

ascárides e anelídeos neurológicos...

HENOTEÍSMO

Oh, vós, deuses antigos, de adoradores mortos,

Vinde dormir comigo, trazei-me a alma do sol,

Trazei-me a alma da lua, o som de mil abortos,

No sangue das estrelas, na urina do arrebol...

Oh, vós, deuses antigos, vós, deuses esquecidos,

Que nem sequer por nome permaneceis lembrados,

Vinde abençoar minha carne em vigores revividos,

Para que eu possa, então, cantar-vos, restaurados,

Os louvores de antanho, preciosas melopéias:

As cantilenas roucas dos calvos sacerdotes,

Os vimanas dos deuses, em naves estelares...

Dai-me o vigor da pena, em novas epopéias,

Para que o viço de meu corpo ressumbre nos rebotes

Da santa apostasia contida em meus cantares!...

henoteísmo é a crença de que existe um único deus universal, mas que delega poderes a entidades menores, que o servem e dele fazem parte. com relação aos homens, são também "deuses".

A CEIFA MÁGICA

Há algo de sagrado, quando o sangue escorre,

como oferta de vida, aos deuses coagulada:

de cada pingo brota uma emoção cansada,

de cada gota um beijo, que não nasce, morre.

E quando o sangue escorre por força do sexual

e eterno complemento em polar conjugação,

pouco importa o motivo, nada importa a razão:

o sangue rebrilhou no solo, um bem sensual.

Resplendor recamado de todos os sentidos,

um vigor carmesim, que exultação cantava

e a seara umedecia no rito imemorial.

Como o sangue da deusa, em seus rituais perdidos,

se mesclava ao do rei, cuja carne espalhava

e os campos abençoava em ressurgir anual.

LOUVAMINHAS

O dia já se extingue: uma semana

a mais se foi da vida, indiferente,

por mais que tenha sido eqüipolente

ao grande lodaçal, que a vida engana...

De trabalho constante e sem retorno:

um tempo mais de assalto à linfa e à vida,

apenas linhas tortas... E a perseguida

memória do futuro, como um forno

de novas ilusões... Sempre a esperança

a se afastar luzente... Mal desfeitos

todos os planos e, então, nova bonança...

Súbita e breve: um corpo hospitaleiro,

mais uma tradução, novos conceitos,

de que, por uma vez, se torne verdadeiro.

FULARDIA

Hoje só fiz de amor um verso tolo,

sem nem saber sequer a quem destino...

Eu me limito ao sonho pequenino

de quem amor esconde e quer expô-lo...

Mas não se atreve, que espera repelido

ser outra vez e aspira só o perfume

dessa figura vaga e de azedume

que se prendeu aos cílios, num sonido

austero e suave, num tinido aos olhos;

uma visão na língua... A melodia

apenas escutada pelos dedos.

Pelo toque da mente, nos segredos

cantados pelas praças.... Na embolia

de um coração fervido em santos óleos...

RETOMADA

Toda mulher é feiticeira, quer

pratique ou não a Wicca... Feiticeiro

é seu sorriso, o andar, o próprio cheiro

e quanto torne o homem da mulher

o escravo voluntário. É tudo nela

que prende o homem, sem qualquer razão.

Mesmo ao saber tão só ser ilusão

a esperança que possua de tê-la.

Mas tem em maior grau feitiçaria

quando olha com amor, sem avaliar.

Apenas pela entrega, totalmente

voltada ao sortilégio da magia,

com que consegue ao homem conquistar,

apenas em ser bela eternamente...

MELOPÉIA INCONGRUENTE

Eu quero de antemão ressuscitar meu nome

Que a mágoa desalenta, que a solidão consome

na pluma dos jograis...

Amo a fúria bendita, a maciez da fome,

Nos versos assombrados que a vastidão retome

na rusga dos caudais.

Eu quero o mundo ter, luzente, na minha trilha,

Submetido a mim, submerso na armadilha

de mil canções fatais...

Eu quero a madrugada, a alva e o lusco-fusco,

Eu quero o sortilégio, a chave fria eu busco

nas tumbas dos mortais.

Eu quero versos loucos, sem nexo, revoltos

Na densa revoada dos pássaros, envoltos

nos roucos matagais...

Eu quero a dança nua, famélica, voluptuosa,

Das mulheres lascivas, da espera dolorosa

de partos siderais.

Eu quero a vida toda, os dotes que não tive,

As almas assombradas, impulsos que contive

em nuncas perenais...

E eu quero a letra morta, vazia e sensitiva,

Dos poemas inúteis, da morte rediviva

nos últimos fanais.

Eu sempre quis, não tive; e ainda espero, agora,

No ocaso de meus dias, na escuridão da aurora,

fracassos triunfais...

Que me desfaça a sina, que me premie o fado,

Que recompense a sorte, traga o destino ao lado,

em sempres de jamais.

SEMENTAL

Com relação a mulheres, sou passivo.

Talvez ainda mais, seja bisonho...

Repartirei com elas o meu sonho,

desde que me procurem, redivivo

o antigo ritual do rei-oferta,

sacrificado aos campos, por fartura...

Sua carne e sangue feita qual textura,

a fecundar a terra semi-aberta!

Então, tu me apareces e compreendes

que a dádiva do corpo é rito consagrado

por que tal fecundar se faça permanente.

É como se lavrasses a minha alma, entendes?

É assim que me percebo, tal qual fora arroteado

E como preparado a receber semente...

CHORAMINGAS

Não te queixes de amor ou desventura:

já é grande ventura e grande amor

teres razão de queixa e mesmo dor,

pela esquivança vã, pela ternura...

que pareceu luzir no olhar da amada

que se desfaz por ti, embora minta

que um profundo amor não é o que sinta,

nem lhe conserve a alma avassalada...

É preferível mesmo o coração

saber cortado ao véu de uma ilusão;

É preferível ter quebrado a fé,

que ter sido descrente da bonança;

E é preferível ter sofrido, até,

do que nunca ter provado da esperança.

ABAIXO O PPS!...

Segundo me parece, uma outra praga

Se instala em minha vida: esses arquivos

De imagens, que a gente, mal apaga,

Já recebe de novo, redivivos...

E ficam por minutos se instalando,

Impedindo o trabalho no aparelho,

Gastando tempo e espaço ainda ocupando,

Tal como a bosta que um escaravelho

Empurra diligente para a cova,

Em que porá seus ovos, com cuidado...

E eu fico assim, sem saber o que fazer,

Porque me trancam o acesso que renova

A mensagem que eu queria do meu lado

E que esse arquivo só me impede ler!...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 06/05/2011
Código do texto: T2952796
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