A LONGA SERPENTE
A LONGA SERPENTE
A tradição se embasa na aliança:
um anel de ouro afixado ao dedo
demonstra ao mundo não ser mais segredo
a permanência de uma união, que alcança
algo mais que tão só sexualidade,
pois neste anel, que representa a vida,
no infinito do círculo contida,
se encontra em plenitude a humanidade.
Mas há algo maior que essa aliança:
é quando o ato do amor é sacramento;
quando, em teu corpo, com o meu encenes
o ato mágico, que engasta a esperança,
sendo o penhor real do casamento
o anel de carne que prendeu meu pênis.
SERENÍSSIMO
Não é uma capa de chumbo que me esmaga:
é uma chuva de cálcio, lentamente,
camada após camada, que me apaga
toda ilusão de um fado diferente...
Eu me vejo em mim mesmo acachapado:
é uma jaula sem barras e sem teto;
eu piso pelo chão, desconcertado,
numa nesga de nuvem, um objeto
do sonho de um alguém maior que eu,
que me criou e então me ensandeceu
à busca vã de barbantes de bonança.
Por reflexos de sombra, enamorei,
apenas fogo-fátuo, deslumbrado
por esse ideal absurdo da esperança...
AS JOVENS DE ROMA XXXII
VÓLSCIA
POR QUE ME PROCUROU, PREOCUPADA,
QUERENDO MAIS SABER QUE REVELAR?
POR QUE ME DIRIGIU, SÓ DE CULPADA,
A ESCUSA DE UMA AUSÊNCIA A DEMONSTRAR?
PORQUE SE AFASTA TANTO, MESMO AO LADO,
SÃO TANTAS AS MULHERES EM SUA MENTE!...
E EU NÃO CONSIGO, VIVO ATRIBULADO
COM TAL MUDANÇA A RECICLAR FREQÜENTE.
ATÉ PARECE QUE LHE DEI UM DIA
MOTIVOS PARA ÓDIO, LOGO EU
QUE JAMAIS A TRAÍ, QUE, AO CONTRÁRIO,
TANTA VEZ FUGI AO GOZO MULTIFÁRIO,
ATÉ QUE ESSA EMOÇÃO QUE ME SURGIA
MATASSE UM SONHO QUE NEM SEQUER FOI MEU...
REGRAS DA VIDA I
Como é difícil manter a discrição!...
Em especial, quando se é professor
e se quer compartilhar todo o valor
que a vida, aos poucos, nos soltou na mão.
Mas, na verdade, pouca gente quer
ouvir conselhos, quanto mais sermão.
É sempre péssima essa sensação
de que o outro sabe a solução qualquer
que nos escapou. Mesmo ao pedir conselho
o que as pessoas querem, é falar,
dizer o quanto pensam... convencer
a si mesmas que seu jeito de ser, o velho
procedimento ainda irá vencer
por mais que a vida os venha a derrotar...
DESAPARÊNCIAS
Essa tua ausência foi mais do que vazio:
Se apenas vazio fora essa tua ausência,
Me deixaria ao menos um delírio
De que pudera ver-te, em transcendência.
Mas ao te fores, levaste mil anseios,
Sonhos comuns, projetos ilusórios,
Que só viveram nestes devaneios
Fantasmagóricos... nos mil planos inglórios
Que te propus, mas que não partilhaste.
Apenas com as idéias tu brincaste,
Como se até pudesse ser assim...
Porque, afinal, foi cissiparidade,
Quando te foste, levaste uma metade
Que sempre foi a melhor parte de mim...
LÁPIDE
Vejo minha filha e o novo namorado,
ainda duas crianças, imaturas,
mais um parzinho apenas, abraçado
como outros milhares, em doçuras
que tendem a sumir, quando por anos
os desapontos vêm: tantas bobagens
nessas tolices, em ásperas vadiagens
do pensamento: enfim, os desenganos...
E eu vejo em complacência e com recato
essa paixão dos dois, lembrando o outrora,
nessas memórias que espero me contentem.
Pois meu amor morreu, este que é o fato,
e eu queria, portanto, nesta hora,
provar do amor que esses dois ainda sentem.
REAPARÊNCIAS
Sempre de mim levaste, nunca deste:
eu reparti contigo o meu talento
de expatriado, nesta terra a leste
do sol nativo de outro firmamento.
Porque não sou daqui, nem és também:
houve outro céu, outra constelação,
tantas lembranças meu coração contém
que algo mais haverá, na criação
deste mundo de sonhos que te dei:
nas fantasias em que contemplei
teu rosto meigo ao lado de um jardim...
Mas os teus sonhos, nunca me contaste:
apenas impressões, nesse contraste
que derruiu minha torre de marfim.
REGRAS DA VIDA II
A imensa maioria das pessoas
não aprende com a vida, mas repete
os mesmos erros, faz as mesmas loas
aos deuses mortos, sempre se remete
aos enganos consumados no passado.
Porém, se alguma coisa a vida ensina
é que faremos sempre algo de errado:
ingênua e tola, afinal, é a humana sina.
A questão é não tornarmos aos antigos,
embora novos erros cometamos,
sem evitar quaisquer falhas futuras...
Mas que aprendamos a aceitar as amarguras
com dignidade; e, enfim, sermos amigos
de nós mesmos, quando as faltas nos perdoamos.
REGRAS DA VIDA III
Sempre senti que me faziam mal
quantos me viram na adolescência;
mas fui eu que deixei: tive carência
e me deixei levar na colossal
aceitação de minha deficiência,
que enfim não existiu, pois, afinal,
demonstrei uma saúde sem igual,
enquanto os vejo em degenerescência.
E é tão inútil sentir ressentimentos
ou pretender mudar o que já foi...
Ainda coloco minhas vistas no futuro,
disposto a ver os acontecimentos
que me esperam à frente: a vida dói,
mas sigo em frente, num sorriso puro.
REGRAS DA VIDA IV
A palavra mágica é "aceitação"...
Não é esperar que não tenham defeitos
quantos nos rodeiam: nunca são perfeitos:
É aceitar os outros como estão.
A palavra mágica é "auto-perdão"...
Não é esperar tenhamos qualidades
melhores que as dos outros, mas verdades
que vamos aceitar, quais elas são.
É inútil remorder-se pelos fatos
dessa tua vida: fracassos e tolices,
tanta bobagem espalhada a esmo...
Tais faltas existiram: são contatos
mantidos com o passado, criancices
a ser aceitas como parte de ti mesmo.
REGRAS DA VIDA V
Há coisas importantes, necessárias
nesta vida, muitas vezes escondidas
por entre essas triviais e multifárias
lembranças mortas e ilusões perdidas.
Mais do que tudo, deves discernir
quais sejam os valores importantes,
quais as coisas enfim significantes
a que devemos a vida conduzir...
Que seja lúcida a escolha e permanente;
que se atribua assim significado
àquelas coisas reais, às construções
que desejamos conservar presentes
em nossas mentes, esse consagrado
ideal que oriente os nossos corações