O HAMSTER E O GOMO / ROWENA / ALDEIA NA NEVE

O HAMSTER E O GOMO I (25/2/11)

Nunca pensei que uma vergamota

me serviria de tema para versos.

Sem dúvida, usei motes mais espertos

do que um gomo sem casca me denota.

Não é de uso sequer fazer compota

de tangerina, embora saiba que dispersos

são os costumes e também diversos

a chamem mexerica, em igual quota...

Foi em Bérgamo, na Itália, que primeiro

a cultivaram e bergamota seria o nome

que deveria designá-la exatamente...

Mas não importa o apelido derradeiro

desta fruta macia que a gente come:

é deliciosa e tem um gosto diferente...

O HAMSTER E O GOMO II

E agora vejo, no protetor de tela,

um hamster marrom, tão pequenino,

que cabe nessa casca, pelo fino,

quase menor até que um gomo dela.

Não sei se é filhotinho, tem estrela

avermelhada no focinho e seu destino,

tão pequerrucho que desafia o tino,

é viver como perpétua sentinela.

Não fosse por humanos que o protegem,

dificilmente sobreviver podia:

até um gato comum o mataria,

sem contar mil moléstias que o aleijem,

na crueldade sem fim da natureza,

que destrói os mais fracos com presteza.

O HAMSTER E O GOMO III

Mas o que leva assim tantas pessoas

a protegerem esses seres pequeninhos?

Se sacodem os focinhos, bonitinhos,

como bebês peludos, quase entoas

uma canção de ninar, antigas loas

que cantavam as mães para os filhinhos;

no coração despertam teus carinhos

por que dessa inermidade te condoas.

Mas não são inofensivos, certamente:

seres menores, podendo, matariam

e dos insetos que acham se alimentam.

Contudo os que os protegem, facilmente

superiores e nobres se achariam,

enquanto eles no conforto se contentam.

O HAMSTER E O GOMO IV

E esse bichinho, com olhar de conta

e a boquinha vermelha, uma bolinha,

um novelo de lã, tão marronzinha,

como objeto de amor até desponta.

E nem sequer seus dejetos são afronta:

são pequeninos, minúscula coisinha...

Seu cheiro teu nariz não amesquinha,

mas te observa com confiança tonta...

Brinquedo vivo para tuas crianças,

em atitudes nem sempre muito mansas,

que mal recordam se hoje o alimentaram.

E os pais, nessa falsa caridade,

alimentam muito mais a sua vaidade

do que esse animalzinho que compraram.

ROWENA I (21 fev 11)

Há uma ponte de três arcos, muito antiga,

por sobre o rio estreito de verão.

Ela se apóia sobre triplo vão

e permite ao viandante que prossiga

até o que ser parece uma mansão

de teor setecentista, a que o auriga

pode guiar o coche à porta amiga

e receber a acolhida que lhe dão.

Há quatro ou cinco cisnes a flutuar

sobre as águas, em aparente placidez.

a disfarçar o movimento de suas patas

e mais um holofote a iluminar

a residência, em plena sencilhez,

já conservada desde longas datas...

ROWENA II

Há um parque do outro lado dessa ponte,

por lâmpadas também iluminado:

o verde brilha ao longo do gramado,

por entre árvores que não há quem conte,

pelo negror da noite. No horizonte,

o Sol brota de leve, despeitado

pela luz artificial, por que é roubado

de sua função: da claridade a fonte...

Dez gerações ou mais aqui viveram,

enfrentou guerras e revoluções,

provavelmente, o parque foi tombado

ou seus herdeiros, sem amor, venderam,

enquanto a vida sofre mutações

e quem aqui morou foi olvidado.

ROWENA III

Eu poderia também viver aqui,

mas sai bem cara a sua manutenção:

reboco velho, telhado em precisão

de constantes reparos, percebi.

O seu madeiramento ainda não vi:

foi madeira de lei na construção

dos assoalhos e tetos, mas estão

seguramente corroídos... Decidi

mudar-me tão somente num soneto...

Essa casa e sua robusta alvenaria,

como é tenaz da ponte a cantaria,

revelaram para mim algo secreto,

nas linhas que seus muros têm marcado,

assinatura das enchentes do passado!

ROWENA IV

Por que Rowena? Nem eu sei dizer

de onde brotam os nomes que utilizo.

Nesses títulos, nem percebo aonde piso,

eles se impõem assim ao meu querer...

Rowena... Há longo tempo, pude ler,

em Walter Scott, este nome que meu siso

deixou marcado... Mas nada mais eu viso

que homenagem, talvez, lhe oferecer.

Só imagino Rowena, louras tranças,

a espiar pelos vidros da mansarda,

enquanto espera, atenta, minha chegada.

Não sou Ivanhoé, são bem mais mansas

as aventuras de minha vida parda...

Mas e se ela me aguardasse, enamorada?

ALDEIA NA NEVE I (21 fev 11)

A neve branca dorme como arminho

sobre as casinhas negras dessa aldeia.

É lugar frio e o Sol pouco incendeia,

pintam de preto para ficar quentinho...

A tinta nas paredes, de mansinho,

absorve o calor, em mansa teia,

transparente e invisível, ainda que feia

possa a aparência ser do lugarzinho...

São pequenas moradias aconchegantes

sob esse manto claro e as chaminés

fumegam sempre que fogões são acendidos.

Sem passarem por estios mais sufocantes,

os jardins reverdecem a seus pés,

nos verões breves que lhes são concedidos.

ALDEIA NA NEVE II

Os camponeses que habitam nessas casas

são recobertos por luxuosos mantos.

Somente reis e as imagens de alguns santos

são protegidos por essas brancas asas.

Parecem de brinquedo, são tão rasas,

que nem parecem dar espaço a prantos,

nem que abrigar se possa em seus recantos,

enterradas no arminho dessas vazas...

De um presépio parecem ter saído,

montadas com cuidado, em algodão:

nessa foto, nem fumaça a gente vê...

Ou como enfeites colocadas sido

na cobertura de um bolo, inspiração

dessas casinhas cobertas de glacê...

ALDEIA NA NEVE III

Mas se a gente cortasse, em dez fatias,

as casinhas de coco e chocolate

e as distribuísse a quem migalhas cate,

em aniversário, depois de mil folias...?

O que produziriam, em fantasias,

as moradias, depois de seu abate?

Viria apenas recheio, em seu engate

ou ocupantes furiosos acharias?

Despejados assim, a fio de faca,

os pobres elfos ou duendes visses...

Talvez seu sangue verde até manchasse

a superfície branca; e alguma maca

os levasse, na ambulância que pedisses,

que a um hospital depressa os carregasse!

ALDEIA NA NEVE IV

É perigoso dares larga à fantasia...

Se, por acaso, fosses tu o habitante

de uma das casinhas e um gigante

te colocasse sobre o bolo que fazia?

O que dirias, então, quando a folia

chegasse assim ao ponto culminante

e após um parabéns tonitruante,

cortassem, sem pensar, tua moradia?

E quem nos diz que o mundo não pareça

aos olhos de outros seres alimento,

recoberto com camadas de glacê...?

As árvores fincadas, sem ter pressa,

acendidas como velas, até o momento,

em que fatiassem tua carne sem mercê...?

William Lagos
Enviado por William Lagos em 26/04/2011
Código do texto: T2931229
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