COMETA NEGRO
COMETA NEGRO I (17 FEV 11)
Durante muitos anos, esperei
que o Cometa de Halley retornasse.
Era criança ainda e tal repasse
da boca dos mais velhos escutei.
Quando voltar, bem velho já estarei,
feito com essa gente toda dá-se...
Que pena que a visita assim se espace!
Foi o que, nessa época, pensei...
Diziam que, em sua última passagem,
iluminava os céus durante a noite,
que era possível até ler-se jornal...
E assim, busquei ao máximo coragem,
aguardando o retorno sem afoite,
que tão longínquo parecia-me, afinal...
COMETA NEGRO II
E o tempo foi passando... Viajei,
conheci bem o hemisfério norte.
Em seguimento ao que me quis a sorte,
para casa, finalmente, retornei...
Toquei a vida, logo me casei...
Quis o destino houvesse um novo corte
e a sina me entregou um outro aporte:
tive filhos, li muito, trabalhei...
E assim chegou o ano oitenta e seis,
em que eu completei quarenta e três
e o cometa, pontualmente, retornou...
Mas em outro periélio, desta vez;
todos vós perfeitamente conheceis:
passou bem longe e nos desapontou...
COMETA NEGRO III
Claro que havia já televisão:
os satélites focaram na passagem,
nas telas contemplou-se essa amostragem,
mas o cometa não causou qualquer paixão.
Para os astrônomos, teve sensação,
com bem melhores meios de visagem:
os videoteipes tiveram boa vendagem,
para estudá-lo, não faltou ocasião.
Era visível, é certo, a olho nu,
mas não maior que qualquer outro cometa,
não alumiou a noite qual fanal...
E se viveste tal momento, tu
não recebeste revelação secreta
e, de noite, não pudeste ler jornal...
COMETA NEGRO IV
E agora vejo o cometa em pleno espaço,
o fundo colorido em violeta...
Que liberdade artística cometa
o ilustrador, ao destacar-lhe o traço...
Ele percorre das estrelas o regaço,
um monstro negro, sem missão secreta...
Traz marcas de asteróides... Como seta,
corre veloz, buscando um vão abraço...
Não se trata de um farol incandescente
e, de fato, nem sequer possui a cauda...
Talvez, ao retornar em nova data,
daqui a cinquenta anos, mais potente
seja seu brilho e possa ler-se lauda...
Mas nessa foto, lembra mais uma batata!
EM CASA DE AGEU I (15 fev 11)
A casa de Ageu é hexagonal,
de laranja pintada, como a Mogen David,
à beira do rio, bem tranquila, assim cri,
ao passar em meu bote, na tarde estival...
De fato são duas, feitas em diagonal,
contra árvores gêmeas crescidas ali,
de troncos espessos, carvalhos senti,
no formato das folhas, virente sinal...
As duas se inclinam para o leito do rio,
mas fortes raízes as prendem no chão:
não é sacrifício sustentar esta casa,
que apenas se encosta, amarela em seu brio
e o peso suporta muito mais o desvão,
apoiada em três caibros enterrados na vasa.
EM CASA DE AGEU II
A porta e as janelas têm feitio oriental,
redondas no topo e com reentrâncias,
o teto em pirâmide e, em várias instâncias,
superpõem-se essas telhas contra a neve hibernal.
A meia-altura foi feita essa casa, afinal,
os galhos se erguem acima e a protegem;
o ar e a luz ramo após ramo regem,
essa árvore cresce robusta e sem mal...
Na outra, montaram tão só plataforma,
laranja também seu gradil; mais escuro
esse piso firmado contra a casca rugosa.
Uma escada de corda seu acesso conforma:
lugar de recreio, respira-se ar puro
e a água reflete essa imagem formosa...
EM CASA DE AGEU III
Existe uma ponte entre a casa e o terraço:
quatro cabos trançados e bem resistentes;
os degraus de madeira se acham pendentes
dos cabos de baixo, abaulados no espaço.
Mas a ponte é segura e é fiel seu regaço:
é fácil passar, contemplando a corrente;
decerto examinam as cordas, frequente,
e apertam bem firme cada nó, cada laço.
A escada que leva a essa casa encantada
é sólida e forte, de firmes degraus,
de madeira de lei, bem fincada no chão.
Nessa casa vou eu, como em conto de fada,
abrigada da chuva e quaisquer dias maus,
bem capaz de me dar similar proteção.
EM CASA DE AGEU IV
Mas será que eu queria essa Casa de Ageu?
Talvez o seu dono a quisesse alugar,
enquanto ele mesmo saía a vogar,
pelos mares do mundo, igual que o judeu
que foi sentenciado e assim, se perdeu,
que há já dois mil anos não para de andar,
errante em sua sina de nunca parar...
Quem sabe algum tempo ele aqui se escondeu?
Quem sabe se foi carpinteiro e armador,
erguendo esta casa de cunho oriental,
na vã esperança de achar seu descanso...
Mas foi impelido o infeliz construtor
e a casa ficou... E me apresto, afinal,
a aceitar por uns dias seu meigo remanso...
garotinha I (17 fev 11)
sempre gostei de meninas,
por isso, quatro ganhei:
nenhuma mais eu terei,
todas seguiram suas sinas.
já se fecharam as minas
em que essas quatro encontrei;
dois rapazes eu achei
nessas grutas pequeninas,
que após a visita certa,
vão crescendo pouco a pouco,
até um dia explodir,
gerando criança esperta,
que de amor me deixa louco,
quando souber me sorrir...
garotinha II
a menina que hoje vejo,
nessa foto original,
nunca verei, afinal,
pois jamais terei ensejo
de sequer lhe dar um beijo,
pois já cresceu, é fatal,
pelo rumo natural,
virou moça e criou pejo.
mas a imagem permanece,
envolvida na doçura,
aquela boquinha pura,
valendo mais que uma prece,
da garota que adormece,
sem um traço de amargura.
garotinha III
foi apenas propaganda,
valha-me deus! de sanduíche,
existe um slogan miche
lá embaixo, à direita banda...
e a menina que desanda
de sono sobre a fatia,
um recheio parecia,
que a firma logo comanda.
é claro que foi fortuito,
adormeceu de cansaço,
ainda há leite na tigela.
com seu rostinho bonito,
foi levada num abraço,
por alguém que se desvela...
garotinha IV
mas essa imagem ficou:
a florzinha nos cabelos,
os cinco dedinhos belos,
a colher que já largou...
meu coração se tocou,
esquecido dos seus zelos,
movido pelos apelos
da menina que cansou.
só a foto recordou
esse instante corredio,
o momento pequenino,
porque ela já demudou,
correndo ao longo do fio
transitório e feminino...