LAUREL / CÍCLOPE CEGO / ADRIANO E O ARCANJO

LAUREL I (11 JAN 11)

Hoje Calíope vestiu-se para festa,

num vestido de baile, verde e rosa,

com vermelho na base, poderosa,

em sua atitude de uma antiga gesta...

O braço ergue com a lanterna, lesta:

elétrica que seja, é altanerosa

essa lâmpada azul... Como é garbosa

a estátua imóvel que neste jardim resta!...

Toda de branco, embora de cimento,

é imaculado mármore, em pureza,

mais do que musa, é Flora, em seu vestido.

Padroeira do jardim, calmo portento,

na tranquila percepção de sua beleza,

um seio à mostra, da hera desvestido...

LAUREL II

Em seu vestido de baile, rodopia

a musa antiga, sem desarraigar

as plantas todas que a vieram circundar

e, de olhos baixos, castamente espia.

Um dos braços sua cabeça cingiria:

coroa de louros, como a colocar...

Seus cabelos abundantes a roçar,

branco carinho que os ombros revestia.

E as flores tumultuam, insistentes,

a seu redor, na multidão dos cachos:

animaizinhos de sua estimação...

Tornando-se ao redor bem mais virentes,

que os outros caules, erguendo-se mais baixos

do que esta luxuriante floração!...

LAUREL III

Já morta a Sete-Léguas, contra o fundo,

uma parede branca se derrama,

com meia dúzia de vasos, triste flama,

cujo esplendor era rosado e tão jocundo!...

E Calíope, sem ter rosto rubicundo,

semi-envolvida na hera pela trama,

talvez mostre desespero nesta chama

e não laurel, quiçá cenho iracundo...

Porque agora não tem sombra que a proteja

das tempestades, no inverno e no verão,

perdeu-se toda a guirlanda incandescente.

Mas quem chegar ao canteiro e assim a veja,

toda rodeada de fértil brotação,

quase se prostra ante a guardiã onipotente!

LAUREL IV

Não parece que as demais plantas reclamem,

pela expressão de tal fotografia...

Gozam a luz que antes incidia

da Sete-Léguas nas lianas que a recamem...

Algumas me parecem bem risonhas...

Há uma flor rosa, pentapetalada,

bem aos pés de Calíope mostrada,

contra o verde das folhas mais tristonhas...

E não sei se é a água do jardim

ou o calor do Sol, em efervescência,

ou o trabalho sem cessar da clorofila,

sua fotossíntese a dirigir, assim...

Mas tudo mostra plena florescência,

nesse vestido esverdeado em que desfila...

LAUREL V

E aqui confesso que, em plena madrugada,

diante das grades de meu quarto solitário,

já escutei certo rumor atrabiliário

e aproximei-me da janela escancarada...

Ao redor do chafariz, dança animada:

cada caule rodopiando, multifário,

no séquito de Calíope, autoritário,

sem se chocarem pela magra estrada...

Ela seguia à frente, o seu compasso

marcando com a luz da lamparina,

seus passos ágeis, passos de menina...

Vi nos canteiros o negror da terra fina,

sem que as raízes lhes deixassem traço

e o coração me ansiou por seu abraço!...

LAUREL VI

Desci as escadas então, empós magia

e abri em silêncio a porta da cozinha...

Mas ao verem que um humano se avizinha,

os vegetais farfalharam de ironia...

No mesmo instante em que eu a porta abria,

cessou o compasso que a meus ouvidos vinha

e bem depressa desfez-se a inteira linha,

sem se importar se eu duvidava ou cria...

Ouvi uma breve azáfama, um empurro,

mas o jardim sob a Lua se aquietou...

As luzes acendi... Vi tudo quieto...

As flores no lugar, sem um sussurro...

E após beijar Calíope, em secreto,

sem fantasia... Meu coração gelou!...

CÍCLOPE CEGO I (12 fev 11)

É uma árvore realmente gigantesca.

E morta.

Só os deuses sabem quanto

se espalhava da antiga fronde o manto

ou se espraiava das folhas o arabesco.

Hoje só resta o espetáculo.

Dantesco,

da imensa cepa cortada em velho canto.

Foi um pinheiro, talvez, e ergueu-se tanto

quanto se alça um trono principesco.

Porque esse tronco em cor de cinza e prata.

ainda sobe talvez a trinta pés

e se abre em dez galhos qual coroa.

Todo enrugado, em sua grossa bata,

renitente como a crença dessas fés

há muito mortas, que a imaginação povoa.

CÍCLOPE CEGO II

No recôncavo da árvore, construíram

uma casa, talvez para habitação;

com maior chance, para fins de adoração

desse toróide cortado, que admiram.

Por entre os galhos que subsistiram,

ainda bem grossos da antiga brotação,

se aninha a moradia, em comunhão

íntima ainda com o vegetal que viram.

Há muito, não dá sombra a fortaleza;

não há lugar nos seus galhos para ninhos;

parece quase em prata ser fundida,

porém conserva ainda sua beleza,

como um memento terrível aos vizinhos:

árvore morta, que se apega à vida...

CÍCLOPE CEGO III

Há quantos séculos que permanece erguida,

morta, é bem certo, porém forte e robusta!

Erguendo aos céus a sua coroa augusta,

qual monumento a uma ode perseguida...

Uma escada em caracol leva à guarida

edificada no cilindro assim vetusto.

Faz recordar qualquer arcano busto

de deusa antiga, por inveja destruída...

E mesmo hoje, conserva-se encantada

essa árvore que morreu, um dia, em pé,

altiva e cativante em majestade.

Essa coroa de lenho, hoje guardada

como capela à Natureza e até

como um emblema à temporária eternidade!

CÍCLOPE CEGO IV

Há quantos anos brotou essa semente?

Quantos milênios levou para chegar

ao ponto desse imenso frondejar

e há quanto tempo se ergue, ainda imponente?

Não foi um raio, bem evidentemente,

que corcoveou dos céus para a matar,

nem terremoto a veio desarraigar:

morreu cansada do mundo indiferente.

Mas é aqui preservada, e com razão,

essa cepa prateada e impressionante,

esse tronco mais alto que dez carros,

a mostrar o vigor desse Japão,

de ininterrupta dinastia reinante,

enquanto as outras são partidos jarros.

CÍCLOPE CEGO V

A cidade construiu-se a seu redor:

certamente é uma espécie de sacrário,

muito mais santo que qualquer rico santuário,

esse gigante estriado em seu palor.

E bem sei que a reverenciam com amor

os japoneses, de olhar atrabiliário.

No Ocidente, um destino bem mais vário

teria tido há muito tempo o seu fragor.

Casas, talvez, ou móveis, ou lembranças

teriam feito com toda essa madeira

ou através dela estrada aberta para um carro,

como a sequóia que se ergue entre outras lanças

na Califórnia... Mas esta planta hospitaleira

sustenta o céu, erguendo-se do barro!

CÍCLOPE CEGO VI

E onde mais se poderia encontrar

esta árvore gigantesca e majestosa,

toda enrugada a imensa mão formosa,

que abraça a casa em manso dominar?

E poderia, quiçá, até a esmagar,

se não tivesse esgotada a poderosa

energia e robustez voluntariosa,

que a impulsionaram até aos céus se alçar...

Com japonesa sensibilidade,

cultivaram plantas verdes sobre o teto,

como se a casa ali brotasse realmente.

E os automóveis se encolhem, na verdade,

perante a mão desse deus morto em secreto,

sem nunca ser vencido totalmente!

ADRIANO E O ARCANJO I (14 FEV 11)

UM DOS MAIORES IMPERADORES ROMANOS

FOI ENTERRADO AQUI OU, MAIS EXATAMENTE,

SUAS CINZAS, COM CUIDADO REVERENTE,

FORAM GUARDADAS AQUI POR MUITOS ANOS.

OS SÉCULOS PASSARAM. E OS GERMANOS

CONQUISTARAM O IMPÉRIO, INTEIRAMENTE.

TIVERAM AS CINZAS DESTINO INDIFERENTE:

SUA URNA FOI QUEBRADA, POR ENGANOS,

ESPERANDO CONTIVESSE ALGUM TESOURO.

E ERAM SÓ CINZAS, QUE AO CHÃO JOGARAM,

NA VÃ ESPERANÇA DE QUE, EMBAIXO, HOUVESSE OURO.

DILAPIDARAM O QUANTO NÃO SAQUEARAM

E OS RESTOS DE ADRIANO, POR DESDOURO,

ESPALHARAM AS SANDÁLIAS QUE OS PISARAM.

ADRIANO E O ARCANJO II

EM BRONZE, BEM NO ALTO, UMA QUADRIGA,

CONDUZIDA POR ADRIANO, ERA OSTENTADA.

FUNDIDA HÁ MUITO FOI E DESMANCHADA:

ARMAS FORJARAM CONTRA GENTE IMIGA.

TORNOU-SE FORTALEZA A TUMBA ANTIGA:

CIRCULAR, ERA BEM FÁCIL DEFENDIDA;

BEM ELEVADA, COM CERTEZA PROTEGIDA.

OS DEFENSORES, CONTRA ASSÉDIO, FAZEM FIGA.

MAS NO SÉCULO SEXTO, VEIO A PESTE.

GREGÓRIO PRIMEIRO, QUE ERA ENTÃO O PAPA,

JUROU TER VISTO O ARCANJO SÃO MIGUEL

DO MAUSOLÉU NO TOPO, PARA LESTE

VOLTANDO A ESPADA, A ASA ENVOLTA EM CAPA,

A TOMAR POSSE PARA SI DESSE QUARTEL.

ADRIANO E O ARCANJO III

PERMEIO À MORTANDADE, PODEROSO

ERA O PAPA. E, POR VENCER A EPIDEMIA,

LOGO UMA ESTÁTUA DE MÁRMORE SE ERGUIA,

NO PINÁCULO DESSE PRÉDIO PORTENTOSO.

E O EDIFÍCIO, DILAPIDADO, MAS FORMOSO,

PASSOU A PERTENCER, DESDE ESSE DIA,

AO TESOURO DOS PAPAS. E A ROMARIA

PRESTAVA CULTO AO ARCANJO VITORIOSO.

JÁ NO SÉCULO DEZOITO, FOI BERNINI

QUE, POR ORDEM PAPAL, FEZ UM DESENHO,

QUE A VERSCHAFFELT SERVIU COMO MODELO

E NOVO ARCANJO O FORTE ENTÃO REDIME,

ESPADA ERGUIDA, FEROZ, FRANZIDO O CENHO,

ENTRONIZADO LÁ NO CUME, EM PLENO ZELO.

ADRIANO E O ARCANJO IV

E FOI PRISÃO DOS QUE SE REVOLTAVAM

CONTRA O PODER TEMPORAL DE TANTOS PAPAS,

EMPURRADOS A AZORRAGUE E MUITOS TAPAS

E, EM GRANDE NÚMERO, ALI SE FUZILAVAM.

OS ESCRITÓRIOS DE SCARPIA ALI FICAVAM:

CAVARADOSSI FOI PRESO NESSAS LAPAS,

DIZEM QUE TOSCA, ENVOLTA EM LARGAS CAPAS,

SALTOU DESSAS MURALHAS QUE A CERCAVAM.

ESTÁ ALI O CASTELO, SANTO ÂNGELO,

ERGUIDO HÁ MIL E OITOCENTOS ANOS,

EM ARENITO ESCURO, PELO IMPERADOR.

TALVEZ DEVERA CHAMAR-SE SANTO ARCÂNGELO,

PRESIDINDO, EM DEFESA DOS ROMANOS,

BRANDINDO O GLÁDIO COM FEROZ ARDOR!

William Lagos
Enviado por William Lagos em 23/04/2011
Código do texto: T2925452
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