PELES GÊMEAS & MAIS
PELES GÊMEAS
Se o homem e a mulher coabitam longos
períodos de vivência, lado a Lado,
Seus cheiros se misturam, conjugado
o sangue e o alimento: são dois Gongos.
Seus germes coabitam, as bactérias
Proliferam de um na outra, então se Cruzam;
Palavras trocam, hábitos escusam
e compartilham mais tantas Matérias...
Porém as almas não dividem cheiros,
tem outros gostos, toques e Carinhos,
As almas não se fundem, mas se esfolam:
só quando surgem amores Verdadeiros,
É como se tais almas, seus caminhos
entrecruzassem; e em alma só se Isolam.
FACETAS XV -- AMAR EM
VERSOS BRANCOS
Cruel como mulher, enfim, que ama
e sabe ser amada em plenitude,
mas que acha impossível tal amor
por mais que dele anseie e seja ansiada...
E assim, foge e retorna, mais não quer,
amando e detestando a quem deseja,
porque podia ser, quase podia --- e falha.
o moço é pobre, o rico é grosseirão,
mal feito o corpo que a alma nobre habita,
o forte é tolo, o inteligente é fraco...
e o belo rosto, de traços regulares,
esconde o celerado, hipócrita e canalha.
Como queria juntar tantos pedaços!...
à imagem do modelo que traz no coração...
FACETS XVI -- A ENAMORADA
Bondosa é essa mulher que o corpo entrega,
só por amor, sem cálculo, num beijo,
sem ter luxúria, por força do desejo
de agradar a quem ama, numa cega
desimportância pelas conseqüências,
apenas por amar, só por tornar feliz,
de lado deixando o que a vida lhe diz,
ao olhar ao redor, quanto vê de aparências...
E quão raro é o homem que sabe dar valor
a essa doação, que por sinal almejam
apenas seu prazer e orgulho satisfeitos...
E como estranho é que justamente ensejam
as melhores mulheres aos piores sujeitos
as provas mais sublimes do mais sincero amor...
FACETAS XVII -- A MÁRTIR
Bondosa é essa mulher que sacrifica
a vida pelos filhos e o marido
de seu próprio aspecto esquecido
tem sempre; e ainda justifica
que lhe sejam ingratos: são crianças,
umas pequenas, outro já crescido,
mas imaturo ainda, esse bandido
que põe no futebol suas esperanças...
E assim, se torna feia e desleixada
e nem surpresa fica ao ser traída.
ao perceber que até dedicação
causa impressão de alguém, que pisoteada,
por mais que guarde amor no coração,
pode ser diariamente pela vida.
FACETAS XVIII -- A NUTRIZ
Bondosa é essa mulher que, na cozinha,
produz com grande esforço o alimento,
às vezes simples, de outras, um portento,
mas aplicada sempre; e acarinha
àqueles a quem serve, num sorriso,
ou nem sequer sorri, apenas serve,
e percebe o seu sucesso quando ferve
água para café, olhando o prato liso
que trouxe já da mesa, bem vazio,
deixando o estômago feliz e satisfeito,
ainda que o obrigado seja eructação...
e é então que se reforça no seu brio,
e a recompensa magra é seu direito
de comer o que sobrou da refeição...
FACETAS XIX -- A SENHORA DO LAR
Bondosa é essa mulher que limpa a casa,
que lava a roupa, a louça, faz comida,
muda os lençóis e as fraldas, dá guarida
às queixas das crianças; enfim embasa
todos os quefazeres do lar, toda a rotina
da vida em domicílio, esses deveres
que repugnam ao homem: os prazeres
de quem desfruta confortável sina,
nas costas dessa esposa dedicada;
assistem jogos, bebem com os amigos,
ou lêem jornais, para ficar a par
do que ocorre no mundo, dos perigos
que não vão afetá-los, sem ligar
ao que ela faz, constante e imperturbada.
FACETAS XX -- A ASSASSINA
Bondosa é a mulher que aborta os filhos
para evitar que passem mais trabalhos
neste mundo cruel, em cujos trilhos
tanta maldade existe; novos galhos
podando à árvore da imensa humanidade;
mas a cada uma criança não nascida,
mal se pode prever nobilidade,
vileza ou esperteza, se triste ou pobre vida
teria neste mundo, que nem chegou a ver.
Fez bem? Fez mal? É de opinião sincera,
ou aborta por não ter impulso maternal?
Para cuidar de si, apenas para ter
mais jóias, mais vestidos? Ou, realmente, espera
evitar-lhe o sofrimento e a morte natural?
FACETAS XXI -- A PARIDEIRA
Bondosa é essa mulher que quer a raça
expandir em seu ventre; ter filhos, se pudesse,
uma dúzia ou mais, tal se quisesse
povoar o mundo, após uma desgraça...
porque através da história, mães tiveram
seus filhos às dezenas; com paciência,
largas famílias criaram, descendência
que até hoje perdura e assim quiseram
transmitir os seus genes e os do amante,
por julgarem-nos dignos de renovo;
e no renovo, o mesmo julgamento
acharam digno de renovar constante,
ao verem vida em cada rosto novo
que trouxeram ao mundo desatento...
FACETAS XXII -- A ESPERANÇOSA
Bondosa é essa mulher que sabe morta
toda esperança para si e trabalha
por sustentar os filhos de um canalha
e por manter acesa essa retorta
de que rebrota, em gesto lancinante,
a esperança de nova geração,
apenas o futuro em gestação.
porque o porvir, ainda que inconstante,
é o único que temos; o presente
passa depressa como a brisa leve,
o passado se foi e não se muda...
Mas o futuro depende mais da gente:
a cada escolha feita o véu desnuda
e o resultado há de chegar em breve.
FACETAS XXIII -- COMPANHEIRA LEAL
Bondosa é essa mulher que, de mãos dadas,
acompanha o seu amante pela vida,
consola suas angústias, dá guarida
a cada desconsolo e a todo o desalento.
Bondosa é essa mulher que às infundadas
suspeitas de traição, ou mesmo às certas,
não dá importância, mas de amor cobertas,
torna as feridas, em singular portento...
Porque é uma jóia rara essa mulher,
inteligente o bastante em seu perdoar,
leal o suficiente... e assim ficar...
por toda a vida, para nem sequer
por um instante pensar em revidar
a quem sua alma escolheu para habitar.
FACETAS XXIV -- A MÃE DE CRIAÇÃO
Bondosa é essa mulher, que assim adota,
em lugar desses filhos que não teve,
os filhos de outra mãe, que não manteve
o pacto umbilical e permanece ignota
até que os filhos cresçam e possam trabalhar,
quando retorna e retomar deseja...
E como a mãe-estranha o filho beija,
que a mãe-postiça criou e pôde amar,
com muito mais afeto e abnegação...
Que surgirá depois dessa explosão,
quais serão os mais verazes dos afetos?...
Os daquela protetora, cujos retos
conselhos a criança conduziram,
ou os da esquecida, que agora ressurgiram?
FACETAS XXV - A PROFISSIONAL
Bondosa é essa mulher que, anestesiada,
por força de um amor desiludido,
ou descrente de si, nesse perdido
ideal de ser algum dia revelada,
aos olhos de outro homem como bela,
permanece, assim mesmo, diligente,
cumprindo suas tarefas, consistente
à profissão de escolha, onde revela
o quanto podia ser ainda melhor,
caso tivera na vida objetivo
que não fora chegar, ao fim do dia,
ao lugar onde mora, sem amor,
e apenas se esconder, em leito esquivo,
como se morta, afinal, se pressentia...