CÍCLOPE CEGO 1-6 / FALSA HAMADRÍADE 1-6
CÍCLOPE CEGO I (12 fev 11)
É uma árvore realmente gigantesca.
E morta.
Só os deuses sabem quanto
se espalhava da antiga fronde o manto
ou se espraiava das folhas o arabesco.
Hoje só resta o espetáculo.
Dantesco,
da imensa cepa cortada em velho canto.
Foi um pinheiro, talvez, e ergueu-se tanto
quanto se alça um trono principesco.
Porque esse tronco em cor de cinza e prata.
ainda sobe talvez a trinta pés
e se abre em dez galhos qual coroa.
Todo enrugado, em sua grossa bata,
renitente como a crença dessas fés
há muito mortas, que a imaginação povoa.
CÍCLOPE CEGO II
No recôncavo da árvore, construíram
uma casa, talvez para habitação;
com maior chance, para fins de adoração
desse toróide cortado, que admiram.
Por entre os galhos que subsistiram,
ainda bem grossos da antiga brotação,
se aninha a moradia, em comunhão
íntima ainda com o vegetal que viram.
Há muito, não dá sombra a fortaleza;
não há lugar nos seus galhos para ninhos;
parece quase em prata ser fundida,
porém conserva ainda sua beleza,
como um memento terrível aos vizinhos:
árvore morta, que se apega à vida...
CÍCLOPE CEGO III
Há quantos séculos que permanece erguida,
morta, é bem certo, porém forte e robusta!
Erguendo aos céus a sua coroa augusta,
qual monumento a uma ode perseguida...
Uma escada em caracol leva à guarida
edificada no cilindro assim vetusto.
Faz recordar qualquer arcano busto
de deusa antiga, por inveja destruída...
E mesmo hoje, conserva-se encantada
essa árvore que morreu, um dia, em pé,
altiva e cativante em majestade.
Essa coroa de lenho, hoje guardada
como capela à Natureza e até
como um emblema à temporária eternidade!
CÍCLOPE CEGO IV
Há quantos anos brotou essa semente?
Quantos milênios levou para chegar
ao ponto desse imenso frondejar
e há quanto tempo se ergue, ainda imponente?
Não foi um raio, bem evidentemente,
que corcoveou dos céus para a matar,
nem terremoto a veio desarraigar:
morreu cansada do mundo indiferente.
Mas é aqui preservada, e com razão,
essa cepa prateada e impressionante,
esse tronco mais alto que dez carros,
a mostrar o vigor desse Japão,
de ininterrupta dinastia reinante,
enquanto as outras são partidos jarros.
CÍCLOPE CEGO V
A cidade construiu-se a seu redor:
certamente é uma espécie de sacrário,
muito mais santo que qualquer rico santuário,
esse gigante estriado em seu palor.
E bem sei que a reverenciam com amor
os japoneses, de olhar atrabiliário.
No Ocidente, um destino bem mais vário
teria tido há muito tempo o seu fragor.
Casas, talvez, ou móveis, ou lembranças
teriam feito com toda essa madeira
ou através dela estrada aberta para um carro,
como a sequóia que se ergue entre outras lanças
na Califórnia... Mas esta planta hospitaleira
sustenta o céu, erguendo-se do barro!
CÍCLOPE CEGO VI
E onde mais se poderia encontrar
esta árvore gigantesca e majestosa,
toda enrugada a imensa mão formosa,
que abraça a casa em manso dominar?
E poderia, quiçá, até a esmagar,
se não tivesse esgotada a poderosa
energia e robustez voluntariosa,
que a impulsionaram até aos céus se alçar...
Com japonesa sensibilidade,
cultivaram plantas verdes sobre o teto,
como se a casa ali brotasse realmente.
E os automóveis se encolhem, na verdade,
perante a mão desse deus morto em secreto,
sem nunca ser vencido totalmente!
FALSA HAMADRÍADE I (18 FEV 11)
A hamadríade é de madeira branca...
Certo formato alguém no tronco percebeu
e o descascou. E, aos poucos, concebeu
de uma mulher completa imagem franca.
A morta árvore que tal ninfa tranca
bem facilmente, sob o escopro, concedeu
o resultado a quem dela se condoeu
e para a vida essa deidade arranca.
Ficou perfeita, em todos os detalhes:
forquilha dupla lhe desenha os braços
e os seios com mamilos se projetam.
Parte da casca foi poupada nos entalhes,
para mostrar do baixo-ventre os traços
bem femininos, que claros se intersectam.
FALSA HAMADRÍADE II
Acima das forquilhas de seus braços
se estende tronco branco e então se alarga.
O rosto se esculpiu e não se embarga
a parecença por faltar-lhe traços...
Tem lábios e nariz, tem olhos baços,
a sugerir-me uma expressão amarga...
Talvez por suportar a inteira carga
e longos galhos manter em seus abraços.
A árvore secou. Ou assim parece,
pois de verde vê-se apenas sugestão
(talvez de sua nudez seja a estação...)
e assim se alça, perdida numa prece,
exposta inerme ao olhar da multidão:
seu corpo é a cruz e dela nunca desce.
FALSA HAMADRÍADE III
Quem descascou a árvore, a matou,
provavelmente. É na casca que está a vida.
A escopro e faca abriu-se tal ferida
que seu vigor nunca mais recuperou...
Foi sua perfeição que a condenou!
Pelo formato dessa ilusão querida
foi a ninfa inicialmente percebida:
morreu do amor de quem apaixonou...
Ou, quem sabe, ela mesma ressecou
e só depois os detalhes se afirmaram.
Poderia ser só lenha de fogueira...
E foi a exibição que a preservou,
nesses entalhes, que aos poucos revelaram
a deusa aprisionada na madeira...
FALSA HAMADRÍADE IV
E assim se ergue, branca, contra o azul
e, quem sabe, um longo tempo permaneça.
Quiçá está viva ainda e talvez cresça,
preservada contra o sol e o vento sul...
Talvez a ninfa goze um tempo exul
e alguém lhe traga oferendas e até peça
algumas graças e acredite nessa
estátua, com poder capaz de expul-
sar as doenças e outros malefícios.
Talvez de sua vagina uma semente
ao solo desça e se enraíze forte...
Qual reação a todos esses vícios
que os mais grosseiros mostram, certamente,
ao contemplarem seu feminino porte.