URDEFESA & MAIS
URDEFESA
é tão estranho, quando alguém me Indaga
quem foi que criou deus... Contradição
de quem reduz a deus, no Coração,
aos termos retalhados pela Adaga
da própria pequenez, pergunta Estulta,
querendo comparar os deuses Falsos,
que a mente soergueu em Cadafalsos,
na busca inglória do mais vão Indulto,
por um vago esplendor Solipsista,
a humanidade inteira uma Conquista
espelhada de orgulho em tal Jaez;
é antropocêntrica tal Cosmologia
de quem a morte ver aguarda um Dia,
e invertem a pergunta -- quem me Fez?
LÁSTIMA I - Wm. Lagos, 28 MAI 06
[sobre Eclesiastes 7:2].
Melhor é ir à casa onde se vê tristeza
do que àquela em que celebram o festim;
o luto é mais sincero e mostra, assim,
da vida humana a perenal certeza;
qual diz o Pregador, nossa incerteza
está em não saber o bem e o mal, enfim,
que nos trará o dia, embora seja o fim
conhecido de todos e venha com presteza.
pois quer o Santo Livro que nosso coração,
abandonando o riso e desposando a mágoa,
se fortaleça assim e aceite seu destino.
Mas tenho para mim que os olhos rasos d'água
de amor deviam ser, de um gozo mais divino,
que nos faça crescer também na exaltação.
LÁSTIMA II
Porque essa mágoa toda, no fim nos traz revolta:
Se algum dia eu cresci, não foi o sofrimento
Que me tornou melhor, não foi a amarga escolta
De mágoas e tristezas, em fero ajuntamento;
Porém o condoer: a pena que se sente,
Ao ver o sofrimento daqueles que enxergamos,
Sem poder consolá-los, mas por se estar presente,
Ao menos simpatia aos fracos demonstramos.
Porque, se um deus existe, é este um deus de amor,
Não se compraz na dor, nem faz sofrer também:
Quem causa o sofrimento é o próprio ser humano;
A alegria é divina e assim, nos traz vigor,
Se brota em nosso peito... e não há maior bem
Que retornar à calma um coração insano.
PRIMAZIA
NOSSO AMOR FOI TÃO CURTO E TÃO PEQUENO...
AMOR DE ADOLESCENTES, TÃO VIGIADOS...
TANTOS OLHARES AO OMBRO DEBRUÇADOS,
TANTOS SORRISOS DE SUTIL VENENO...
NOSSO AMOR FOI TÃO BREVE E FUGIDIO...
ROUBADO INSTANTE, UM FIGO TEMPORÃO,
NUM CLÍMAX FEBRIL, NOSSA ILUSÃO
REFEZ-SE EM VÉU BEM LONGO DE VAZIO...
E NOSSO AMOR, PEQUENO E CINTILANTE,
NA ALMA REBROTOU-ME, EM DOCE CANTO,
DE UM ÍNCLITO ESPLENDOR NA MADRUGADA...
NOSSO AMOR FOI CONDÃO DA MESMA FADA:
LEVE BOTÃO DE FLOR, BRILHO DE INSTANTE,
FOI TÃO PEQUENO... E A MIM ENCHEU-ME TANTO!
BORBORINHO [BURBURINHO?]
Eu não sabia, mulher, que o ardor antigo
Queimava dentro em ti, na escura flama:
Que em arcano ritual, centelha e drama
Incólume jazia em teu jazigo.
Eu te juro, mulher, que eu não sabia
Que todo o ardor sombrio de teu beijo,
Inatingível sempre ao meu desejo,
No fundo de teu peito ainda luzia.
Eu só confesso, enfim, que te esperava,
Porém sem esperança, entendes? Frio,
Cerceando sempre o ardor que me assaltava,
Por entender que o coração vazio,
De toda essa esperança que acenava,
Não se encheria jamais de teu rocio...
A CADA DIA QUE OS DEUSES NOS TIRAM
ALGUMA COISA, SEGUE-SE UM DIA
EM QUE NOS DARÃO ALGO; AQUILO QUE NÃO ENCONTRARES PELA MANHÃ, ACHA-LO-ÁS AO CAIR DA TARDE
---- RAMAYANA.
CREMAÇÃO
Pois sempre tive um pendor para a revolta!
As coisas nunca são como as queria,
Por mais que me dedique, minha praxia
É contrariada pela estranha escolta
Que acompanha meus passos, escarninha,
Que frustra os meus desejos, quando acena
Com temporária suspensão da pena
Que me amargura os sonhos, de mesquinha.
Mas à tarde encontramos o perdido
Pela manhã, que os deuses nos tomaram,
Para mofar de nós, sem compaixão;
E ao coração, por hoje malferido,
Sem dúvida, amanhã preencherão
Com cadáveres dos sonhos que mataram!
FUGITIVOS
É a mão do passado, certamente,
Desse outrora que esqueço dia a dia,
Que me toma de cilada e aleivosia
A cada vez que devaneia a mente.
Porque todos meus desgostos seculares
Eu mantenho em celas férreas de prisão,
Nos escaninhos de meu coração,
Agrilhoados em axônios tumulares.
E os ponho a trabalhar: fazem meus versos,
Fizeram minhas canções, de imaculada
Harmonia que minha mágoa não contesta.
Mas quando escapam e nalma são dispersos,
O que eu sinto é uma lenta machadada
Que inexorável me fendilha a testa.
ritornello
por onde andará ela? o que seus passos,
pisando a luz da lua,
por onde andará ela? o que seus traços,
mostrando a face nua,
farão neste momento? a quem sorrisos
seus lábios se abrirão,
nesta manhã de vento? a quem os guisos
alegres soarão...
com quem andará ela? no que fala,
nesta manhã de sono,
com quem andará ela? com que gala,
se vestirá de outono,
neste momento agora? em que pensará ela,
acaso me recorda,
neste momento agora? qual emoção singela
seu coração transborda,
voltado para mim? ou nem sequer suspiro
ela me envia ao vento,
lançado para mim? que nem respiro,
sem tê-la ao pensamento,
que rosto afaga? para quem nos braços
ela hoje se entrega,
e que memória apaga? porque tantos laços
rompeu nessa refrega,
quantos busquei reatar? nessa ilusão
de poder sua presença
a meu lado reter? e, enfim, ao coração,
mentir, só por descrença.
SONETO SEM NOME
Nós temos testemunhas complacentes.
Talvez partilhem mesmo nosso amor
Ou, num suspiro apenas, com fervor,
Desejem nos tornemos permanentes.
Em nossa bússola louca de erradia,
Não haja mais ponteiros tontiformes,
Não haja mais amores desconformes,
Mas duas vozes na mesma melodia.
Naquela meiga e morna nostalgia,
Relva nos braços, carne em plenilúnio,
Desafiando o fado de infortúnio.
Naquela mesma e simples luz de antanho,
Naquele igual fervor em que me assanho
A te possuir à luz do meio-dia!...
TELEX
Confio em ti, que de esperar bem sabes,
E tanto de confiar tens esperado
E tanto de me amar, tens sopesado
A escala de valores, onde acabes
Por me saber valendo, em peso forte,
Mais que outros pesos tantos de tua vida;
E que no coração tem-se em guarida
O beijo azul que sela a nossa sorte.
Confio em ti, que de esperar és rica,
Que de amor sejas rica e de confiança,
Por que razão exista de esperança.
Confia em mim, porque confiar se aplica
Ao meu amor, tão cheio de bonança,
Quanto a certeza em teu amor me indica.