TAPERA

TAPERA I

Alguns dizem que a tapera,

testemunha do passado,

pegou fogo descuidado,

num inverno de outra era,

em que o pampeano era fera,

de um braseiro derrubado

sobre o poncho pendurado

pra secar deixado à espera

e que a força dessa brasa

que subiu pela bombacha

pegou fogo ao santa-fé,

se espalhou por toda a casa:

e o casal apenas acha

o tempo de dar no pé!...

TAPERA II

Outros dizem que, ao contrário,

durante a revolução,

um gaudério temerário

se entrincheirou no torrão

e ficou a trocar bala

(tinha muita munição):

sua garrucha não se cala,

nem escuta o capitão,

que sendo de mala cara,

para não perder mais gente,

pra se livrar do vivente,

que de atirar nunca pára,

pôs-lhe fogo no telhado

e o taura morreu queimado!

TAPERA III

Outros dizem que é só lenda,

que aqui morava um posteiro:

foi pra longe montar venda,

só de raiva do estancieiro,

que, abandonando a prebenda,

juntou porco e galinheiro

e que antes de entrar na senda

tacou-lhe fogo de isqueiro!...

Foi embora com seus trapos,

a mulher e os três piás,

montados num burro micho.

Por entre um monte de sacos,

sua sorte não é das más:

virou dono de bolicho!...

TAPERA IV

Também contam que, por briga,

um tal de pôquer jogando,

dos faroeste imitando,

em vez da carteada antiga,

tipo escopa, mais amiga,

nas regras não se acertando,

ou talvez mesmo zombando,

dois deles fazendo liga,

adagas foram puxando

e um dos outros, mais zangado,

sacou depressa a garrucha,

bala e pólvora espalhando,

tocou fogo no telhado,

que depressa o vento puxa!...

TAPERA V

Pois então, foi simplesmente

o ranchito abandonado:

foi por último habitado

por um negro sem parente;

de favor vivia o coitado,

ninguém queria o vivente,

morreu depois de doente

e nem sequer foi velado.

Muito despois o encontraram,

o santa-fé desmanchado,

um dos lados derrubado,

uns tropeiros que passaram

e o enterraram no chão duro,

queimando em cima o monturo.

TAPERA VI

Pra mim não foi nada disso;

não tinha mais serventia,

foi quase como feitiço:

a família que sumia;

a palha perdendo o viço;

nem sequer um gato mia;

a porta caiu por isso;

o vento dentro zunia;

o teto desmoronou;

foi se espalhando o torrão,

sem maior tenacidade

e a tapera que ficou,

bem me toca o coração,

pois morreu foi de saudade!...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 10/12/2008
Código do texto: T1329088
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