ARAGANO I - VI

ARAGANO I [para Tristán Riet]

O pampa de antigamente era terra de tropeiro:

trotavam pelas estradas no meio da polvadeira,

arrepanhando reúno, aboiando a tropa inteira

e a cuia já lhes servia para a canha e o carreteiro;

ao meio-dia, entretanto, só pra erva do mateiro:

sesteavam sobre pelego ou por riba de uma esteira,

o pingo quieto do lado, no calor da mormaceira,

até chegar na invernada, no seu canto de potreiro.

Mas chegou a ferrovia e o destino desse andejo

foi depressa se encurtando: nesses pagos alambrados

só levavam as tropilhas para subir nos vagões...

porque os trilhos e o vapor levavam muito mais lejo...

o gado se cansa menos nos caminhos asfaltados

e hoje em dia a tropa inteira só anda nos caminhões!

ARAGANO II

Pela época da esquila, se aprochegava o aragano,

acostumbrado ao trabalho e era logo contratado:

respirava o pó da lã, era bem alimentado,

com a carne das ovelhas churrasqueadas nesse ano.

Ou então vinha a comparsa: trabalhava mano a mano

com os seus velhos amigos, dava o serviço encerrado

e partia pela estrada, sem ser sindicalizado,

sem ter carteira assinada, seu direito era o minuano.

Mas veio a eletricidade, toda a esquila demudou,

dissolveu-se a parceria, o aragano experiente

não era mais contratado, qualquer guri duma estância

usava a tesoura nova, depois que a luz se instalou,

sem machucar os ovinos e o andejo, de impotente,

perdeu o mate e os pilas, perdeu toda a sua sustância!

ARAGANO III

Na corrida em cancha reta, o aragano montava

e ganhava cada aposta de vinte contos de réis:

dava pra pagar três chinas, enchia bem seus farnéis

e saía pela estrada, onde outro páreo buscava...

Era saudado ao chegar, alguém logo o contratava

para montar outro pingo, tinha na mão três anéis,

de ouro, igual a seus dentes, resultado dos lauréis

que tinha em cada corrida que o aragano ganhava.

Mas o tempo foi passando e hoje o compositor,

quando prepara uma penca, que se tornou coisa rara,

porque agora existe turfe, porque agora existe prado,

não mais convida o aragano para ser seu montador;

prefere um jóquei magrinho, guri sem barba na cara:

acabou-se o aragano, nem apostam no coitado!

ARAGANO IV

No tempo antigo, o aragano era o melhor domador:

vestindo bombacha velha, o potro chucro laçava,

ele mesmo circulava e pouco a pouco cansava,

e depois montava em pêlo, um modesto vencedor.

Ou vinha na marcação, maneava de tirador,

tirava o ferro da brasa e bem rápido aplicava

e mal o bicho mugia, com mão de bosta tapava

e quando capava um touro quase nem fazia dor.

Mas hoje, doma é de circo, vestem roupa americana,

que nem caubói de cinema, são artistas de rodeio,

tem até potro mecânico em lugar do verdadeiro.

Já se foi do meu Rio Grande a velha raça aragana,

quem não morreu tem lugar só na exposição de Esteio

esse andejo de automóvel que só finje ser vaqueiro.

ARAGANO V

Deste pampa demarcado por truque de alambrador.

dividido por sem-terras, essas tropas de assentados,

recortado em municípios cada vez mais apertados,

cada vez mais diferente, cada vez mais podador,

já se foi todo aragano, já se foi o esquilador,

os antigos matadouros já foram desmantelados,

lá se foram as charqueadas, até mesmo sucateados

ficaram os frigoríficos, no afã modernizador.

Já sumiu cancha de osso, não temos mais pajador,

o pago virou cidade, o chão da estrada é asfalto,

os autos passam roncando, as preás atropelando,

nem os lanceiros do pampa, no pó entreverador,

existem de carne e osso, seus fantasmas gritam alto

nas copas dos eucaliptos que por aí vão plantando!

ARAGANO VI

Vamos falar com franqueza: era vida muito braba

aquela dos araganos ou das estâncias os peões:

mas eram gente mais dura e das tripas corações

faziam nas invernadas, enquanto os índios na taba

se encolhiam nos seus ponchos. Essa vida só se gaba

porque não se vive mais. Hoje são quentes verões,

invernos muito mais mansos, não há mais revoluções,

como nos tempos dantanho. Que fazer, tudo se acaba!

Pois hoje o povo se lembra de cultivar tradições,

pilchas formosas, as danças e mil bonitas canções

e a memória farroupilha por todo lado se vê;

Mas os gaiteiros de hoje já não cantam nos galpões:

se apresentam pelos palcos, aparecem na tevê

e os araganos de agora são patrões de Cetegê!...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 12/11/2008
Código do texto: T1279990
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.