MINHA VIDA EM UM ESPELHO

(escrevi essa crônica movido pelo calor da emoção e de estar vivendo a sete anos com duas bactérias incuráveis no cérebro)

Decidi entrar em um túnel do tempo para rever o que fiz nesses quase 52 anos de minha vida, que completarei no dia 13 de fevereiro, sem festas. Voltando ao passado...

...eu me vi correndo em companhia de João Couto da Silva e outros garotos de minha idade, empurrando carrinhos construídos com latas vazias de leite, cheios de areia, com um arame passado ao meio pela Rua São Benedito, no Morro da Liberdade, imaginando-os serem tratores em que meu padrinho dirigia no Der-Am, ou compactadores que ele nunca dirigiu, ou empurrando aros de bicicletas com um arame para dar-lhe equilíbrio; ou pneus de carros, que também usávamos com o mesmo propósito, transportando um corpo que não pesava mais do que uns vinte e poucos quilos.

Depois, me vi comprando uma caixa de isopor e diariamente, no horário da tarde, enchendo-a de picolé, gritando pelas ruas do bairro “olha o picolé”; ou batendo em um triângulo para anunciar que o “cascalheiro” estava chegando. Com o Roque Almeida Lima e outros colegas de grupo escolar Adalberto Vale, lembro que ganhei meu primeiro prêmio “importante”: uma “vitrolinha” amarela, com braços e agulha para se ouvir os compactos e LPs da época, os antigos “bolachões” como eram carinhosamente chamados esses discos pretos da época. O Eduardo Silva, outro grande amigo, estudou comigo.

Lá, no Grupo Escolar tive minhas paixões de adolescente, por colegas de sala...A Maria foi uma delas. Caminhei do Morro ao Educandos com minhas mãos coladas às dela sem dar uma única palavra. Suadas as nossas mãos começaram a apanhar por não sabermos marchar direito. E tome régua na mão, com prego na ponta!

A troca de anéis que usávamos para provar que estávamos namorando sério era uma das práticas comuns.

Professoras Rosa Eduarci, falecida e Francisca, a “Chiquinha”,Aidée outras tantas que marcaram minha adolescência e foram importantes em minha vida, onde andam?

Depois, me vi vendendo jornais pelas ruas de Manaus na saída do Cais do Porto, na porta dos Correios, na esquina da Rua Marechal Deodoro.

Tantas e tantas vezes tivera que “prestar contas” ao X-9, no “Tabuleiro da Baiana” ou ao “Buraco”, que me entregava os jornais na porta de A Crítica, do dinheiro arrecadado com as vendas!

Também me vi com o peito ralado quando pulei de um ônibus Ana Cássia e contei em casa que tinha escorregado de um carrinho de rolimã, descendo na ladeira da Avenida Adalberto Valle. Depois me vi com minha primeira namorada; ou quando escorreguei de uma moto pequena em frente ao Jardim Brasil, na Avenida Silves, que estava cheia de areia, quando quase não se via carros nas ruas.

...minhas primeiras namoradas da adolescência. Maria Luiza, foi uma delas. “Umas, amei; outras apenas certo tempo fiquei”, mas tive “amores de um tipo assanhado, de um tipo atrevidas”.

...me vi em companhia de outros colegas, em outra Escola, a Dorval Porto, ao lado de Luiz Eron, Maria Farias de Souza! As professoras Júlia da Silva Cunha e Alice Fabrício da Silva, que as deixei pelo caminho! Onde andam vocês? Estou com saudades!!

Também vi comprando minha primeira bicicleta velha, quase sem freios e pedalando quase três quilômetros só para namorar.

No túnel do tempo em que estou agora, me vi vendendo velas, acompanhada de fósforo ou flores de plásticos para enfeitar sepulturas de defuntos, na calçada da Indústria Amapole, no Morro da Liberdade, em frente à mercearia de “Seu” Panta, que tantas vezes me transportou em seu barco pelas águas barrentas do Rio Solimões, quando ainda estudava na casa de minha tia Terezinha da Costa Amaral, no “Varre Vento”, onde morei, mas não nasci.

Depois, revi as famílias COSTA, onde fui adotado e BEZERRA, que adotei, ambas para trabalhar, em momentos distintos, mas sempre tratado-me como um filho. Onde andam os irmãos adotivos, Luiz Augusto, “Nadinho”, “Cacau”, Eliane, Thelma? E Francisco Bezerra Jr., o João Bezerra, Carmem Iza? Ah, que saudades!

Cinemas? Frequentei a todos! Mas não entendo porque o dono da maioria dos cinemas em Manaus, Adriano Bernardino, não tenha sequer uma homenagem! Se tantas pessoas com menos importância já foram homenageadas!!!

Depois, quanto entrei em uma redação de jornal pela primeira vez foi como estivesse promovendo uma festa ao meu coração que bateu acelerado. Quando abandonei a redação dos jornais, no auge para decidi mudar de profissão, me recordo da “saudável briga” com a hoje colega assistente social Telma Amaral, no quinto período do novo curso. Lembro-me com saudade das colegas Tina, Ana Claudia e tantas outras. Onde andam vocês?

Continuando em meu túnel do tempo particular, recordo que em sala de aula, já como professor do curso de Serviço Social, perdi totalmente a audição e meus alunos nem notaram que eu próprio nem estava me ouvindo.

Dr. Hélio Ferreira da Silva, médico e amigo, pedindo para não operar. Mas fiquei surdo para ele também e fiz a cirurgia. Queria ouvir de novo a voz de meus amigos, de meus alunos. Isso nunca mais aconteceu porque fui infectado por duas bactérias hospitalares incuráveis!

Depois da cirurgia, vi um anjo de luz na forma do Dr. Dante Luis Garcia Rivera, que aceitou continuar o tratamento. Lembro também do diagnóstico de câncer em metástase que recebi do médico, Dr. Carlos Backer, de São Paulo.

Os médicos Antônio Almeida e Valéria Moio, em SP. Ah, que agradáveis lembranças por eu ainda estar vivo! Lembro-me de ter tido um AVC e retornado em cadeira de rodas para Manaus. De amigos verdadeiros que nunca me abandonaram!

Só não lembro mesmo como as duas bactérias infectaram meu cérebro, aos 46 anos de idade, produzindo pus seguidamente e me fazendo baixar hospital para novas drenagens. Livros publicados, prêmios recebidos, biblioteca com meu nome, são lembranças boas mas sei que nada restituirá à vida com ela fora um dia. Lembro também dos amigos que ficaram ao meu lado, não muitos; mas sinceros.

Revendo minha vida toda, nada guardo de rancor contra ninguém. Tenho muito a agradecer e nada a pedir: agradeço a Deus por ter me permitido chegar aos meus 52 anos de vida não com boa saúde, mas da forma que ele programou para alcançar essa maravilhosa dádiva que ainda é estar entre os amigos que tanto amo. Meu pedido aos amigos? Ah, quase esquecia: só saúde e longos anos de vida para todos!

carlos da costa
Enviado por carlos da costa em 31/01/2012
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