A DESCOBERTA DO OUTRO
                                Gustavo Corção

"Sabes tu, o que é passar dez anos amarrado ao próprio cadáver?"

"Por mais evoluído que seja, o zoológico não se livra de sua infância representada na lembrança de um bicho de verdade ou numa estampa; e não importa muito se esta foi vista aos quatro ou quarenta anos, porque uma estampa é sempre vista com olhos de criança."

"Vemos diante do espelho aquela sombra que somos. Mudamos a cada dia e sabemos que somos sempre os mesmos; justamente quando notamos as maiores mudanças é que sentimos de modo intolerável que não mudamos."

"...logo brota dentro de nós as lembranças do jardim feliz de nossa infância. Mas logo sucumbimos e a única marca que nos resta da esperança na eternidade é o nosso terrível e bendito desespero. E as lágrimas que cada um chora, na solução de sua queda, são lágrimas de criança, porque é sempre como criança que nós choramos."

"Atrás de cada face procuramos uma face escondida, um segredo que vem a ser um pouco do nosso próprio segredo. Vivemos sob essa estranha impressão de estar no próximo uma chave do nosso eu, e daí nasce, às vezes, um desejo impetuoso de arrombar e pilhar o outro para arrancar de suas entranhas, o pedaço que nos tirou."

"Aliás, uma das coisas que o mundo não sabe mais reconhecer é a hora de rir e a de chorar."

  (in "Fragmentos" - Anotações de Leitura, 1965)