Flanando em Paris


         Escrever resenhas para mim tem um função única: não me deixar esquecer o prazer ou o desprazer que um livro  me causou. Resquícios do tempo de escola, onde fazia lista para tudo: livros lidos, filmes vistos, coisas assim. Mas nunca com constância ou ordem. As anotações se perdiam no tempo. Agora, com meu blog, tenho tentado ser mais organizada. É, inclusive, um exércicio literário.É também um exercício de memória. Mal acabo de ler, tento passar para o papel as minhas impressões.Eu bem que poderia chamar essas resenhas de crônicas. Seriam as crônicas de minhas leituras. Mas crônica ou resenha, acho que isso não faz muita diferença.


            O último livro que li foi Flanando em Paris, que é um livro de crônicas de José Carlos Oliveira. Ou de Carlinhos Oliveira, o seu duplo, como ele mesmo diz. É uma coletânea das crônicas escritas por Carlinhos Oliveira durante suas viagens a Paris. São vinte anos de história. Um calhamaço com bem mais de cem crônicas, organizada por Jason Tércio e publicada pela Civilização Brasileira. São crônicas publicadas no Jornal do Brasil, a maioria sobre Paris. Mas, enquanto sediado em Paris ele fazia outras viagens. Então existem histórias sobre Londres,Lisboa e Amsterdã.

          Não me lembro de ter lido Carlinhos Oliveira antes. Se li, a leitura não deixou lembranças.  Mas sei que é considerado um de nossos melhores cronistas. Duas foram as minhas motivações para comprar este livro, há dois anos atrás: era, basicamente, um livro de viagens, que é uma de minhas literaturas favoritas; e, sendo um livro de crônicas e eu gosto de escrever crônicas, pensei que poderia ser útil para o meu aprendizado. Eu não estava enganada: é uma delícia ver os textos que ele escreve falando de sua vida nessas cidades. Mas, o maior presente que eu me dei, ao comprar o livro, foi poder perceber o crescimento do autor, como ser humano. As trasnformações pelas quais passou estão todas ali refletidas. Ao mesmo tempo que seu corpo se degradava pela insidiosa doença que o acometeu durante anos, a sua alma se transformava. Em sua última viagem a Paris, portando uma carta de apresentação de Frei Beto, ele foi visitar o convento dominicano onde Frei Tito se asilara e onde acabou se suicidando, ajudando a preencher uma das páginas mais tristes de nossa História.
Carlinhos, ateu durante a maior parte de sua vida, havia se convertido ao catolicismo. Em suas últimas crônicas, de certa forma renega o boêmio Carlinhos Oliveira, que ele chama de "seu duplo" e faz renascer José Carlos Oliveira. A leitura dessas crônicas, enfeixadas em um longo período da vida do autor, me pareceu mais a leitura de uma autobiografia. Não se sei se as tivesse lido isoladamente teria lhes dado o valor que dei. 

           Faço uma crítica a edição porém: acho que as datas em que as cartas foram publicadas não deveriam ter sido editadas isoladamente. Deveriam ter sido colocadas junto a cada crônica. Aumentaria a compreensão. O mesmo em relação as crônicas escritas nas outras três capitais européias. Deveriam estar inseridas no contexto. Mas isso não tira o mérito da edição. Nem da idéia de tornar perene o que o tempo já havia carregado para o esquecimento. Se ninguém se lembra do jornal de ontem, quem se lembraria dessas preciosidades se elas não tivessem se transformado em um livro de mais de quatrocentas páginas?