Confie em mim
... eu me lembro, não como se fosse hoje, mas eu me lembro.Estávamos na Kombi, meu pai dirigindo,um de meus irmãos menores entre ele e eu.Encostada na porta, descuidada eu estava. Ao fazer a curva, saindo da Praça e entrando na Raul Soares,a porta se abriu,mal fechada e pressionada por meu corpo.Foi um movimento único, a porta se abrindo, eu indo com ela e as mãos fortes de meu pai atento me trazendo de volta ao assento,antes que eu tombasse de vez para fora do carro.Susto.Já na Raul Soares a porta volta ao normal, eu a tranco,tensa,mas cuidadosa.Logo chegamos em casa. Nenhuma palavra.Nem de reprimenda, nem de agradecimento.Era assim a nossa relação, de poucas palavras.
Eu confiava nele.Sabia que ele daria sempre um jeito para me proteger.Mas um dia ele traiu essa confiança.Ele morreu.Tive que me virar, sem ele.De uma forma ou de outra, as pessoas que amamos e que nos passam sempre essa mensagem - Confie em mim,- um dia,elas traem essa confiança. Ou não, podem dizer alguns.O que realmente não vem ao caso.O que vem ao caso é que é a confiança o mote do maravilhoso livro de contos de Jonh Updike - Confie em mim, da Ed. Rocco.É um dos muito livros que tenho há muitos anos e que eu dizia ser um investimento para o futuro.Bem, o futuro chegou e eu agora estou usufruindo desse capital acumulado.São vinte e dois contos.Com ironia e delicadeza o autor vai contando as suas histórias tristes que retratam a vida da classe média norte-americana. Na maioria dos contos, os casais são separados.São histórias de solidão: solidão acompanhada, solidão desamparada. Pequenas maldades domésticas atormentam os personagens,adultérios mornos,vidas insípidas, mas tudo descrito de uma forma tão poética que encanta.É a vida rotineira vista pelos olhos de um poeta terno...mas desencantado. Há muitos e muitos anos atrás eu li um romance do autor:Casais trocados.Eu não estava preparada para ele ainda e não gostei. Tanto que dei o volume.Daria tudo para recuperá-lo. Sei também que escreveu uma série de romances sobre um único personagem;o Coelho.Agora, lendo a orelha do livro, a afirmação de que o autor é comparado a Flaubert me dá vontade de ler mais coisas dele.
Um dos contos que mais me impressionou:um homem se encanta com a religiosidade da mulher e se transforma em um indivíduo altamente religioso.Não porque acreditasse,bastava a ele que ela acreditasse:então, às portas da morte, depois de anos e anos juntos, ela não resiste e conta: ha muitos e muitos anos que não acreditava mais. O fervor dele a desencantara. E isso não é uma baita traição? Outro conto nos mostra um homem amando a irmã gêmea da mulher.Gêmea identica.Outra história nos mostra um casal separado, já com outros pares,se desfazendo das tralhas acumuladas. Precisavam vender a casa onde viveram e criaram a família.Um solitário é operado de apêndice em uma cidade estranha.Amigos que morrem.Artistas que não encontram a si mesmos.A nostalgia do passado.Cada conto com sua história comovente.Um livro para ler e guardar. Um livro para refletir.Se tiverem oportunidade, leiam.Pode ser devagarinho,como eu faço.Um conto por dia. Pra não acabar depressa. Pra mim ainda faltam três.
... eu me lembro, não como se fosse hoje, mas eu me lembro.Estávamos na Kombi, meu pai dirigindo,um de meus irmãos menores entre ele e eu.Encostada na porta, descuidada eu estava. Ao fazer a curva, saindo da Praça e entrando na Raul Soares,a porta se abriu,mal fechada e pressionada por meu corpo.Foi um movimento único, a porta se abrindo, eu indo com ela e as mãos fortes de meu pai atento me trazendo de volta ao assento,antes que eu tombasse de vez para fora do carro.Susto.Já na Raul Soares a porta volta ao normal, eu a tranco,tensa,mas cuidadosa.Logo chegamos em casa. Nenhuma palavra.Nem de reprimenda, nem de agradecimento.Era assim a nossa relação, de poucas palavras.
Eu confiava nele.Sabia que ele daria sempre um jeito para me proteger.Mas um dia ele traiu essa confiança.Ele morreu.Tive que me virar, sem ele.De uma forma ou de outra, as pessoas que amamos e que nos passam sempre essa mensagem - Confie em mim,- um dia,elas traem essa confiança. Ou não, podem dizer alguns.O que realmente não vem ao caso.O que vem ao caso é que é a confiança o mote do maravilhoso livro de contos de Jonh Updike - Confie em mim, da Ed. Rocco.É um dos muito livros que tenho há muitos anos e que eu dizia ser um investimento para o futuro.Bem, o futuro chegou e eu agora estou usufruindo desse capital acumulado.São vinte e dois contos.Com ironia e delicadeza o autor vai contando as suas histórias tristes que retratam a vida da classe média norte-americana. Na maioria dos contos, os casais são separados.São histórias de solidão: solidão acompanhada, solidão desamparada. Pequenas maldades domésticas atormentam os personagens,adultérios mornos,vidas insípidas, mas tudo descrito de uma forma tão poética que encanta.É a vida rotineira vista pelos olhos de um poeta terno...mas desencantado. Há muitos e muitos anos atrás eu li um romance do autor:Casais trocados.Eu não estava preparada para ele ainda e não gostei. Tanto que dei o volume.Daria tudo para recuperá-lo. Sei também que escreveu uma série de romances sobre um único personagem;o Coelho.Agora, lendo a orelha do livro, a afirmação de que o autor é comparado a Flaubert me dá vontade de ler mais coisas dele.
Um dos contos que mais me impressionou:um homem se encanta com a religiosidade da mulher e se transforma em um indivíduo altamente religioso.Não porque acreditasse,bastava a ele que ela acreditasse:então, às portas da morte, depois de anos e anos juntos, ela não resiste e conta: ha muitos e muitos anos que não acreditava mais. O fervor dele a desencantara. E isso não é uma baita traição? Outro conto nos mostra um homem amando a irmã gêmea da mulher.Gêmea identica.Outra história nos mostra um casal separado, já com outros pares,se desfazendo das tralhas acumuladas. Precisavam vender a casa onde viveram e criaram a família.Um solitário é operado de apêndice em uma cidade estranha.Amigos que morrem.Artistas que não encontram a si mesmos.A nostalgia do passado.Cada conto com sua história comovente.Um livro para ler e guardar. Um livro para refletir.Se tiverem oportunidade, leiam.Pode ser devagarinho,como eu faço.Um conto por dia. Pra não acabar depressa. Pra mim ainda faltam três.