"A Amiga Genial" traz narrativa densa e feminista

É preciso coragem e sangue frio para se debruçar sobre as histórias de vida de Lila e Lenu. Em "A Amiga Genial", primeiro romance da Série Napolitana, de quatro volumes, Elena Ferrante conta a infância e a juventude dessas duas amigas italianas com complexas personalidades.

O romance inicia quando Lenu recebe um telefonema do filho de Lila, com a notícia de que sua mãe desaparecera, querendo "apagar toda a vida que deixara para trás". Lenu então decide recontar a história daquela amizade de infância, na década de 1950, no subúrbio de Nápoles.

É fácil reconhecer a cultura patriarcal através da tensão e da violência constantes nas relações do bairro. O ambiente hostil e sombrio em que as amigas crescem parece-lhes o único modo possível de viver - assustador, porém naturalizado. A profundidade da narrativa de Ferrante leva-nos à imersão: é impossível ficar apática quando, nas relações homem-mulher, se torna clara a submissão feminina desde o âmbito familiar até o profissional. Ir à escola e ter o hábito da leitura, por exemplo, é oportunidade para poucas: o destino esperado é o trabalho doméstico e o casamento. Desse modo, em detalhes do cotidiano, Ferrante acaba por apresentar uma crítica feminista.

Acompanhar esta história é ficar obcecada pela relação intrigante de Lenu e Lila, pois plena de competição e inveja, e ao mesmo tempo de amizade, confiança e intimidade. É reconfortante perceber o enfrentamento das protagonistas no mundo denso em que habitam. Ora é possível se identificar com a impetuosidade e coragem de Lila, ora com a insegurança de Lenu. Ora com a fragilidade de Lila, disfarçada de arrogância, ora com a força de Lenu para desbravar o desconhecido.

Uma coisa é certa: ao ler Elena Ferrante, é impossível não "sentir", no sentido mais legítimo da palavra. E não ficar curiosa pelo destino de Lenu e Lila. Que bom que ainda restam três livros para acompanhar esta história.

Escrito em 07/04/19