Marte Morreu Porque Os Marcianos Quiseram
Vamos abordar o livro “Marte Morreu Porque Os Marcianos Quiseram” (2019; São Paulo: Chiado Books) de Alper Tadeu Alves Pereira.
Trata-se de um romance – uma viagem na ficção, como se apresenta – em narrativa na primeira pessoa pelo personagem principal, um advogado que discorre sobre a sua vida desde a pós-adolescência, quando foi obrigado a sair de casa, e se imiscuir na realidade da vida pelos caminhos que nem sempre se apresentam com a clareza que permite avaliações das escolhas.
A história é ambientada no Rio de Janeiro e é com maestria que o autor nos apresenta os meandros próprios cariocas de todo tipo de vagabundagem que se encontra no dobrar das esquinas ou nos corredores dos escritórios de advocacia.
As venturas e desventuras do nosso personagem são contadas com uma singular congruência entre a palavra e as situações descritas, em um flerte quase simbiótico com a prosa poética, porém, antes, demonstra a sensibilidade com que o autor consegue transmitir a sua mensagem. São tão ricas as descrições acompanhadas de encantos ou desencantos emocionais que quase se pode apostar em pitadas autobiográficas a compor pele e alma do personagem.
Mas o que impressiona mesmo são as tantas oportunidades que o livro nos oferece para a nossa própria reflexão. A exposição da natureza humana aplicada a cada um de nós, a gangorra que normalmente nos impele alternadamente entre o amor verdadeiro ou outro interesse que fale mais alto, a diferença entre se ler a situação na superfície ou nas camadas mais profundas, a (des)crença na humanidade, enfim, tantos os mistérios que vão sendo revelados ao longo da nossa trajetória. Somos, a todo momento, colocados em face das pitadas de hipocrisia que nos permitem navegar pelo “ambiente estéril onde a forma é mais importante que o conteúdo”.
O livro não é segmentado em capítulos, como a sugerir que a nossa própria vida também não; em vez de compartimentos há os altos e baixos da montanha russa que representa o nosso percorrer desde o ponto de partida à contagem regressiva.
Enfim, uma saborosa leitura, linear, no entanto com o atrativo da curiosidade dos aclives e declives de uma vida tão normal quanto ficcionalmente real. Aliás, já disse o poeta que a verdade pode, às vezes, ser inverossímil.
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PS – Conheci o autor, ele mesmo um advogado, coincidentemente (por estar no mesmo lugar) e com ele estive apenas nessa ocasião, no dia do lançamento do livro em uma pequena cervejaria numa pequena rua do centro antigo do Rio de Janeiro, onde se performava um show de uma banda de rock na calçada em função do debute. Da criativa e inusitada celebração e da posterior leitura do livro, percebi que as vibrações do movimento da rotação de Marte naquele dia não eram obra do acaso.