Voltei Formiga, do escritor mineiro Caeteense, Mauro Brandão, é um livro ágil, com um enredo incrível e que traz reflexões profundas sobre a existência e como as nossas decisões e atitudes podem impactar vidas ao nosso redor e, consequentemente, todo o nosso ambiente.

O livro conta a história de Carlos Darwin, com seus traumas, seus conflitos, seus amores, suas percepções da existência e como o conjunto desses fatores dita os rumos de toda uma geração.

Darwin, que ganha o nome em homenagem a Charles Darwin, é filho de um cientista entusiasta, dono de um laboratório que promove experimentos com diversas espécies animais e vegetais. Crescendo neste ambiente, o laboratório acaba sendo parte da sua área de lazer. E é neste lugar repleto de curiosidades que ele sofre um acidente e adquire o seu maior trauma: as formigas.

Desde o acidente, Carlos Darwin adquire uma psicopatia que o acompanhará ao longo dos anos, interferindo na sua vida social, amorosa e familiar. Quando um grande amor o restaura a um estado saudável de entendimento, ele ainda sofrerá as consequências dos anos pregressos e o ápice desses efeitos será ter a sua vida interrompida justamente no seu melhor momento.

Mas neste ponto a história está apenas começando, Carlos Darwin passa a viver a vida de uma formiga, tendo a rica oportunidade de conhecer os mistérios da existência por um outro prisma. Aqui, Mauro nos leva a refletir se a nossa existência é mesmo tão única e isolada das outras espécies, como pensamos ser, ou se na verdade somos todos parte de uma mesma engrenagem que move o planeta.

Numa terceira oportunidade, todo o conhecimento adquirido em duas existências se funde numa trama surpreendente, levantando a discussão de como somos manipulados e como tentamos manipular através da escala de valores que construímos em nossas mentes egoístas.

Em algumas passagens, Voltei Formiga me remeteu a George Orwell, outras vezes a Kafka. A ausência de muitos nomes traz uma certa influência de José Saramago na forma de descrever os personagens. Mas todas estas referências são apenas uma brisa de impressões que passa rápido pela mente do leitor, dado o fato de que o autor não se prende a um estilo outrora conhecido, mas desenvolve um enredo consistente, único e que dissipa de forma contundente a tentação de ser comparado a qualquer um dos seus predecessores na escrita.

Voltei Formiga combate, com um bom cruzado de direita, o preconceito que assola o espírito humano em suas várias personificações: religioso, gênero, cultural, racial, social, sexual, étnico, anomalias físicas, etc.

A mensagem central de Voltei Formiga começa a se formar a partir da afirmação de que “cada um de nós é parte desta mesma natureza que faz existir os homens”. (pag. 117) Ou seja, não existe o “lá fora” ou “os irracionais”, todos os seres, em suas diversas manifestações de vida, são parte de um mesmo ambiente e se complementam. O caos só se estabelece quando falta compreensão e amor entre os seres, sejam eles da mesma espécie ou não.

Que fique claro: o amor precisa se estabelecer na singularidade das relações, no trato cotidiano, que vai além das palavras ditas ou das declarações narcísicas das redes sociais. “O amor não precisa de palavras, pois o amor é maior do que qualquer uma, a expressão fiel da pura verdade da alma. As palavras podem mentir, mas o amor não”. (pag. 133)

O perdão, tão essencial para restaurar as inevitáveis rupturas, tal qual descrito em Voltei Formiga, pode ser considerado absurdo para o leitor. É realmente tão absurdo quanto o perdão ensinado por Jesus, tão impossível e inusitado quanto seguir as palavras do evangelho pela ótica da Graça, favor imerecido de Deus a nós, falhos e imperfeitos mortais. Impossível? Absurdo? Utópico? Sim... Mas por que não tentamos praticar um pouco a cada dia? Jamais chegaremos à perfeição, mas é possível ser melhor do que somos. Esta é a grande reflexão.

“Tudo está escrito nos corações. Não mais precisamos de palavras, pois o que há nas palavras é espírito. Nenhuma palavra terá sentido se não a recebermos pelo espírito que elas carregam.” (pag. 195)

Enfim, Voltei Formiga é sobre como o mundo poderia ser infinitamente melhor se as nossas relações fossem saudáveis, mas como já disse o Nazareno, “não foi assim desde o princípio por causa da dureza de vossos corações”.

No voo leve das sementes de dentes de leão em seus muitos sopros ao longo da estória, está implícita toda a carga poética desta obra singular!




Título da Obra: Voltei Formiga
Autor: Mauro Brandão
Editora Letramento, 2018
ISBN:
978-85-9530-169-6
Nº de páginas: 198

Foto do livro para a resenha: Jefferson Lima
Jefferson Lima
Enviado por Jefferson Lima em 10/11/2019
Reeditado em 24/09/2020
Código do texto: T6791491
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