O guarani - José de Alencar
A formação do povo brasileiro
"O Guarani" foi publicado originalmente como folhetim de janeiro a abril de 1957, sendo lançado na forma de livro no final desse mesmo ano. A obra é um dos maiores representantes da primeira fase do modernismo brasileiro, conhecida como fase indianista. Como o próprio nome diz, essa fase procurava valorizar o índio de forma a transformá-lo em um verdadeiro herói nacional. José de Alencar tinha a intenção de criar obras que mostrassem a realidade brasileira de sua época, exibindo as belezas do Brasil e o índio. Assim, Alencar contou através da história de amor de Peri e Ceci em "O Guarani" o tema da miscigenação entre o índio e o branco.
Na época de seu lançamento, "O Guarani" obteve muito sucesso de público e crítica. Os leitores de então já estavam acostumados com a leitura de folhetins, mas o formato “romance” ainda não estava bem desenvolvido no Brasil. Com o lançamento de "O Guarani", esse novo gênero literário ganhou força e passou a ser produzido com maior frequência e qualidade pelos escritores brasileiros. Por conta disso, essa obra é considerada o primeiro grande romance brasileiro. Uma característica interessante de "O Guarani" é que José de Alencar foi escrevendo a história de acordo com a opinião que recebia de seus leitores. Diversas vezes ele mudou o destino de alguma personagem por ter recebido reclamação ou sugestões.
"O Guarani" também pode ser considerado um romance histórico, uma vez que diversas personagens são inspiradas em pessoas reais. Além disso, têm-se também uma caracterização do Brasil da época como sendo um espelho da Europa medieval. Um exemplo significante é o de D. Antônio de Mariz, cuja fortaleza é descrita como sendo uma mistura da arquitetura colonial brasileira com a de um castelo medieval. Além disso, a relação dele com a de seus empregados é igual a que um senhor feudal tem com seus vassalos.
A estrutura do romance também segue o clássico modelo da história romântica: há uma moça bonita, o herói e o vilão. Ceci é a bela “princesa” loira e pura, filha do nobre D. Antônio de Mariz. Por ela se apaixonam três homens: Loredano, Álvaro e Peri. Loredano, que na verdade é o frei Ângelo di Luca, é o grande vilão do romance e sua paixão por Ceci não passa de um desejo sexual. Em contraste a Loredano está Peri, o índio e grande herói da história. Seu amor por Ceci tem tons de sagrado e ele a vê como uma imagem de Nossa senhora. No meio desses dois opostos encontra-se o nobre cavalheiro Álvaro, que ama Ceci de forma respeitosa e a vê como futura esposa. Porém, em certo momento ele acaba se envolvendo com Isabel, uma moça mestiça filha de D. Antônio com uma índia. Isabel é uma personagem com bastante força dentro da história, uma vez que ela encarna o complexo de inferioridade e o preconceito que sofre por ser mestiça.
O amor de Peri e Ceci é representado bem ao gosto do romantismo: Peri é o herói que se dedica inteiramente a sua amada, idolatrando-a como sua senhora. Ao final do romance, Peri realiza um ato heroico de sacrifício tomando veneno para que a tribo antropófaga dos aimorés morresse envenenada após comer sua carne. Porém, Álvaro acaba convencendo-o a tomar o antídoto e é salvo. Após a derrota dos portugueses, D. Antônio pede a Peri que ele se converta ao cristianismo e fuja com sua filha Ceci.
Dessa forma, o índio abandona sua tribo, língua e religião em nome de sua amada. Esta gradual transformação de Peri mostra a imposição da cultura branca e do cristianismo, e uma posterior assimilação do “selvagem” idealizado. Por fim, cabe ressaltar que a cena final de Peri e Ceci sumindo no horizonte seria uma representação das origens do povo brasileiro. Assim, sendo um casal formado por uma portuguesa e por um índio, eles seriam os fundadores da nação brasileira.
Narrador
"O Guarani" apresenta foco narrativo em terceira pessoa, sendo o narrador onisciente intruso. Ou seja, o narrador não só possui acesso aos pensamentos e sentimentos das personagens, como também expõe ao longo da narrativa comentários sobre as atitudes das personagens. Essa parcialidade e falta de distanciamento do narrador serve para induzir o leitor a acreditar na tese indianista de exaltação à natureza e eleição do índio como herói nacional.
Comentário do professor
O professor Marcílio Lopes Couto, do Colégio Anglo, frisa que para entender "O Guarani" é preciso pensa-lo dentro de um projeto pedagógico concebido por José de Alencar, cuja intenção era compreender e mostrar a realidade brasileira de então. O prof. Marcílio explica que estava-se em um momento histórico diretamente posterior ao da Independência do Brasil e havia-se a necessidade de criar uma cultura propriamente brasileira, diferenciando-a da cultura de Portugal. Se a língua e outros traços culturais eram iguais, o que encontraram como símbolo do Brasil foi justamente a própria terra, com suas belezas e encantos, e o índio, elegido como verdadeiro herói nacional.
Na figura do índio foram encerrados todos os valores que gostariam de ser associados ao homem brasileiro, tais como honra, lealdade, devoção à amada e sobretudo o amor pela terra. O prof. Marcílio lembra que a figura do índio dentro do Romantismo brasileiro é claramente idealizada, sendo que os próprios autores tinham consciência disso, mas pensando-se dentro do momento histórico em que a obra foi concebida a figura do índio surge como símbolo máximo da terra brasileira. Portanto, o índio Peri, protagonista de "O Guarani", deve ser entendido como um símbolo da terra brasileira.
Além da relação de Peri com a terra, outro ponto importante do livro é a relação amorosa de Peri e Ceci, que aproxima-se do endeusamento, da devoção religiosa. Ceci é uma “moça especial”, pois apesar de sua origem europeia e de sua condição aristocrática, ela é uma moça que se mostra muito apegada à natureza selvagem e entende a terra brasileira. Assim, a relação de Ceci com a terra também é um ponto que merece atenção; ainda sobre o amor entre Ceci e Peri, deve-se ter em mente que a união entre os dois é uma alegoria da criação da raça brasileira. A união do casal não fica explícita, como acontece por exemplo em Iracema, mas é sugerida ao final do livro quando eles resolvem ficar juntos na natureza selvagem e partem.