[Resenha] COURTINE, J-J. O professor e o militante. In. Metamorfoses do discurso político.

Prof. J-J. Courtine foi um dos integrantes do grupo de Michel Pêcheux, do qual emergiu a Análise do discurso na França. É professor emérito da University of California e da Université de la Sorbonne Nouvelle e o titular da cátedra European Studies da University of Auckland. Além de outras publicações, é autor de Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos (1981; 2009) e de Histoire du visage (1988) e um dos organizadores da História do corpo (2005-6) e da História da virilidade (2011).

Na obra "O professor e o militante", Courtine inicia-se efetivamente aos estudos do discurso político com sua tese Analyse du discours politique, sob orientação de Michel Pêcheux, e publicada inicialmente na revista francesa Langage (n° 62) no ano de 1981. Desde então Courtine muda de terreno e este texto trata, como ele mesmo diz, de um rápido olhar para a história do surgimento da Análise do Discurso (AD).

Nesse sentido, o autor considera o período de emergência da AD relacionado com o fato de maio de 1968 e a multiplicação das “releituras”. Disso surgem questionamentos como “o que é ler?”, “o que é um discurso teórico?”. Noutras palavras, uma nova leitura se fazia necessária em relação aos textos “clássicos”, como o faz Althusser ao reler O Capital de Marx. Portanto, é nesse período que se percebe a “não transparência do texto”.

Ao tratar da AD enquanto disciplina, o autor apresenta algumas características as quais ela apresenta no seu início. Uma que diz respeito ao objeto de estudos, isto é, escritos doutrinários; outra da relação da linguística para fornecer métodos para análises; por fim, a constituição de conceitos históricos, como tipologias discursivas. Desse modo, Courtine expõe a AD como uma escritura sobre uma escritura, que por sua vez, objetiva produzir um efeito de leitura. Síntese bastante grosseira do que vem a ser a AD, porquanto recobre apenas a duas de suas caraterísticas básicas. Ele afirma que:

O corpus é, assim, dotado de uma forma reconhecível que poderá ser explorada. Não é a necessidade de uma forma como essa que eu quero salientar aqui, mas preferencialmente as “maneiras de ver” que destacam as formas de corpus geralmente realizadas em AD: estas encontram, efetivamente, seu princípio nas tipologias, implícitas ou explícitas, colocadas a priori, em classificações espontâneas nas categorias das quais se destacam os efeitos pedagógicos e políticos ligados à “memória” da AD (p.21; aspas do autor).

Provavelmente o autor queira dizer que o próprio objeto de estudo da AD já é em sua escolha míope, isto é, deve ser possível um corpus não enviesado e, portanto,neutro. Ou um olhar imparcial da parte do pesquisador/analista. Quem sabe seja possíveis ambas as coisas. Talvez algum dia se faça teoria sem categorias com efeitos pedagógicos e políticos ligados a própria teoria, mas se não fiarmos nessa ingenuidade perceberemos, assim como Nietzsche, que a língua está por traz dela mesma formando máscaras infindáveis, em outras palavras, categorias. Diante disso, pode-se asseverar que categorizar é a materialização da razão humana na língua.

Todavia, Courtine não deixa de levantar o traço que AD carrega em seu bojo, a saber, o de “ensinar a ler a República”, ou seja, para que o povo soubesse os caminhos políticos, os quais a nação francesa tomava, era preciso ensiná-lo a ler. Dito com outros termos, a leitura cuja saudação visava à república se apoiava na pedagogia, essa, a seu turno, no professor quem deveria ensinar o que ler e como ler.

Fica nítido em qual terreno o autor joga a AD, porquanto essa deveria servir como uma máquina de ver, nas suas palavras, ou seja, servir de domesticação do olhar desde o operário até ao professor, todos militando em busca da “melhor verdade”.

Courtine, por fim, critica abertamente os procedimentos da AD, quais sejam, listas e tabelas de vocabulários, pois essas descontextualizam e recontextualizam léxicos sem um critério dado. Fato esse que o autor trata por problemas, porquanto, indaga ele, qual o sentido de um procedimento que isola elementos de seu corpo? A eloquente resposta é implicitamente silenciosa, quer dizer, não há sentido em usar tal procedimento.

Para concluir o texto, o francês responde a uma possível pergunta “é preciso continuar a fazer AD?”, ele diz: “eu responderia afirmativamente” (p. 26). Se reparássemos que a resposta é dada no futuro do pretérito do subjuntivo, muito provavelmente poder-se-ia alegar uma espécie de fuga para o passado e de lá dizer que sim, o que, por outro lado, quer dizer que na toada de agora não se deva fazer ou continuar a fazer AD. Embora Courtine dê mais opiniões para a melhoria da prática da AD. É nesse caminho que ele afirma:

A AD hipertrofia a produção do texto, enquanto recepção do texto e os efeitos próprios às operações de leitura são, da mesma maneira, constitutivos do sentido no discurso: é preciso interrogar as “maneiras de ler”, tratar o lugar do sujeito-leitor como um problema, superar a tentação ortopédica (p. 27; grifo do autor).

Que história mais atroz é a da AD a qual Courtine traz à tona. Deter o conhecimento de como ler adequadamente para se interpretar corretamente. Em outros termos, ditar o bem e o mal. Pensando nisso, será realmente preciso continuar a fazer AD?

Thiagobsoares
Enviado por Thiagobsoares em 30/09/2017
Reeditado em 02/10/2017
Código do texto: T6129217
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