Divagações de leituras: Encontro marcado com Sabino

O título do romance O Encontro Marcado, de Fernando Sabino, já é por si só uma metáfora da própria leitura que se faz do livro. Trata-se de um encontro do leitor com o seu avesso, o escritor, aquele que todo leitor também gostaria de ser, pelo menos um pouquinho. A trajetória de vida do escritor sempre em estado de potência, como do Eduardo Marciano, o protagonista do romance, desvela o processo de vida que se esconde por trás de todo protótipo de criador de histórias. Nós, os leitores, nos encontramos com os períodos que gestam o verdadeiro encontro do escritor ficcionalizado e, quiçá, de sua escrita e de sua criação com o seu público. Durante as errâncias narradas da vida de Marciano, os seus casos amorosos, as rebeldias e as loucuras da infância e da adolescência, as amizades com os pouco convencionais poetas espontâneos, além de sua angústia e insatisfação constantes após a vida de casado e de desquite, que acabam servindo como motor para a sua vontade de escrever, podemos dizer que nos encontramos com a tinta por dentro da caneta, com o combustível por dentro do automóvel, com aquilo que constitui todo ser irrequieto e incomodado com o peso insustentável da vida, o qual permite a existência de um escritor. A busca acaba se apresentando como o caminho a percorrer, aquele que nunca se esgota, o mesmo que encontra na arte o antídoto para continuar vivendo, uma espécie de fuga da realidade ao criar novas realidades. A pressão de não saber o que fazer com o daqui pra frente da vida chega a ser esmagadora para quem sempre vive tudo com toda a vontade de viver. A vida é a composição do quadro que tem nas cores as atitudes e nas texturas as intensidades. A trilha sonora é feita de silêncios uivantes que desenham ondas melódicas numa harmonia composta no aqui e agora do ser. Enquanto isso, a pena do sábio escritor, o Sabino, vai compondo a vida em seus encontros e desencontros eclipsares que jamais se constituem por inteiro, mas que também, de forma alguma, se desvanecem totalmente. Nesse indo e vindo de uma vida narrada por palavras, essas mágicas habitações onde moram pássaros que voam sem asas, a leitura se mostra como um convite a acompanhar de perto e sem pudor a intimidade de um escritor que sabe desde cedo que é, mas que ainda não se viu sendo. Por fim, o desfecho do enredo se dá num encontro do protagonista, transvestido pela embriaguez, com um misterioso personagem que se encontra do lado de fora da realidade romanesca e que denuncia ao Marciano que ele é apenas um personagem de um romance que está sendo escrito no ato. A ficção é meta, metaficcional, fala de si mesma, mas não com o didatismo exemplar de tentar explicar a construção da ficção, pois parece ser muito mais uma tentativa do próprio escritor tentar entender o que é o escrever ficção. Não tendo forças e nem sendo suficiente, o autor ficcionaliza o próprio impulso de ficcionalizar, fazendo uso da melancolia, da solidão e da angústia de um personagem que experiencia a vida e quer escrever, mas que não pode fazer um estando ocupado com o outro. O romance é escrito antes e reescrito no ato da leitura, alterando a posição do Deus criador da arte verbal que pendula entre aquele que escreve e aquele que queria escrever, mas que se contenta no momento com o ler. A travessia do romance de Sabino funciona como uma paródia da experiência literária, o verdadeiro encontro marcado.

Helder S Rocha
Enviado por Helder S Rocha em 14/12/2015
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