O PRESENTE (Cecelia Ahern)
Uma historia sobre quem se descobre quem é. Talvez esta seja uma das frases que possivelmente defina o Romance: O Presente, da autora Cecelia Ahern. O livro foi publicado no Brasil pela Editora Novo Conceito, no ano de 2013, composto por 317 páginas que envolvem o leitor em tramas as quais transpassam o familiar e o profissional, possibilitando uma consistente reflexão acerca de Trabalho X Família, Valores X Status.
Numa atmosfera natalina, é descrita a história de Lou Suffern, um executivo bem sucedido que prima por desempenhar eficazmente a sua carreira. Casado com Ruth, o protagonista desta história tem com a esposa dois filhos: Lucy (cinco anos) e Pud (treze meses) e desenvolve um cotidiano em que se poderia facilmente avaliar que se encontrava ao mesmo tempo em dois lugares, ou pelo menos, o seu pensamento estava.
Dividido entre as reuniões do trabalho e os momentos com a família, Lou termina por priorizar o trabalho, principalmente, depois de o seu colega de profissão, o Senhor Cliff, ter sofrido um colapso nervoso, e mesmo após seis meses, não se encontrar apto a retornar o trabalho. Esta realidade acende os ânimos na empresa, pois o chefe já procura um substituto para assumir a vacância.
Tudo se encontrava neste corre-corre, quando numa manhã de proximidade do natal, Lou decide doar o seu café a um mendigo de rua, Galbe, próximo ao prédio da empresa em que trabalha. O que ele jamais imaginaria era que a sua boa ação iria desencadear tantas outras ações e mudanças futuras em sua vida.
O mendigo é na realidade um bom observador, revelando a Lou detalhes sobre os seus colegas de trabalho que lhe instigam a curiosidade, inquietando-o no que concerne ao desejo existente de preencher o cargo superior existente na empresa, fazendo-o sentir-se ameaçado.
Ao saber da necessidade de um funcionário para a entrega de correspondências, Lou aproveita a oportunidade e traz o mendigo para trabalhar na empresa. Gabe assume o posto de forma tão qualificada que atrai os olhares e a simpatia de todos. No entanto, para Lou Suffern ocorre diferente. O mendigo assume para com ele uma postura paternalista e experiente (de censura), o que o incomoda em suas tomadas de atitudes ao longo dos dias, pois Gabe o faz perceber que está deixando a família sempre num segundo plano.
O conflito se intensifica, quando se encontra com dois compromissos profissionais agendados para o mesmo dia: uma reunião e uma vídeoconferência. Os dois encontros são importantes, e o fato de faltar a uma delas, permitindo que o seu colega de trabalho e rival, Alfred, a conduza, põe em sério risco a promoção almejada. Diante desta situação, Gabe lhe apresenta uma solução ao problema, que é, literalmente, uma dor de cabeça: algumas cápsulas medicinais.
Após se esquivar, por não confiar no amigo, e não saber ao certo que substâncias lhe estão sendo oferecidas, Lou toma os comprimidos e algo surpreendente lhe acontece.
Uma duplicação de Lou. Ele não entende. Talvez o leitor também não. Mas encontra-se naquela sala do décimo quarto andar (ou será décimo terceiro? A dúvida perdura no livro por não se chagar a um consenso), uma duplicação imediata. Talvez os processos de clonagem da ovelhinha Dolly seja algo pré-histórico. Com este acontecimento, torna-se possível que o grande executivo se encontre nos dois lugares ao mesmo tempo, faça todas as transações necessárias com eficiência e se torne “o homem do momento”. Embora, ele seja avisado que o efeito tem durabilidade.
Quando a primeira reunião se encerra, Lou retorna à casa, e ao encontrar a esposa e a filha doentes, dá-lhes todo o suporte, adentrando a madrugada como um verdadeiro enfermeiro para as duas. Este fato, que a princípio o deixa desconcertado, leva-o a refletir sobre a sua importância em casa, e o quanto a sua família tem necessidade dele. Neste ínterim, o segundo Lou não pode retornar a casa, e decide ir se divertir pelos bares, como comumente já faz.
Contente com o seu desempenho junto à esposa e à filha, Lou repensa suas atitudes, mas se sente preso às obrigações do trabalho para tomar as decisões que desejaria em sua vida.
Outro momento conflitante da história é o aniversário de setenta anos de seu pai. Um irlandês tradicional que, após insistência da família, autoriza a organização da festa para comemorar a data.
Mesmo após todo o empenho de sua irmã Márcia, Lou decide tomar a frente da organização da festa, como forma de mostrar aos familiares que também se dedica aos assuntos da família. No entanto, repassa todas as responsabilidades para a sua secretária.
Os problemas já se iniciam com a entrega dos convites, que é realizada de forma turbulenta e nem todos os convidados conseguem recebê-lo. O dia da festa chega e para surpresa de todos (os convidados tem mais de sessenta anos), o evento está num estilo bem jovial, apresentando garçonetes de minissaias, homens seminus por cima das mesas e uma alimentação exótica; além da ausência de cadeiras e um estilo musical que passeia entre o jazz e o havymetal.
A família fica não apenas decepcionada, mas, sobretudo, transtornada. E tudo ocorre no mesmo dia da festa de confraternização da empresa, dia em que Lou recebe a promoção tão desejada, dia este em que ele decide não ceder às cantadas de sua secretária para poder honrar o seu casamento, e ainda sair mais cedo para estar com a família.
Buscando se redimir, Lou busca se inserir na competição a barcos em que o irmão está participando e organizando. De imediato, é lembrado pela esposa que haviam combinado realizarem patinação no mesmo dia. Para mais esta situação difícil, Lou recorre aos poucos comprimidos que ainda tem, pois já havia tentado anteriormente se desfazer do frasco.
E mais um dia harmonioso acontece na vida de Lou, ao lado da esposa e dos filhos, assim como ao lado do irmão.
Ao visitar à empresa para reconhecimento de sua nova sala, o espaço tão desejado por muitos, Lou aprecia toda a solidão ali presente, e num súbito mergulho nos pensamentos, em uma pausa introspectiva, vê-se sob a mesa do escritório, com o teclado junto ao corpo. Lembrou-se que havia sido esta a posição que o Senhor Cliff fora encontrado, quando entrara em transe. Ele levantou-se imediatamente decidido a não querer aquilo para si. Aprontou-se e foi embora.
A véspera da natal se deu com Lou e Ruth passeando de mãos dadas pela Henry Street, e do salão do antigo banco que havia se transformado em restaurante, “Lou Suffern via o mundo de uma maneira diferente naquele dia. Em vez de observá-lo do alto do décimo oitavo andar (andar em que se encontrava o atual escritório), por trás de vidros coloridos e reforçados, sentado numa enorme cadeira forrada de couro, ele decidiu se mesclar às pessoas”.
Antes de retornar, enquanto a esposa segue de carro para casa, Lou busca realizar uma ultima atividade na empresa, entregar um presente que havia prometido a Gabe. Ele se encontra com o chefe, que o aborda sobre assunto dos comprimidos. O chefe relata ter tomado conhecimento da existência deles pelo rival de Lou na empresa, sob uma insinuação de que seriam comprimidos duvidosos. Lou entra em desespero, mas o chefe reconhece as cápsulas como remédios comuns para dor de cabeça, indicando o local em que tentaram raspar o rótulo de letras azuis em cada cápsula.
Dúvidas e questionamentos surgem na mente de Lou. E ele busca, desesperadamente, a resposta com Gabe. Se são realmente comprimidos para dores de cabeça, o que ocorreu de fato? E quem é Gabe na realidade?
Quando interpelado face a face, Gabe não esconde que a clonagem não ocorreu por causa dos comprimidos. “As pílulas eram apenas um truque com a ciência. Um truque com ciência. Consciência”. Eis aí quem era de fato o Gabe. A consciência de Lou driblando o tempo e o espaço para proporcionar a ele o conhecimento e a valorização de momentos com a família.
E então, o que ocorre depois? O que Lou decide fazer? Que atos vem definir o futuro de sua vida?
O enredo traz um desfecho inesperado, que vale à pena conferir numa leitura cuidadosa e repleta de reflexões, onde muitos ensinamentos podem ser extraídos para edificação humana.
Toda a história de Lou são acontecimentos recentes e é contada por mais um personagem do livro, o sargento Raphael O’Reilly, que narra detalhadamente ao Garoto do Peru, que assim se torna conhecido no livro pelo ato praticado de jogar um grandioso peru congelado na janela da casa de seu pai e de sua atual companheira.
O rapaz se encontra detido, esperando que a mãe chegue para que haja a resolução dos conflitos e participa das reflexões presentes na história, enviando sinais de compreensão, quando no decorrer da história, baixa a guarda para o sargento e revela anseios por aproveitar o tempo e consertar a relação com o pai, que divorciara-se de sua mãe.
Desde o início, a leitura evidencia que o objetivo da trama é presentear, personagens e leitores, com uma consistente lição de vida. O cotidiano apressado e estressante da sociedade contemporânea é o palco de atuação e desenvolvimento dos fatos. Cecelia Ahern aborda com maestria os reais valores da vida, possibilitando o leitor refletir sobre prioridades, rotina, ambição, tempo, em contraponto com o amor e a família, e o quanto os recomeços são necessários e até urgentes.