A CELEBRAÇÃO DO HEDONISMO NA POESIA DE REGINA LYRA - Reynaldo Valinho Alvarez
A Revista Calibán - Revista de Cultura - publicou na edição número 9 Ano de 2006, uma resenha sobre o livro Atos em Arte de Regina Lyra, páginas. 112 e 113.
Esta Revista é do Sindicato Nacional de Editores de Livros, RJ.
A CELEBRAÇÃO DO HEDONISMO NA POESIA DE REGINA LYRA
* Reynaldo Valinho Alvarez
Atos em Arte, de Regina Lyra, é um livro muito bem afinado com a personalidade da autora. É, portanto, um livro fiel ao comando afetivo de Regina. Seus sentimentos nele se projetam como corpos despidos em praias que se abrem para a intensidade do sol tropical, sem rebuços, acanhamentos ou timidezes, plenos do cálido desejo de se ofertarem à mornidão dessas longas tardes infindáveis, repletas de sensualidade e preguiça.
A poesia amorosa, o elã vital, a festa dos sentidos, o ardor juvenil, o apego ao cotidiano, a topografia corporal, o erotismo, o hedonismo, o epicurismo, a voluptuosidade e o desejo são a temática, os tópicos, o cenário e a ambientação desses textos quase sempre voltados para a celebração do prazer.
Inútil procurar a sombra de uma nuvem pressaga no céu particular dessa poesia toda voltada à exaltação do amor físico em sua plenitude. Esse é, de fato, o centro, o fulcro, o núcleo, o eixo em torno do qual se movem os textos em poesia que formam este volume.
Os poemas deste livro são, em geral, curtos, tal como os versos que os compõem. Há só um poema de maior extensão, denominado "Perfil", que compreende sete páginas. A autora parece ter urgência em comunicar suas explosões de vitalidade incontida, para anunciar ao leitor a força do "pathos" que agita e exacerba sua sensibilidade em ebulição.
O ardente apelo à carne e aos sentidos não impede que Regina assinale a intrínseca sintonia do afeto com a solidariedade, ao escrever, no poema intitulado "Chamado". "Amor.../ Via de mão dupla,/ quando um fraqueja,/ outro ajuda!"
A atmosfera, por vezes fantástica e onírica, dos enlaces amorosos defronta-se também com o despertar para a realidade concreta do cotidiano, nestes versos do poema denominado "Olhos levados": "Quem sabe o sono/ tenha levado teus olhos... / A manhã os lavou dos sonhos."
Há um intervalo na seqüência múltipla de sensações, em que Regina lança um olhar crítico sobre a lavra da poesia, tecendo estas considerações no poema que ela denomina "Ser poeta": "Poesia é questão de estética/ Não dá para ser de qualquer jeito/ Nem pensar que é poeta,/ Escrever sentimento, / Ingênuo... Momentâneo.../ Passageiro..."
A breve reflexão sobre a natureza do fazer poético á apenas um abrir de parênteses no corpo deste livro. Logo se reinstala o vigor de um Eros indomado, exigindo reconhecimento. O repertório textual de Atos em Arte é regido pela volúpia dos sentidos e dominado pelo vigor dionisíaco dos apelos mais íntimos e inadiáveis.
A autora intensifica, neste livro, a feição iterativa de suas composições consagratórias do encontro amoroso. Os "atos em arte" do título geral cabem de vários modos no registro semântico. Aos atos artísticos, aos atos do drama ou da comédia, às ações cometidas sob a égide da técnica, correspondem, também, os atos de amor cantados em textos literários.
Que se debruce agora o leitor sobre a poesia que lhe é oferecida pela autora, Regina Lyra, responsável por estas declarações de vida e vigor, extraídas de uma existência cumprida à luz do sol, cultivada em húmus, hormônio, humor e também na humildade das entregas consentidas, dos gestos não desperdiçados, embora gratuitos, e das diárias doações bem recebidas. Compete a ele, cúmplice ou carrasco, anjo custódio ou anjo vingador, o destino intransferível do comungante ou do trânsfuga, sendo o juiz que é, no silêncio e na solidão dos seus domínios.
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* Reynaldo Valinho Alvarez - Escritor e poeta, autor de A faca pelo fio e de Lavradio, entre outros livros. Rio de Janeiro.