ATLANTIS, de David Gibbins
O que torna um livro ruim? Será o excesso de detalhes técnicos? Ou as situações difíceis de acreditar? Ou o herói que sabe fazer de tudo e que nunca acaba mal? Se o livro for um best-seller, com o objetivo principal de vender muito, isso o torna ruim?
Não são os detalhes técnicos em demasia que deixam o livro ruim, pois em Os Trabalhadores do Mar, Victor Hugo os usa à exaustão, e a história é boa. Os detalhes demonstram tanto a personalidade guerreira do herói quanto a sua árdua luta no mar. No final, torcemos para que o herói supere tudo aquilo que - detalhadamente - atrapalhou a sua viagem.
Tampouco são as situações inverossímeis que depreciam o livro. Se fosse assim, Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez estaria fadado ao fracasso. Mas a história é maravilhosa. Neste caso, viajamos através das situações fantásticas e nos imaginamos vivendo-as. Em nenhum momento no desenrolar da trama dizemos "Peraí, isso é um pouco demais" ou "Não concordo com nada disso".
Nem torna o livro ruim aqueles personagens que sempre acham uma saída e nunca morrem, como no caso do agente 007, James Bond, no livro Casino Royale, de Ian Fleming. Em nosso íntimo, o que realmente queremos é que o herói se salve, salve a mocinha, a família, o amigo chato, o país, o planeta, e se sobrar tempo e bondade, até mesmo o vilão. O importante é que haja uma solução que não menospreze a nossa inteligência e que nos satisfaça dentro das expectativas.
Muito menos o fato de ser um best-seller torna o livro ruim. O próprio Dan Brown, com os seus Anjos e Demonios e O Código Da Vinci prova isto. Apesar de intelectuais não o recomendarem, a leitura destes livros é considerada uma forma de entretenimento, como assistir um filme. E ainda são capazes de fazerem o leitor refletir e debater sobre diversos assuntos, quando não mostram uma mensagem mais implícita nas entrelinhas.
Bem, vimos até aqui aquilo que não torna o livro ruim. Aliás, são aspectos que podem até ser o diferencial da obra. Então porque enumerá-los antes de falar sobre o livro Atlantis, de David Gibbins? Bem, porque todos estes aspectos aparecem no livro: muitos detalhes técnicos, situações inverossímeis, personagens mais inverossímeis ainda, e o fato de ter sido escrito como um best-seller. Neste caso não são tais aspectos que tornaram o livro ruim. É o próprio autor.
Gibbins consegue transformar uma história interessante, fundamentada em pesquisas arqueológicas e documentais, em algo maçante. A ação (essencial em um best-seller) aparece somente depois das primeiras 100 páginas, mas o excesso de detalhes técnicos não importantes à trama quebra o ritmo a toda hora. O personagem, apesar de ser um arqueólogo, lembra bastante o Rambo, por saber e fazer de tudo. Em um provável duelo com Chuck Norris e Jack Bauer, ele seria capaz de derrubar os dois juntos com os olhos vendados e uma das mãos amarrada nas costas. As tecnologias empregadas também são de uma outra época, muito além do que conhecemos hoje.
O livro nos conta sobre o arqueólogo marinho Jack Howard que, junto a sua equipe, encontra as ruínas da cidade perdida de Atlântida seguindo algumas pistas encontradas em outras escavações. A partir daí, passa a sofrer perseguições e ameaças de um pirata e saqueador internacional moderno. Após muitas dificuldades transcorridas durante quatro dias, o mocinho, ao final, cumpre o seu papel de mocinho. Mas se você confiar no subtítulo do livro que diz "Um dos maiores mistérios da história finalmente revelado" ou acreditar nas comparações feitas ao autor com Dan Brown e Michael Critchon ou procurar algo que se aprofunde na lenda de Atlântida, irá se decepcionar. Nada disso aparece aqui. Ou se aparece um pouco, é estragado pela história.
O livro foi emprestado por um amigo que está iniciando sua biblioteca agora, começando com alguns best-sellers. Ele costuma dizer que a minha opinião influencia a tal ponto a disposição dele na leitura do livro que ele prefere nem me ouvir. Mas em alguns casos é importante salvarmos outros de experimentarem pratos insossos, aromas putrefatos e letras insignificantes. Eu não compraria este livro para a minha biblioteca. Não por já o ter lido, pois considero que livros bons são aqueles que queremos ter por perto depois que o lemos. Sentimos que ele já faz parte de nós e que precisamos dele ali, ao alcance dos olhos. E o mais importante, quando estamos conhecendo um autor e logo de cara não gostamos dele, a primeira impressão é a que fica, e será difícil lermos ele novamente. É certo que todos nós evoluímos, melhoramos, mas em um universo onde há tantos escritores, acabamos relendo aqueles que sabemos serem bons aos que sabemos serem ruins.