RESENHA: ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, JOSÉ SARAMAGO

O poeta, romancista e dramaturgo português, José Saramago, nasceu na aldeia de Azinhaga, província do Ribatejo, em Portugal. Autodidata, apenas concluiu estudos secundários, dadas as dificuldades econômicas e familiares. Desenvolveu um percurso profissional do jornalismo à política, com experiências em serralharia, produção e edição literária, bem como em tradução. Estreou na Literatura aos 44 anos, com o romance Terra do Pecado, atuou como crítico literário em revistas e trabalhou no Diário de Lisboa. Em 1975, tornou-se diretor-adjunto do jornal Diário de Notícias. Foi ele o primeiro autor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998. Em 1995, foi publicado o livro Ensaio sobre a cegueira. Nele, Saramago quis, entre outros motivos que serão abordados mais adiante, levantar a questão do desinteresse, do egoísmo humano perante as coisas que acontecem no mundo todos os dias.

A obra inicia com uma cena de trânsito: um homem, enquanto esperava o sinal verde para poder seguir, de repente cegou. Mas a cegueira é diferente da que todos conhecem, é uma cegueira branca e que foi se alastrando a cada dia.

Por achar que se tratava de uma epidemia, o governo resolveu isolar todos os cegos em um manicômio, numa espécie de quarentena, com a finalidade de controlar este surto de cegueira branca. Mas não deu certo, pois a cada dia mais pessoas eram acometidas desse mal.

Durante esse período de quarentena, os instintos humanos mais escondidos e os seus verdadeiros sentimentos, perante às necessidades, às dificuldades e o medo, vão sendo revelados. No entanto, entre tantos cegos isolados, existe uma mulher que ainda consegue enxergar. É a esposa do médico, do oftalmologista. Ela é a única que vê toda a beleza do mundo descrita pelo autor, mas também vê toda a desgraça humana e não sabe explicar se se sente feliz ou triste por isso, pois presenciava cada cena, desde as mais belas como a felicidade das mulheres ao tomar um banho de chuva, na varanda, ou o desgosto em ver seu marido transar com outra bem na sua frente, o horror em ver cachorros devorando o cadáver de uma pessoa ou até mesmo a violência que sofreu quando as mulheres de sua camarata foram estupradas.

Da mesma forma, o velho da venda preta relata o que acontece do lado de fora do manicômio, através das notícias do rádio e do que via quando ainda estava do lado de fora. É ele que fala da realidade do mundo, já que passou algum tempo sem ser “contagiado”, do caos que se instalou, das atitudes impensadas de quem está no poder tentando isolar o problema ao invés de estudá-lo e resolvê-lo. Ele é que “enxerga” o quanto estão acomodados e alienados, pois as regras são quebradas e ninguém mais vê quem está agindo errado. Com o passar dos dias, as “máscaras” sociais deixam de ser importantes e necessárias na vida dos cegos na camarata, tanto que ninguém se trata pelos nomes, suas identidades resumem-se às suas profissões, características ou até mesmo às situações em que se encontravam. Essa posição confirma-se na fala da mulher do médico:

Tão longe estamos do mundo que não tarda que comecemos a não saber quem somos, nem nos lembramos sequer de dizer-nos como nos chamamos, e para quê, para que iriam servir-nos os nomes, nenhum cão reconhece outro cão, ou se lhe dá a conhecer, pelos nomes que lhes foram postos, é pelo cheiro que identifica e se dá a identificar, nós aqui somos como uma outra raça de cães, conhecemo-nos pelo ladrar, pelo falar, o resto, feições, cor dos olhos, da pele, do cabelo, não conta, é como se não existisse, eu ainda vejo, mas até quando (pág. 64).

Saramago tem uma característica interessante no modo como escreve, com poucos pontos, muitas vírgulas e discurso contínuo, faz com que os acontecimentos passem pela mente do leitor com uma velocidade incrível sem que possa dar uma pausa para respirar. Além disso, a falta de pontuação variada dá margem ao leitor fazer várias interpretações das emoções da cena.

Utilizando-se de uma parábola, o autor narra sua história ficcional, trazendo à tona a idéia da busca pela essência do ser humano, sem máscaras, através dessa cegueira. Então, traz para a pauta a questão moral, dos valores que todos trazem consigo.

O autor conclui suas idéias sobre esse tema, em que também vai explicar a causa dessa misteriosa cegueira contagiosa e inevitável, através do discurso da mulher do médico com os seus amigos conhecidos na época do isolamento: “Por que foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te digas o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem” (p. 310). O que remete a um ditado comum: “O pior cego é aquele que não quer ver”, confirmando que as pessoas tornam-se realmente quem elas são a partir do momento em que não podem mais julgar aquilo que vê. Mas não aponta soluções ou direções para a evolução do homem e a compreensão do tema.

Como em suas obras o autor busca a essência de cada indivíduo, o ideal seria conhecer um pouco de sua vida e obra, principalmente o Memorial do convento que também trata dessa revelação ao ver às coisas do jeito que elas realmente são.

A obra é dotada de um espírito misterioso e encantador magnífico. José Saramago quis que com ela o leitor pudesse parar para refletir e ver, recuperando os valores escondidos na essência da alma humana. Levando-o a também pensar na alienação e na acomodação que a humanidade está submetida, seja pelos líderes governamentais, seja pela mídia que impõe o modo de falar, de vestir, de se comportar, de agir e até mesmo de raciocinar. Essa é a principal importância do tema abordado, contribuir para “abrir os olhos” das pessoas para a realidade e para tudo o que acontece. Isto é percebido de forma tão fantástica que no decorrer da história, pois o próprio leitor pensa estar cegando e descobre o quão cego que é.

Até mesmo a extensão e disposição dos parágrafos de forma sequencial e o uso de uma linguagem lógica, objetiva, clara, coerente e simples, apesar de muitas palavras estarem adequadas à escrita portuguesa, como a troca dos acentos circunflexos pelos acentos agudos ou a inexistência destes em palavras que mereciam seu uso, possibilita a continuidade e a subjetividade das idéias e das emoções. Além disso, por ser fácil e prazerosa, a leitura pode ser recomendada a todos aqueles que queiram aprofundar seus conhecimentos sobre a busca pela essência humana.

Portanto, Saramago deixa seu leitor encantado e ao mesmo tempo assustado, pois será que é preciso todos cegarem para que enxerguem o interior de cada um? Até onde o indivíduo pode suportar em nome de sua sobrevivência? Então será necessário ver tudo isso para não se deixar cegar.

ANA CLAUDIA SILVA FONTES
Enviado por ANA CLAUDIA SILVA FONTES em 26/09/2012
Código do texto: T3902770
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