A Descoberta de Clarice.
 

Já escrevi em algum lugar e, portanto alguém já leu também, que nunca fui leitora de Clarice Lispector. Não, pelo menos no tempo em que ela se transformou em mito e era chique ler Clarice. Um conto ali e outro aqui, nada que me gabaritasse para dar alguma opinião sobre ela. Há pouco tempo ganhei ou comprei, nem me lembro, Clarice na Cabeceira, seleção de textos escolhidos por personalidades e acabei me interessando.  Comprei dois livros dela – A descoberta do Mundo e Minhas queridas. O primeiro, textos que ela escreveu para o Jornal do Brasil, como crônicas, mas que em minha opinião tinha de tudo, inclusive crônicas. O segundo, cartas que ela escreveu para as irmãs, Elisa Lispector, também escritora e Tânia Kaufmann.

Certa vez, movida por inquietudes particulares, dediquei-me ao estudo dos sonhos. Do que aprendi lembro-me entre outras coisas, que os estudiosos do sonho, consideravam mais importantes do que o sonhado, a sensação que temos ao acordar. Quando faço uma resenha, não sendo eu nem crítica literária e nem professora de literatura, considero o mais importante a sensação que tive ao ler o livro. E é assim que escrevo sobre o assunto – são resenhas para não esquecer.

Lendo esses dois livros sinto que ingeri uma overdose de Clarice. Vou levar um tempinho para me recuperar. Preciso me desintoxicar.



As crônicas para o JB são de fácil leitura e ali não encontrei o hermetismo tão decantado da autora. Li coisas que gostei de ler, li coisas que se não tivesse lido não faria a menor diferença, pois até já me esqueci e li coisas ruins também.
 
Foram publicadas aos sábados, de 1967 até 1973. O título, bem escolhido: enquanto descobre o mundo Clarice se descobre ao mundo. É realmente fascinante ver um mito se despindo frente aos seus leitores, se tornando gente como a gente.

Como é de meu hábito, quando compro um livro me torno parceira do autor. E aqui e ali vou rabiscando sobre coisas que me tocam. Um dos títulos cuja leitura mais me agradou foi As três experiências onde ela enumera os motivos pelos (ou para?) quais nasceu – Amar os outros, escrever e criar seus filhos. Falando sobre o fato de ter nascido para escrever ela se explica: não sabia estudar e escrever não se aprende estudando, mas escrevendo. Guardei e gostei desse porque me identifiquei completamente, pois nunca gostei de estudar, embora sempre tenha amado aprender. .
Clarice brinca com as palavras. Em alguns momentos ela as usa de uma forma tão estranha que sinto que está rindo de alguém ou de si mesma. Vejam este título: Desafio aos analistas. Vejam o texto –Sonhei que um peixe tirava a roupa e ficava nu.Eu pensei pensando também em todos que também leram: E nós com isso? Para mim nada significou, achei de um mau gosto tremendo.

O outro livro, o de cartas, achei uma tremenda sacanagem que fizeram com ela para ganhar alguns trocados em cima de sua fama. As cartas são muito íntimas e a maioria bem bobinha. Penso que ela nunca autorizaria essa publicação. Em certos momentos cheguei a me sentir envergonhada por estar entrando na intimidade de uma pessoa sem sua permissão. São cento e vinte cartas e o seu valor histórico realmente acaba sendo grande – os jovens de hoje nem vão acreditar quando lerem que para se telefonarem era preciso marcar o dia e a hora e as ligações, caríssimas certamente não era claríssimas. A demora em receber cartas era outro suplício, porque levavam dias para chegar, mesmo depois de finda a guerra. Fotografias então !

Fiquei conhecendo muito de Clarice. Era bonita e sabia disso. Solitária e de humor instável era ligadíssima nas irmãs, super dependente. Insegura. Muito inteligente. Falava de seu trabalho como se fosse algo extremamente necessário sem o qual não poderia viver – seu trabalho era escrever. E foi então que compreendi porque nunca vou ser uma escritora profissional – escrever para mim nunca foi trabalho, mas lazer.

Ah, já ia me esquecendo – apesar da overdose ler Clarice também foi um prazer, logo, um lazer. Valeu.